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                              | Marcio 
                                Pochmann, professor e secretário municipal 
                                do Trabalho de São Paulo: Torna-se 
                                incompatível ter crescimento econômico 
                                sustentado e manter políticas macroeconômicas 
                                conduzidas por uma enorme restrição 
                                monetária e fiscal | 
                          
                          JU  
                            O governo assumiu prometendo a criação 
                            de milhões de empregos. O que se vê hoje, 
                            entretanto, é um aumento do número de 
                            desempregados. Como solucionar essa equação?
                            
                          Marcio 
                            Pochmann  Tecnicamente é possível 
                            que se chegue a um volume de postos de trabalho semelhante, 
                            próxima, ao prometido. O fato concreto é 
                            que precisam ser adotadas medidas que apontem para 
                            um quadro de ampliação do nível 
                            de emprego. Isso significa dizer que fundamentalmente, 
                            no meu modo de ver, a economia precisa voltar a crescer 
                            em torno de 5% ao ano. É necessário 
                            também reduzir a jornada de trabalho, especialmente 
                            no que diz respeito ao volume das horas-extras  
                            de cada dez trabalhadores, quatro trabalham acima 
                            das 44 horas semanais. Outra questão é 
                            justamente uma reorientação do gasto 
                            público para as atividades que resultem na 
                            criação de postos de trabalhos.
                          JU  Quais segmentos deveriam 
                            ser contemplados por esse redirecionamento?
                          
                          Pochmann  Deveria ser 
                            focado nas áreas de infra-estrutura e de transferência 
                            de renda. Temos um contingente de jovens pauperizados 
                            que não completam o ensino médio porque 
                            têm uma renda muita baixa e acabam pressionando 
                            o mercado de trabalho muito cedo. A transferência 
                            de renda, por exemplo, auxiliaria na retirada desse 
                            segmento formado por crianças, adolescentes 
                            e jovens com baixa escolaridade do mercado de trabalho 
                            e tornaria possível outro efeito: elevar o 
                            nível de instrução desse grupo. 
                            Simultaneamente é preciso aumentar o valor 
                            pago pela previdência e assistência social, 
                            que é muito baixo. Tão baixo que acaba 
                            estimulando as pessoas, mesmo aposentadas, a continuarem 
                            no mercado de trabalho. Dados de 2002 divulgados pelo 
                            IBGE indicam que seis milhões de aposentados 
                            e pensionistas continuam trabalhando.
                          JU  O senhor disse recentemente 
                            que o desemprego deve ser tratado como um caso de 
                            calamidade pública. Além da reorientação 
                            dos gastos públicos, que medidas emergenciais 
                            poderiam ser adotadas para minimizar o problema? 
                          
                          Pochmann  Em primeiro 
                            lugar, uma meta de emprego. A política econômica 
                            não pode apenas perseguir o superávit 
                            primário e a inflação, mas também 
                            o conteúdo social. O governo deveria estabelecer, 
                            por exemplo, quantos empregos seriam gerados este 
                            ano. E a segunda medida, também emergencial, 
                            seria uma frente de trabalho, um programa oferecido 
                            para as pessoas que estão desempregadas e que 
                            não passaram pelo mercado formal de trabalho 
                             que são os desempregados que nunca trabalharam 
                            ou que trabalharam apenas no setor informal.
                          JU  Em que medida a política 
                            macroeconômica inibe a criação 
                            de novos postos de trabalho?
                          
                          Pochmann Torna-se incompatível 
                            ter crescimento econômico sustentado e manter 
                            políticas macroeconômicas conduzidas 
                            por uma enorme restrição monetária 
                            e fiscal. Justamente por isso estamos defendendo que 
                            o governo federal incorpore em seu planejamento, junto 
                            com a meta de inflação e do superávit 
                            primário, a meta de emprego. 
                          JU  Até que ponto 
                            essa proposta é factível se os gestores 
                            da política econômica têm demonstrado 
                            publicamente uma propensão pela manutenção 
                            desse estado de coisas?
                          
                          Pochmann  Uso como 
                            exemplo a experiência que tenho na Prefeitura 
                            de São Paulo. O gestor público, seja 
                            secretário municipal ou ministro, opera de 
                            acordo com o governo como um todo. Se o gestor público 
                            na Fazenda ou no Banco Central tem como meta a inflação 
                            e o resto não lhe diz respeito, faz-se tudo 
                            quase que exclusivamente olhando o comportamento da 
                            inflação. A Fazenda olha essencialmente 
                            o gasto público, ou seja, como posso gastar 
                            menos para gerar o superávit que foi estabelecido. 
                            Tudo bem que você tenha preocupação 
                            com o gasto, mas em que medida esse ajuste fiscal 
                            e a taxa de juros fazem com que você comprometa 
                            uma outra meta, no caso a geração de 
                            empregos? Se for estabelecida essa meta, acredito 
                            que a combinação se torna mais complexa 
                            e o gestor público será obrigado a olhar 
                            o país como um todo e não apenas as 
                            variáveis de inflação e de superávit 
                            que estão hoje essencialmente sob sua responsabilidade. 
                            No mês passado tivemos uma deflação 
                            no município de São Paulo, fruto da 
                            opção exclusiva em torno do combate 
                            à inflação. É algo que 
                            está comprometendo a economia real, o setor 
                            produtivo e, sobretudo, a criação de 
                            novos postos de emprego. Daí a incompatibilidade.
                          JU  Essa discordância 
                            pode ser vista como uma queda-de-braço? 
                            Pochmann  Na verdade, o governo é constituído 
                            de diferentes pontos de vista. Esse debate é 
                            intenso ao longo de uma gestão pública. 
                            No passado houve disputas internas entre os ex-ministros 
                            Serra e Malan. É natural essa pressão 
                            para se definir qual a meta a seguir.
                          JU  Trabalho coordenado 
                            pelo senhor aponta que o Brasil ocupa o segundo lugar 
                            no número de desempregados no mundo. Por que 
                            chegamos no fundo do poço?
                          
                          Pochmann  Até 
                            os anos 80, apesar de ter a quinta maior população 
                            do mundo, o Brasil respondia pela 13a posição 
                            em termos de desempregados. A partir da década 
                            de 90 fomos rapidamente perdendo a condição 
                            de baixo desemprego. Tínhamos por exemplo, 
                            em 1989, 1,8 milhão de desempregados. Esse 
                            número saltou para mais de 8 milhões 
                            em 2002, segundo dados da PNAD (IBGE), o que nos colocou 
                            entre os três países com maior nível 
                            de desemprego no mundo. Isso se deve basicamente a 
                            três motivos. O primeiro foi sem dúvida 
                            a ausência de crescimento econômico, ou 
                            crescimento a taxas muito baixas. Isso é grave 
                            num país que coloca anualmente 2,3 milhões 
                            de pessoas no mercado de trabalho. Em segundo lugar, 
                            o país convive com uma crescente concentração 
                            de renda. A participação da renda do 
                            trabalho na renda nacional era 45% no início 
                            dos anos 90 e caiu para 36% no início desta 
                            década. A redução da renda do 
                            trabalho faz com que mais pessoas de uma família 
                            vão ao mercado de trabalho, o que resulta em 
                            mais pressão do lado da oferta de mão-de-obra 
                            e em mais horas-extras, reduzindo outra vez as possibilidades 
                            de ocupação. Por fim, o terceiro motivo 
                            diz respeito à forma com que o Brasil vem se 
                            inserindo na economia mundial. O país, de forma 
                            muito passiva, estaria retornando a condição 
                            de economia especializada  ou seja, cresceu 
                            a sua importância na economia mundial em setores 
                            agrícolas, mas com baixo valor agregado e acanhado 
                            conteúdo tecnológico. Essa forma de 
                            inserção na economia mundial nos retira 
                            a possibilidade de gerar mais postos de trabalho, 
                            sobretudo os de maior qualidade. É uma volta 
                            à situação pré-1930. 
                          JU  Estudos recentes de 
                            sua autoria ressaltam a importância da inovação 
                            tecnológica na geração de empregos, 
                            tese que começa a ganhar força depois 
                            de rechaçada ao longo dos últimos anos 
                            por setores da esquerda e pelos conservadores. Como 
                            a inovação poderia levar ao chamado 
                            círculo virtuoso? 
                          
                          Pochmann  Nossa avaliação 
                            é a de que países que estão investindo 
                            mais em tecnologia, aqueles que aumentam mais rapidamente 
                            a produtividade do trabalho, são justamente 
                            as nações com maior capacidade de gerar 
                            empregos de qualidade e num ritmo muito rápido. 
                            Ninguém tem dúvidas que os Estados Unidos 
                            representam hoje um dos países mais avançados 
                            tecnologicamente e, no entanto, até 2000, com 
                            a crise internacional e o terrorismo, o país 
                            vinha apresentando taxas decrescentes de desemprego, 
                            comparáveis às dos anos 60. Temos um 
                            dado interessante: de acordo com a Organização 
                            Internacional do Trabalho (OIT), nós tínhamos 
                            em 1979, 45 milhões de pessoas desempregadas 
                            no mundo. Desse universo, o G7 representava um terço 
                            do desemprego mundial. Em 2001, o desemprego mundial 
                            atingia 160 milhões, sendo que a participação 
                            do G7 havia caído para 12%. Portanto, o desemprego 
                            vem crescendo muito mais rapidamente nos países 
                            com baixo investimento em tecnologia. No meu modo 
                            de ver, está em curso, no mundo, uma nova divisão 
                            internacional do trabalho. Não é mais 
                            como no passado, quando havia uma diferenciação 
                            entre o trabalho agrícola e o trabalho industrial. 
                            Agora falamos na diferenciação entre 
                            o trabalho de concepção e o trabalho 
                            de execução da produção. 
                          
                          JU  Quais seriam as diferenças 
                            entre as duas modalidades?
                          
                          Pochmann  Na verdade, 
                            a concepção e a administração 
                            da produção são muito mais importantes 
                            do que a execução. Vou dar um exemplo 
                            da maior indústria de calçados do mundo, 
                            que emprega 100 mil pessoas. Desse total, 20 mil trabalham 
                            na matriz. São justamente aqueles que nada 
                            produzem em termos de calçados, mas desempenham 
                            funções importantes como aplicação 
                            dos recursos da empresa, planejamento, distribuição 
                            e comercialização, além de cuidarem 
                            da parte de design e marketing. Esses trabalhadores 
                            recebem salários relativamente elevados, enquanto 
                            que os 80 mil envolvidos com a execução, 
                            com a produção de calçados, trabalham 
                            em países com menor custo-trabalho, onde as 
                            condições são próximas 
                            às do século 19. Você tem então 
                            a combinação de formas de trabalho do 
                            século 21 com aquelas do século 19. 
                            Essa divisão coloca em lados distintos aqueles 
                            países que investem em tecnologia e os outros, 
                            que são meramente compradores de tecnologia.
                          JU  Por que então 
                            persiste a idéia de que a tecnologia é 
                            a vilã da exclusão?
                            
                          Pochmann  Na minha 
                            opinião, o Brasil teve um avanço tecnológico 
                            pontual, sobretudo nas grandes empresas, justamente 
                            aquelas que têm condições de gerar 
                            tecnologia em laboratório ou possuem o capital 
                            necessário para comprar tecnologia. Essas corporações 
                            fizeram inovações em geral na produção 
                            e num contexto econômico muito desfavorável, 
                            de baixo crescimento. As pessoas que perderam emprego 
                            nesses locais não tiveram muitas alternativas 
                            de trabalho. Mas, a maior parte das empresas nacionais 
                            é constituída de pequenas e micros empresas, 
                            que praticamente não inovaram em termos de 
                            produção. 
                          
                             
                              |  | 
                             
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                                de emprego afixadas em praça na região 
                                central de Campinas: país está em 
                                segundo lugar no número de desempregados 
                                no mundo | 
                          
                          JU  Quais são os 
                            efeitos dessa estagnação?
                          
                          Pochmann  Quando se 
                            tem uma inovação tecnológica 
                            e o país está crescendo, quando a produção 
                            cresce mais rapidamente que o ganho de produtividade, 
                            você tem uma elevação no nível 
                            de emprego. Quando a produtividade cresce acima da 
                            produção do país, do PIB, você 
                            tem uma redução dos postos de trabalhos. 
                          
                          JU  O senhor comanda uma 
                            pasta considerada a vitrine da administração 
                            de Marta Suplicy. Qual foi a fórmula adotada 
                            para se obter êxito numa cidade que tem mais 
                            de um milhão de desempregados?
                          
                          Pochmann  O que desenvolvemos 
                            no município de São Paulo é um 
                            novo modelo de gestão de políticas públicas. 
                            Na verdade, a gente passou a combinar de forma inédita 
                            no país os programas do município com 
                            alguns do estado e do governo federal. A tradição 
                            da política pública nacional é 
                            o da competição. O município 
                            compete com o estado, o estado com o governo federal 
                            e assim por diante. Esse novo modelo de gestão 
                            é que faz a diferença em termos de aplicação 
                            de recursos, uma vez que reduz o custo operacional 
                            e permite realizar uma ampla cobertura em termos do 
                            número de beneficiados. Somente no município 
                            de São Paulo já são 320 mil famílias 
                            beneficiadas (14% da população da cidade), 
                            o que permitiu ao Banco Mundial identificar como a 
                            maior experiência da atualidade em enfrentamento 
                            da exclusão social.
                          
                          Outro aspecto diferenciador da estratégia 
                            de inclusão social paulistana diz respeito 
                            ao gasto de cerca de 3% do orçamento da cidade 
                            nos programas sociais comprometidos com a emancipação 
                            econômica e social das famílias que vivem 
                            na condição de pobreza.
                          
                          Mas isso tudo, não significa 
                            dizer que se trata de um modelo de gestão e 
                            de inversão de prioridades que não possa 
                            ser transferível para outros municípios, 
                            estados e mesmo para a União. 
                          
                          Sabe-se hoje que um dos problemas 
                            sérios das políticas públicas 
                            do Brasil decorre justamente da forma como que ela 
                            é gerida. A política pública 
                            é em geral clientelista e paternalista, olhando 
                            a pobreza somente pela ótica assistencialista. 
                            
                            Além disso, convém destacar que o município 
                            não tem governabilidade a respeito dos fatos 
                            geradores do fenômeno da pobreza. São 
                            pressões que decorrem, sobretudo, da política 
                            macroeconômica e dos antigos equívocos 
                            da política social federal. 
                          
                          Observe-se, por exemplo, a situação 
                            do desemprego. Em São Paulo, há quase 
                            1,1 milhão de desempregados, embora a cidade 
                            tenha diariamente cerca de 1,3 milhão de pessoas 
                            que trabalham aqui e não residem aqui. Não 
                            se trata de uma cidade decadente, mas de uma elevada 
                            competição por postos de trabalho exercida 
                            não apenas por moradores da cidade, mas de 
                            várias localidades do país. Tecnicamente, 
                            a cidade tem postos de trabalho que poderiam absorver 
                            a todos os paulistanos que estão desempregados, 
                            só que uma parte está ocupada por pessoas 
                            que não moram em São Paulo. Isso não 
                            quer dizer que a cidade deva se fechar e empregar 
                            apenas paulistanos. Pelo contrário, a cidade 
                            só existe por que imigrantes a construíram, 
                            por que gente de todo o mundo trabalhou e trabalha 
                            aqui criando belezas, cultura, tecnologia, produtos 
                            e serviços. Esses números servem apenas 
                            para enfatizar que o problema do desemprego extrapola 
                            as fronteiras e poderes dos municípios. A questão 
                            é nacional, incapaz de ser resolvida no plano 
                            local.
                          JU - Quais são os pontos 
                            principais do modelo adotado por sua Pasta e seus 
                            respectivos programas?
                          
                          Pochmann  O objetivo 
                            maior de nossa ação é promover 
                            a inclusão social e a cidadania da população 
                            carente de São Paulo. Para isso, articulamos 
                            dois princípios: é necessário, 
                            primeiro, resgatar da situação de pobreza 
                            as famílias mais carentes da cidade; e, em 
                            seguida, construir meios que permitam a essas famílias 
                            viver o mais dignamente possível a partir de 
                            seu próprio trabalho. Mas para tornar realidade 
                            esses princípios foi preciso criar uma nova 
                            forma de abordar o problema da exclusão social. 
                            Foi daí que surgiu a Estratégia Paulistana 
                            de Inclusão Social, composta de nove programas 
                            sociais distribuídos em três blocos: 
                            o primeiro é formado pelos programas que redistribuem 
                            renda e colocam as famílias acima da linha 
                            de pobreza (Renda Mínima, Bolsa Trabalho, Operação 
                            Trabalho e Começar de Novo). Cada um deles 
                            atinge uma faixa etária e, portanto, permite 
                            que alcancemos toda a população. São 
                            os chamados Programas Redistributivos. Depois, com 
                            as famílias em condições menos 
                            emergenciais, podemos agora prepará-las para 
                            que consigam viver sem contarem com a transferência 
                            de renda da prefeitura. 
                          
                          São programas que auxiliam 
                            as famílias beneficiadas pelos programas redistributivos 
                            a criarem formas alternativas de ocupação 
                            e geração de renda. Podem ser cooperativas, 
                            empresas de fundo de quintal, mera oficinas e docerias 
                            que utilizam o espaço da casas etc. Para isso, 
                            as famílias contam com cursos, treinamento 
                            e financiamento de micro-crédito também 
                            fornecido pela prefeitura. São os Programas 
                            Emancipatórios.
                          
                          Por fim, há ainda um esforço 
                            mais de fundo que tem resultados mais lentos, mas 
                            estratégicos: são os Programas de Desenvolvimento 
                            Local que tentam, junto com a comunidade  empresários, 
                            população de bairros e poder públicos 
                            local  criar formas de dinamizar a economia 
                            da região e construir um mercado de trabalho 
                            local. 
                            Toda essa estrutura, é interessante lembrar, 
                            tem um custos relativamente baixo. Em nossos levantamentos, 
                            de cada cem reais investidos nos programas, apenas 
                            dez são custo da burocracia. Um resultado muito 
                            bom.
                          JU  Em que pesem as veleidades 
                            políticas e a falta de congruência entre 
                            as partes, o senhor acha possível que outros 
                            municípios adotem o programa como modelo?
                          
                          Pochmann  Acho 
                            que a experiência que está sendo feita 
                            aqui, de certa maneira, pode ser aplicada em outras 
                            cidades. Algumas, inclusive, têm nos consultado 
                            para adotar o programa.O governo do Estado de São 
                            Paulo, por intermédio da secretária 
                            Maria Helena Castro, professora da Unicamp, está 
                            caminhando na mesma direção. Não 
                            é um ovo de Colombo racionalizar o programa, 
                            fazer cadastros e essas coisas presentes em nosso 
                            modelo. A política pública moderna passa 
                            por aí. O modelo está também 
                            sendo adotado pelo governo federal. Ana Fonseca, nossa 
                            colega da Unicamp, ex-secretária do programa 
                            Bolsa-Família, e agora secretária-executiva 
                            do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate 
                            a Fome, que tem a mesma concepção que 
                            nós, está também nesse movimento 
                            que começou aqui, em São Paulo. 
                          
                          Recentemente, organizamos um fórum 
                            que reuniu representantes das capitais do país 
                            e de cidades com mais de 300 mil habitantes. São 
                            basicamente 72 municípios que representam em 
                            torno de 45% da população brasileira. 
                            A avaliação que eu tenho, conversando 
                            com os gestores públicos, é a de que 
                            mesmo as cidades médias têm condições 
                            de produzir programas dessa natureza. Todas têm 
                            equipamentos e uma estrutura burocrática, assim 
                            não seria nada difícil a implantação. 
                            Já as cidades menores, de um modo geral, não 
                            contam com uma burocracia para programas dessa natureza. 
                            Nesse caso seria fundamental que houvesse uma interferência 
                            dos governos estaduais. 
                          JU  Das reformas que o 
                            governo federal pretende implantar, a sindical parece 
                            ser a bola da vez. Espera-se alguma mudança 
                            no cenário do desemprego?
                          
                          Pochmann  Não 
                            há muitos registros de experiências internacionais 
                            de que mudanças na estrutura sindical tenham 
                            efeito negativo ou positivo sobre o emprego. O papel 
                            da reforma sindical, no meu ponto de vista, seria 
                            o de melhorar a qualidade dos postos de trabalhos. 
                            Os sindicatos poderiam, de uma certa maneira, exercer 
                            uma pressão sobre a fiscalização 
                            junto aos postos de trabalho, ajudando assim para 
                            que as condições de trabalho fossem 
                            melhores do que aquelas que encontramos atualmente. 
                            Os sindicatos também podem dar mais voz a uma 
                            parcela enorme dos trabalhadores brasileiros que não 
                            têm representação, inclusive aqueles 
                            que estão no mercado informal.
                          JU  No que a flexibilização 
                            do trabalho, como pretende o governo federal, pode 
                            influir na questão das horas-extras?
                            Pochmann  Acredito que ampliação 
                            do número de pessoas trabalhando acima da jornada 
                            legal no país se deve a três motivos. 
                            O primeiro é a desregulamentação 
                            do mercado do trabalho, uma forma de flexibilização 
                            perversa. O segundo deve-se ao rebaixamento da remuneração, 
                            o que leva a pessoa a trabalhar mais para aumentar 
                            a sua própria renda. E o terceiro se deve à 
                            própria incerteza na economia. Ninguém 
                            sabe se vai haver crescimento ou desaceleração. 
                            Essa indefinição faz com que os empresários 
                            acabem também utilizando o expediente da hora-extra 
                            como um mecanismo de se acomodar a uma situação 
                            de incerteza das atividades econômicas. 
                           JU  O senhor disse recentemente 
                            que o país não atingirá o crescimento 
                            e não criará empregos sem investir nas 
                            reformas tributárias, agrária e social. 
                            A tributária já foi aprovada, embora 
                            não seja consensual, e as outras duas estão 
                            longe de ser implantadas. Onde elas são importantes?
                          
                          Pochmann  As reformas 
                            são fundamentais por diversos motivos. A reforma 
                            agrária, por exemplo, é uma reforma 
                            clássica na vida dos países de capitalismo 
                            avançado. Todos fizeram: Estados Unidos, Japão, 
                            França, etc. Ela tem o poder de segurar os 
                            homens e mulheres no campo, retirando a pressão 
                            sobre o mercado de trabalho das cidades, facilitando, 
                            portanto, as reivindicações por melhores 
                            salários. Se sua produção puder 
                            ainda por cima ser comercializada, pode haver uma 
                            franca melhoria da renda dos pequenos agricultores 
                            brasileiros e uma maior oferta de alimentos no país. 
                            É redistribuir. A urgência, desse modo, 
                            nasce do quadro cruel de distribuição 
                            de renda no Brasil e do preocupante sinal de piora 
                            nos indicadores de desigualdade social. Um país 
                            com uma indústria consolidada e um potencial 
                            de modernização e crescimento tão 
                            visíveis, não pode esperar mais para 
                            resgatar, das condições de exclusão 
                            social, pessoas e regiões que podem tornar-se 
                            valiosas se puderam produzir.