Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 281 - 30 de março a 3 de abril de 2005
Leia nesta edição
Capa
Unicamp, reitor à vista
Cesar Lattes, um cientista
   brasileiro
Cabeça no cosmo
Ciência e política
Razões da coincidência
Siarq: memória científica
Ônus da fama
Volta à USP em 1960
O adeus de um parceiro
Fotografias revelam as paixões
Edison Shibuya
Mundo das interações
Damy detectou talento precoce
Lattes: um sonho
Um ciclo se fecha. Fica a lição
O Lattes que não está
   na plataforma
O porão e as alturas
Histórias reais
Martha, o esteio.
  Às filhas, o saber
 


8

O ‘boy wonder’ volta
à USP em 1960



IGOR PACCA

O professor Mário Schenberg (à direita), com Martha e Cesar Lattes, em 1948: convite para o retorno à USP (Acervo de Cesar Lattes)No final da década de 1950, o professor Lattes vivia no Rio de Janeiro, trabalhando no CBPF e na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, depois UFRJ. Em 1960, atendendo a convite do professor Mário Schenberg e dos professores Walter Schutzer e José Goldemberg, Lattes voltou para a USP, assumindo a regência da cátedra de Física Superior da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.

Trouxe do Rio de Janeiro o professor Eugênio Lerner e tratou de completar uma equipe, pois havia muito que fazer: havia urgência na instalação de laboratório para processamento e análise de emulsões nucleares, recebia a Disciplina de Física Superior (depois Estrutura da Matéria) com a necessidade de dar as aulas teóricas, além de montar novo laboratório didático na Cidade Universitária, para substituir o antigo, que funcionou em casarão na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio.

Muitos passaram pela equipe, mas ficaram por mais tempo Celso Orsini, Emico Okuno, Marilia Cruz, Teresa Borello e Igor Pacca. Estes pesquisadores, com a orientação de Lattes, mergulharam nos vários aspectos do trabalho com emulsões nucleares. O primeiro grande projeto foi a análise de parte de um bloco de 80 litros de emulsões, exposto por balão, solto de porta-aviões, no Caribe, em janeiro de 1960. Era um grande projeto internacional (ICEF – International Cooperative Emulsion Flight), que havia sido idealizado pelo professor Marcel Schein, da Universidade de Chicago, com quem Lattes havia trabalhado.

Lattes recebeu parte das emulsões, o que resultou em grande trabalho para pesquisadores e microscopistas, encontrando e seguindo as interações de alta energia nas emulsões. O professor Schein faleceu logo no início e foi substituído na coordenação do programa por jovem pesquisador japonês que trabalhava com ele em Chicago: o professor Masatoshi Koshiba, agraciado com recente Prêmio Nobel por seu trabalho com neutrinos. O programa ICEF teve sucesso e os resultados foram publicados em suplemento especial do Il Nuovo Cimento, em 1963.

Em 1961, estive com Lattes na Conferência de Raios Cósmicos em Kyoto, Japão. Lattes continuou negociações que haviam sido iniciadas com carta do professor Hideki Yukawa para ele, em 1959, propondo programa de colaboração para o estudo de interações nucleares de alta energia, utilizando câmaras de emulsões nucleares e chumbo que seriam expostas no Laboratório de Física Cósmica de Chacaltaya, na Bolívia. Laboratório que havia sido construído em 1951, com grande esforço de Lattes e outros pesquisadores do CBPF.

Já em 1962, chegavam a São Paulo os primeiros pesquisadores japoneses: Yoichi Fujimoto e Kei Yokoi. Vieram também as placas de emulsões, chapas de raios-X e houve um grande esforço para adquirir e transportar para La Paz o material necessário, por avião comercial ou do Correio Aéreo Nacional, trem e caminhão. Chegamos a “exportar” chumbo para a Bolívia.

Até 1967, mais de dez câmaras de emulsões foram instaladas e desmontadas em Chacaltaya, trazidas para São Paulo, reveladas, processadas e analisadas ao microscópio. Muitos resultados deste programa foram publicados ainda com o grupo em São Paulo, como em Il Nuovo Cimento (1963) 28, 614-620; Il Nuovo Cimento (1964) 33, 680-701; Progr. Theoretical Phys. Suppl. (1965) 33, 109-133.

Lattes regia a Cátedra de Física Superior interinamente e pediu que o cargo fosse posto em concurso. Infelizmente, como já havia ocorrido em concurso anterior, para a Cátedra de Física Nuclear da Faculdade Nacional de Filosofia, em 1962, ele também não compareceu a este concurso, para a Cátedra de Física Superior da FFCL/USP. Foi uma grande frustração para todos; o grupo havia trabalhado muito para ajudar o Lattes a preparar a tese, que nunca considerava pronta, e eu mesmo levei os documentos e teses para a inscrição na FFCL/USP. Sobreveio uma grande crise, que passou com sua ida para a Unicamp, a convite do professor Marcelo Damy de Souza Santos.

Minha convivência com o professor Lattes foi muito enriquecedora, embora sujeita a sobressaltos e aos inesperados que sempre ocorriam, naturais para quem o conheceu.. Viajei com ele para o Japão, Estados Unidos, Bolívia e para a Itália, onde, em Vigevano, conheci seus simpáticos tios, irmãos de sua mãe, sempre muito atenciosos com ele e preocupados com seu bem-estar. Em Berkeley, estive com ele, em 1961, na casa do professor Walter Barkas, que era o responsável pelo grupo de emulsões, iniciado por Lattes. Barkas falava com muita admiração do tempo que Lattes passou nos Estados Unidos, no final da década de 1940. Disse-me que Lattes era considerado por todos como o “boy wonder”.

--------------------------
Igor I. Gil Pacca é graduado e doutorado em Física pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP. Em 1972, já trabalhando em Geofísica, passou a integrar o recém-criado Instituto Astronômico e Geofísico (IAG) da USP, onde foi o primeiro chefe do Departamento de Geofísica, implantando os primeiros grupos de pesquisa e chegando a professor titular e diretor do Instituto.

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2004 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP