Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 244 - de 15 a 21 de março de 2004
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Metodologia: descarte de pneus
Fotografia: floresta urbana
 

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Nos rastros da floresta urbana
Instantâneos da cena paulistana fundamentam tese sobre o papel da fotografia

MARIA ALICE DA CRUZ

O fotógrafo André Louzas: imagens ligadas aos circuitos de produção e consumo cultural

O real sempre deixa seus rastros, ora representados por um vulto, uma sombra, uma ruína, ora pela arte de um pintor popular. Esses elementos imagéticos foram captados pelas lentes do fotógrafo André Louzas, autor da dissertação de mestrado “Cidade – floresta de índices”, orientada pelo professor Roberto Berton de Ângelo e defendida no Instituto de Artes da Unicamp (IA). Louzas seguiu os rastros da paisagem paulistana e transformou-os em 30 cartões-postais inéditos.

Os índices, explica Louzas, são indícios de algo acontecido na floresta urbana. Testemunham a pobreza, a arte, o cotidiano e a poesia que compõem a história de São Paulo. Fotógrafo e jornalista, ele debate a característica de imagem circulante garantida à fotografia pelo avanço tecnológico, que possibilitou novas modalidades de criação na captação, na reprodução e no tratamento de imagem. A reprodução em larga escala, de acordo com o pesquisador, é um dos fatores que distanciam a imagem “trabalhada” da realidade. Enquanto índices ou vestígio visual de seres e coisas, as fotos, na opinião dele, jamais permitem que o observador encare diretamente o mundo, embora pareçam colocá-lo em contato estreito com os acontecimentos. “Sem a legenda, o observador da imagem geralmente não saberia o que realmente aconteceu”, argumenta.

Os vestígios dos 450 anos da capital paulista estão impressos tanto na imagem das ruínas quanto na expressão recente de uma estátua viva, que se exibe na praça por uns trocados. Tão recentes também são as cores do cobertor que aquece o indigente, impressas em um dos postais, e do dia duro de trabalho de um pipoqueiro. O Minhocão, uma das mais famosas vias expressas de São Paulo, permite registrar vários índices, sob a óptica de Louzas: o de um dia movimentado, visto de cima; e outro da passagem de um artista popular, que deixou suas marcas debaixo do viaduto, no grafite da parede.

Nas fotos acima e abaixo, cenas que o autor da dissertação transformou em cartões-postais: segundo Louzas, “sem a legenda o observador da imagem não saberia realmente o que aconteceu”

A floresta de índices remete a uma percepção de que é possível misturar aspectos sociais, culturais, históricos e até um pouco de poesia. Sob a mira de sua objetiva, ele registrou os mais variados instantâneos, em um trabalho próprio, individual, inspirado nas idéias de grandes pensadores da imagem no mundo moderno, como Walter Benjamin e Charles Sanders Peirce.

Louzas caracteriza as fotografias como mercadorias visuais ligadas aos circuitos de produção e consumo cultural que ganharam ao longo da história formas sempre renovadas de garantir um fluxo ininterrupto, seja como cartes-de-visite, cartões-postais, imagens impressas em jornais, revistas e, mais recentemente, nas diversas mídias eletrônicas.

História – O fotógrafo e jornalista vinculou reflexão e produção visual para examinar a relação entre imagem e espaço urbano, a partir do pressuposto de que “essas ligações deixam raízes profundas, disseminadas pela expansão da sociedade capitalista moderna”. As análises paralelas que integram os textos iniciais da dissertação, mostram que fotografia e cidade fazem parte de um mesmo contexto histórico, marcado por redes técnico-científicas e pela presença hegemônica de um mercado em escala planetária.

O autor da dissertação fez uma leitura da história dessa tecnologia, analisando o desenvolvimento da fotografia desde a descoberta de Louis-Joseph Nicéphore Niepce e Jacques Mandé Daguerre até chegar ao terreno da industrialização e urbanização do século 19, quando ela expandiu em termos de impacto cultural.

Louzas defende que os recursos técnicos não são, simplesmente, ferramentas, instrumentos passivos, mas sim modos de interação com o mundo. “Como os demais aparatos tecnológicos, o mecanismo fotográfico não se limita a gerar determinado produto ou prestar um dado serviço aos seres humanos: ele também interfere na maneira como as pessoas percebem e se relacionam com o tempo e o espaço, com a sociedade e a natureza”, explica.

A influência social da fotografia, segundo o pesquisador, foi apontada em meados do século 19 por intelectuais, como o escritor Charles Baudelaire, mas ganhou mais consistência no século 20, com a utilização intensa pela imprensa e pelos movimentos de vanguarda. Foram esses grupos, argumenta Louzas, que passaram a explorá-la como novo recurso tecnológico “para romper as tradicionais fronteiras entre produção artística e conhecimento científico, bem como para adaptar a criação cultural às demandas de uma sociedade massificada”.

As investidas policiais para identificar e punir manifestantes políticos também não fugiram da análise de Louzas. No capítulo 2 de sua dissertação, intitulado “Visões no espaço urbano”, ele observa a participação da fotografia em momentos de grande conflito da história mundial. A irrupção da Comuna de Paris é um dos episódios citados pelo pesquisador. Na sua avaliação, as criações dos fotógrafos Alphonse Liébert e Eugène Appert, publicadas por empresas jornalísticas, ajudaram a criar entre os leitores a imagem da Comuna como um movimento sanguinário. Na época, revoltados e criminosos se misturavam à população, mas eram identificados em fotos. Segundo Louzas, foi a partir dessas imagens, captadas nas barricadas, que os líderes da Comuna acabaram executados.

Com sua dissertação, Louzas propõe que a fotografia seja acima de tudo uma ação consciente, uma interferência do fotógrafo no mundo e um vínculo entre o profissional e o ser humano. “A compreensão do que os seres humanos pensam e fazem cada vez mais depende da presença dinâmica de elementos como a foto, o cinema, o vídeo e o computador”, conclui.

 

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