Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 244 - de 15 a 21 de março de 2004
Leia nessa edição
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A propósito do Araguaia
Livro: saúde reprodutiva
Pesquisa :carne-de-sol
Metanol e diesel: medida certa
Geociências: viajando no tempo
Pochmann: meta de emprego
Jovens: transtornos mentais
Saúde: esquistossomose
Meio ambiente e biossegurança
Livro: ciências exatas
Unicamp na mídia
Painel da semanal
Oportunidades
Teses da semana
Metodologia: descarte de pneus
Fotografia: floresta urbana
 

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Tese propõe metodologia
para descarte de pneus
Pesquisadora percorre a cidade levantando pontos de
despejo e sugere dez passos até a reciclagem

LUIZ SUGIMOTO

Na resolução nº 258/99 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), o governo federal determina que fabricantes e importadores recolham e dêem um fim ambientalmente adequado aos pneus que comercializam no país, inclusive de bicicletas. Como um fim adequado, entenda-se o reaproveitamento dos pneus nas variadas formas possíveis, contribuindo para evitar a degradação da natureza e a proliferação de vetores de doenças como a dengue e a febre amarela. A proporção determinada para 2002 foi de 1 pneu “inservível” para 4 novos ou reformados; em 2003, de 1 inservível para 2 novos ou reformados; agora, a partir de janeiro de 2004, a proporção é de 1 por 1; e, em 2005, será de 5 inservíveis para 4 novos ou reformados. No quinto ano de vigência da resolução, o Conama reverá as normas e procedimentos.
Entretanto, a lei pode ser cumprida recolhendo-se os pneus velhos que os motoristas deixam nos revendedores, enquanto, para o poder público, continuam sobrando os pneus jogados a esmo no ambiente. “O pneu não se decompõe naturalmente.

Quando depositado em aterros, as camadas de ar pressionam até que aflore à superfície. Quando queimado, libera gases poluentes. As soluções atuais são para quantidades relativamente pequenas. Acredito em uma solução para a quantidade absurda de pneus existente, mas ela não será tão rápida, nem tão fácil”, afirma Eglé Novaes Teixeira, professora da Faculdade de Engenharia Civil (FEC) da Unicamp.
A professora orientou a dissertação de mestrado de Ana Letícia Tarckiani dos Santos, que apresentou uma metodologia para o gerenciamento de pneus inservíveis, justamente à época em que a resolução do Conama foi editada. “A adoção de critérios sugeridos neste estudo permitiria a prefeituras e fabricantes mapear os pontos de descarte de pneus-resíduo, estimar quantidades, organizar a coleta e selecionar modos de reciclagem, conforme o mercado”, afirma Eglé Teixeira.

A professora Eglé Novaes Teixeira: “A solução não será tão rápida, nem tão fácil”

Enquanto alternativas já conhecidas de reciclagem de pneus são colocadas em prática, pesquisadores da Unicamp e de outras instituições seguem misturando novas fórmulas que minimizem este impacto ambiental. De pneus triturados e da borracha regenerada com a adição de produtos químicos, obtêm-se pastas e resíduos que servem para a produção, por exemplo, de tapetes de automóveis, artefatos de vedação e amortecimento, solados de sapatos, pisos industriais e argamassas para construção. Pneus inteiros são amarrados para a contenção de encostas, canalização de córregos, drenagem de gases em aterros sanitários e simulação de recifes em benefício da indústria pesqueira. Pneus velhos, também, geram energia, substituindo com vantagens o carvão em fornos industriais. “A coqueluche do momento é o uso de resíduos de pneus no asfalto, tornando-o mais flexível e resistente”, acrescenta a pesquisadora da FEC.

Gerenciamento – Como uma formiga na base da montanha, Ana Letícia percorreu Campinas atrás de pontos de descarte, seguindo indicações de associações de bairro; visitou fontes geradoras como revendedores, borracharias e reformadores; conferiu a existência de programas de coleta junto aos órgãos municipais; pesquisou a legislação local; e, na ponta da cadeia, investigou técnicas de reciclagem e a produção de empresas instaladas com este fim. Pela frota de veículos de passeio licenciados no Detran em 1999 (motocicletas incluídas), a pesquisadora estima que quase 1,4 milhão de pneus estão sendo descartados neste momento em Campinas. Ficam fora desta estimativa os ônibus, caminhões e bicicletas.

“A grande dificuldade é recolher os pneus inservíveis que a população joga fora. Sem um sistema organizado de coleta, não é possível obter pneus em quantidade e qualidade exigidas na escala de produção de reciclados”, observa Eglé Teixeira. “Minha intenção era realizar um levantamento completo do problema em Campinas, identificando pontos geradores e áreas de depósitos clandestinos de pneus-resíduo. Não poderia fazer isto sozinha e não encontrei, entre fabricantes e grandes revendedores, receptividade uma ajuda que permitisse a formação de uma equipe”, lamenta Ana Letícia.

Ana Letícia Tarckiani dos Santos: “Dificuldade é recolher os pneus que não servem mais”

Recauchutados – A pesquisadora chegou a pontos de despejo onde ocorre a queima de pneus, com emissão de dióxido de enxofre. “Em trechos da Estrada dos Amarais, descarregam pneus até de caminhões, mas eles não permanecem ali por muito tempo. Provavelmente, catadores passam em seguida recolhendo tudo. Na época, um pneu que permite recauchutagem valia entre 3 e 5 reais junto ao reformador”, conta. Este comércio de recauchutados não deixa de ser profícuo. Nas últimas décadas, a melhoria das técnicas de manufatura permitiu aumentar consideravelmente a vida útil dos pneus, tanto que a recauchutagem é uma prática em 70% da frota de transporte de cargas e passageiros no Brasil. Segundo Ana Letícia, uma borracharia de bairro chega a juntar dez pneus usados por semana, quantidade que é de 50 a 130 em revendedoras. “Numa grande revendedora instalada em shopping, os clientes deixam uma média semanal de 375 pneus velhos”, registra. O recauchutado alcança mais de 50% do preço de um novo.

 

Ganha-pão – Há vários obstáculos para que os pneus descartados se tornem uma alternativa de renda importante, como são as latinhas de alumínio. Segundo a professora Eglé Teixeira, a própria trituração para reuso da borracha é complicada, exigindo equipamentos pesados. “Além disso, as latinhas possuem um valor agregado muito maior. Pneu velho se dá. Se as indústrias de reciclados tiverem de pagar pelo material, será o mínimo”, observa. A professora acrescenta que campanhas semelhantes às de limpeza de praias e de rios, embora importantes do ponto de vista ambiental, são muito esporádicas e a coleta é insuficiente para alimentar uma indústria. Ana Letícia dos Santos, porém, acredita que, feito o mapeamento das áreas de bota-fora, as associações de bairro poderiam receber algum tipo de incentivo do poder público para organizar a coleta. “O incentivo pode ser um início, mas não devemos esquecer a educação ambiental, levando à coleta voluntária”, ressalva.

 

 

Fornos de cimenteiras são bom destino final

Assegurar um mercado de reciclagem é um passo fundamental, entre dez sugeridos por Ana Letícia Tarckiani dos Santos para tentar resolver o problema dos pneus descartados no meio ambiente. Um bom destino final, em sua opinião, são os fornos (clinquers) das fábricas de cimento, que já estão equipadas para amenizar a emissão de poluentes na atmosfera – na Europa, essas empresas consomem 40% dos pneus inservíveis como combustível, em lugar do carvão.

A cimenteira inglesa Blue Circle Cauldon, ao substituir apenas 15% do carvão de seu clínquer por pneu-resíduo, registrou uma diminuição de 4% na emissão de dióxido de enxofre, de 32% no óxido de nitrogênio e de 75% de dioxinas. “A energia obtida sai mais em conta, mesmo que a empresa precise pagar pelos resíduos. O grande problema, no Brasil, é que não se pode contar com um fornecimento regular de pneus, na quantidade necessária”, afirma a pesquisadora.

Nem todos os pneus descartados, porém, devem ser queimados, pois o reuso e a reciclagem devem preceder à queima. A fabricação de tapetes e outros componentes automotivos, a partir da borracha recuperada, já é uma solução comum. Em Porto Feliz, a prefeitura utilizou pneus para a canalização de um rio, enquanto em Araras, um trecho da Rodovia Anhanguera recebeu asfalto com um percentual desses resíduos. No Nordeste, há criações de moluscos em pneus que simulam a estrutura dos corais. Técnicas industriais permitem recuperar inclusive o arame dos pneus. O armazenamento também é um aspecto a ser resolvido, já que o estoque não pode ficar a céu aberto por questões de saúde pública.

 

 

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