Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 244 - de 15 a 21 de março de 2004
Leia nessa edição
Capa
A propósito do Araguaia
Livro: saúde reprodutiva
Pesquisa :carne-de-sol
Metanol e diesel: medida certa
Geociências: viajando no tempo
Pochmann: meta de emprego
Jovens: transtornos mentais
Saúde: esquistossomose
Meio ambiente e biossegurança
Livro: ciências exatas
Unicamp na mídia
Painel da semanal
Oportunidades
Teses da semana
Metodologia: descarte de pneus
Fotografia: floresta urbana
 

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Nepo lança livros sobre saúde
reprodutiva, gênero e sexualidade
Obra conta a trajetória do programa da Unicamp que
se transformou em referência nacional

CLAYTON LEVY

A demógrafa Elza Berquó: “Comprometimento com o rigor científico, com o papel político do conhecimento e com o saber humanizado”

O Núcleo de Estudos da População (Nepo), da Unicamp, considerado referência nacional em pesquisas demográficas, lança no próximo dia 17, no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, duas importantes publicações sobre saúde reprodutiva, gênero e sexualidade no Brasil. O livro Construindo Novos Caminhos, organizado pela demógrafa Elza Berquó e pela socióloga Maria Isabel Baltar da Rocha, faz um balanço dos trabalhos desenvolvidos nos últimos 12 anos pelo Programa de Saúde Reprodutiva e Sexualidade do Nepo, enquanto a série Cadernos de Saúde Pública, editada pela Escola Nacional de Saúde Pública, ligada à Fundação Oswaldo Cruz, apresenta um número especial com o tema Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva: A Constituição de Um Novo Campo na Saúde Coletiva, que reúne 25 artigos científicos de bolsistas, docentes e coordenadores do Programa Interinstitucional de Metodologia de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva, também ligado ao NEPO. Ambos foram financiados pela Fundação Ford.

Escrito em linguagem jornalística, Construindo Novos Caminhos faz um relato minucioso das atividades e resultados do Programa de Saúde Reprodutiva e Sexualidade, desde 1992, quando foi criado pelo Nepo em parceria com o Centro de Pesquisas e Controle das Doenças Materno-Infantis de Campinas (Cemicamp). O programa gerou várias pesquisas e livros que servem de subsídio para políticas públicas, integrou projetos interinstitucionais e criou um Programa de Estudos pioneiro nessa área.

Ao todo, 210 pessoas já passaram pelo programa desde a sua criação, pesquisando termas relacionados à sexualidade; concepção e anticoncepção; doenças sexualmente transmissíveis e HIV/Aids; gravidez, parto, puerpério e amamentação; aborto; e metodologia de pesquisa. Alguns dos participantes também aparecem no livro, relatando as ações que conseguiram realizar com base no conhecimento obtido no Programa. Entre eles, a ministra da secretaria de Promoção da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro.

“O Programa se realizou num momento em que os direitos reprodutivos, os direitos sexuais, a saúde reprodutiva e a saúde sexual eram temas que estavam em discussão no âmbito internacional e também no das políticas públicas”, conta a socióloga Maria Isabel Baltar da Rocha.

O outro trabalho a ser lançado, um número especial da série Cadernos de Saúde Pública, com o tema Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva: A Constituição de Um Novo Campo na Saúde Coletiva, é fruto do Programa Interinstitucional de Treinamento em Metodologia de Pesquisa em Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva, que nasceu do Programa de Estudos com o objetivo de formar novos investigadores sobre esse tema em várias regiões do País.

Trata-se de um esforço conjunto de docentes e pesquisadores do Nepo; Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz; Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo; e do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia. “Não é possível encontrar em uma única instituição todas essas especificidades; trabalhar gênero, sexualidade e saúde reprodutiva, a partir de metodologias qualitativas e quantitativas”, afirma Regina Barbosa, que integra a equipe de coordenação e responsável pelo trabalho no Nepo.

Além da formação de 188 alunos e 84 bolsistas, os resultados do Programa podem ser conferidos nos artigos científicos que compõem a publicação. Os trabalhos focalizam temas como contracepção e gravidez na adolescência; pedofilia na mídia impressa; violência contra mulheres; práticas sexuais de jovens homossexuais; esterilização feminina; e prevenção de DST/Aids, entre outros. Em entrevista ao Jornal da Unicamp, a demógrafa Elza Berquó fala sobre os trabalhos.


Os multiplicadores do conhecimento

JU – Que balanço a senhora faz desses doze anos do Programa de Saúde Reprodutiva desenvolvido pelo Nepo?
Elza Berquó – O balanço é extremamente positivo. Abriu-se um campo novo na confluência das ciências sociais com as ciências da saúde. Durante todo esse período preparamos um grande número de pesquisadores, profissionais da saúde e ativistas da sociedade civil sobre a questão dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos. As pessoas que passaram pelo Nepo se constituíram em multiplicadores desse tipo de conhecimento, sempre comprometido com o rigor científico, com o papel político do conhecimento e com o saber humanizado.

JU – Já é possível medir o impacto que a multiplicação desse conhecimento está gerando na sociedade?
Elza Berquó – Não há dúvida sobre isso. Muitas das pessoas que atuam nas áreas de saúde da mulher, quer no ministério (da Saúde) ou em várias secretarias de estado, passaram por nós. Produziram e estão produzindo muita coisa nessa direção. A própria Lei do Planejamento Familiar de 96, por exemplo, surge no Ministério da Saúde no momento em que a colaboradora do programa do Nepo era responsável pela área de Saúde da Mulher. Ela participou de vários programas que promovemos e constituiu um elemento importante na gestão publica. Isso se repete em várias secretarias de saúde em muitos estados do Brasil.

JU — Qual a evolução demográfica brasileira para as próximas décadas?
Elza Berquó – O crescimento anual da população vem declinando sistematicamente. Isso ocorre porque a fecundidade também está declinando. Ela sofreu um declínio de 1991 para 2000 da ordem de 12% e vai continuar a declinar.

JU — Quando o Brasil chegará ao nível da simples reposição demográfica?
Elza Berquó – Os estudos que estou conduzindo no momento, com base nos censos de 1991 e 2000, mostram que no Brasil, em 2000, 54% das mulheres em idade reprodutiva já estavam abaixo do nível de reposição. É bastante significativo. Em 1991 isso correspondia a 45% dessas mulheres. Com cinco ou mais filhos em 1991 estava a 11% e hoje é 6%. Isso vem declinando em todas as grande regiões do Brasil. Nas áreas urbanas, 63% das mulheres em idade reprodutiva em 2000 já estavam abaixo do nível de reposição e apenas 1% com cinco ou mais filhos. Então, não há dúvida nenhuma que estamos caminhando para uma fecundidade cada vez menor.

JU – Onde se concentra essa maior parcela de fecundidade, que em 2000 era de 6%?
Elza Berquó – Principalmente no Norte e Nordeste, nas áreas rurais e entre a população negra.

JU – É possível fazer uma projeção para as próximas décadas?
Elza Berquó – Não fizemos isso ainda. Mas se fôssemos projetar diria que em 2010 a proporção de mulheres urbanas na idade reprodutiva com fecundidade abaixo do nível de reposição deverá chegar a 70%. A tendência é muito veloz.

JU – E quais as razões para essa veloz redução na fecundidade das mulheres urbanas?
Elza Berquó – A experiência histórica de outros países, principalmente da Europa, mostra que não se reverte rapidamente uma tendência. Criar filhos fica cada vez mais difícil. As pessoas preferem ter menos filhos para criá-los melhor. Além disso, cada vez mais as mulheres adiam o casamento visando a constituição da família, o que não significa que também adiem sua iniciação sexual. Elas também cotejam entre se realizar profissionalmente e ter família.

JU – Qual a situação da saúde reprodutiva no Brasil atualmente?
Elza Berquó – Comparando com outros países, acho que o Brasil tem políticas muito avançadas. A Lei do Planejamento Familiar e a portaria sobre a esterilização voluntária são extremamente avançadas. O Brasil continua fiel aos princípios defendidos nas conferências das Nações Unidas, destacando-se a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, realizada no Cairo em 1994, e a Conferência Cairo + 5, princípios estes que estabeleceram os direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos. Não posso garantir que lá na ponta dos serviços de saúde, em todos os rincões do Brasil, será possível encontrar todos os métodos. Mas, em princípio, é o que diz a Lei do Planejamento Familiar.

JU — A lei de planejamento familiar no Brasil, sancionada em 1996, regulamentou a esterilização voluntária. Que balanço a senhora faz dessa medida?
Elza Berquó – O que tem de fundamental nisso é que a esterilização masculina ou feminina passou a ser um direito reprodutivo. Colocada a questão nesse plano, era preciso normatizar a sua prática, porque antes ela era proibida pelo Código Penal, mas todo mundo fazia. E para fazer recorria à cesariana. Daí o aumento vertiginoso das cesarianas no Brasil. A normatização da esterilização, no caso das mulheres, também pretendeu uma redução nas cesarianas. Não tenho números exatos, mas posso garantir que estão caindo.

JU — Um estudo coordenado pela senhora em 2003 sobre direitos reprodutivos de mulheres e homens face à nova legislação sobre esterilização voluntária, mostrou que ainda falta muito para que a população tenha garantia de acesso a esses serviços nos hospitais públicos. Quais os principais entraves?
Elza Berquó –Verificamos que das mulheres que recorrem ao serviço público para esterilização apenas 30% conseguem realizá-la. Muitos diretores de hospitais e centros de saúde não concordam com os critérios que estão colocados na lei, determinando que a mulher tenha mais de 25 anos ou pelo menos dois filhos vivos. Muitos acham que seria preciso a mulher reunir as duas condições. Começaram a achar que era muito cedo 25 anos e, dois filhos, muito pouco.

JU — Sob a perspectiva de gênero, o estudo também mostrou que os pedidos de esterilização masculina obtinham mais sucesso que os de mulheres. Quais as razões disso?
Elza Berquó – O homem tem mais sucesso porque a vasectomia pode ser feita em ambulatório. A mulher precisa ir para o hospital, onde vai competir com outros casos mais sérios do que uma laqueadura.

JU – Qual é a prioridade para o Brasil no âmbito de uma política para a saúde reprodutiva?
Elza Berquó – A prioridade é informação e educação. Temos de ter educação sexual nas escolas. Nada de posturas discriminatórias, conservadoras e moralistas, porque essa não é a linguagem do jovem. Precisamos de muita informação e muito acesso da população à camisinha e à contracepção de emergência. O jovem deve fazer sexo com dupla proteção. Contra a Aids e contra a concepção. Numa perspectiva mais ampla, manter a eficiência dos programas de pré-natal e prevenção contra o câncer.

Lançamento:
Construindo Novos Caminhos – 12 anos do Programa de Saúde Reprodutiva e Sexualidade –
Organizadoras: Elza Berquó e Maria Isabel Baltar da Rocha.

Cadernos de Saúde Pública – Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva: a constituição de um novo campo na saúde coletiva –

Organizadoras:
Estela Maria Leão Mota de Aquino, Regina Maria Barbosa, Maria Luiza Heilborn e Elza Berquó.

Data
: 17 de março.

Horário
: 19h30.

Local
: Museu da Imagem e do Som (MIS), São Paulo

 

 

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