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Página 18

Depoimentos

Ossos da liberdade

Nelson Massini*

Sempre que tenho que falar ou escrever sobre as ossadas de Perus, meu cérebro é tomado por um profundo sentimento de pesar, que tento justificar.

Tive a confiança da ex-prefeita Luiza Erundina e de familiares de desaparecidos políticos, ao ser chamado para colaborar com a análise antropológica das ossadas encontradas numa vala comum localizada no cemitério de Perus.

Iniciei o trabalho e, durante meses, dediquei-me intensamente na seleção e no cadastramento de todo o conteúdo da sepultura coletiva, que seria alvo de estudos antropométricos.

Posteriormente, por discordarmos frontalmente da condução científica e política dos trabalhos, eu e outros colegas nos afastamos, culminando com um polêmico resultado pericial.

Passei então a ter a terrível sensação de não ser merecedor da liberdade política que vivo, apesar de descansar a alma no berço das verdades.

Acredito que muito poderia ter feito para alento das famílias que até hoje buscam de maneira incansável por seus parentes, cujas vidas foram levadas numa bandeja da intolerância para serem servidas ao poder dos canalhas.

Esse passeio contraditório por minha geografia interna é perfeitamente entendido por muitos. Porém, torna-se incompreensível, por todos, o fato de a Unicamp, que assumiu a responsabilidade formal e moral para estudar as ossadas de Perus, ter devolvido o material sem encerrar os trabalhos com a apresentação de um relatório científico que merecesse o endosso dos familiares.

A Unicamp tem, em seus quadros, professores e um curso de pós-graduação sobre perícia antropológica que funciona na FOP/Piracicaba, e que recebe alunos de todo o Brasil. Sem dúvida, eles poderiam, em conjunto com antropolegistas forenses argentinos, em pouco tempo dar uma resposta definitiva quanto à identificação ou não de outros desaparecidos políticos.

Infelizmente, os restos ósseos não receberam o devido cuidado em seu armazenamento, conforme foi relatado e comprovado pelo deputado Renato Simões, procedimento seguido de graves denúncias na gestão de recursos financeiros liberados para os trabalhos nas ossadas.

Repassar agora a qualquer instituição a responsabilidade de reiniciar e concluir os trabalhos é um desrespeito a toda comunidade, e aos familiares que se sentiram abandonados quando ainda mantinham candentes as esperanças.

Erros são possíveis e reparáveis, mas a tacanhice científica é reacionária. Esse pensamento de Reich responde a toda a indignação pela atitude da Unicamp.

É possível tentar justificar, vez que a atual reitoria recebeu um legado de erros. E, para estancar esse enorme fluxo de trapalhadas e ilusória ciência, teve que tomar essa atitude tumular, sepultando em definitivo a esperança de ver esses ossos serem levados por um tumbeiro competente que os livrasse dos grilhões da ditadura.

O mestre Roberto Romano, amparado em Hegel, afirma: "Sabemos agora porque a universidade é tingida de preto e branco, pelo maniqueísmo, ou cobre-se com pó mortal das quartas-feiras especulativas. Dela foram banidas as matizes e a suave coloração das vogais, a música de Gaia Scienza."

* Nelson Massini, legista, é professor titular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e professor visitante da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp. Ex-chefe do Departamento de Medicina Legal da Unicamp, onde foi professor de 1972 a 1993, Massini serviu de intermediário entre a ex-prefeita Luiza Erundina e a Universidade à época da remoção das ossadas de Perus, em 1990.

‘Não misturo o comportamento
de Badan com o papel da Unicamp’

Eu separo o que foi o comportamento criminoso do doutor Fortunato Badan Palhares com o papel importante que a Unicamp cumpre não só no campo científico, mas também em fatos importantes da vida pública deste país. A Unicamp, através dos seus técnicos, sempre esteve presente. Portanto, eu procuro sempre fazer esta distinção.

Mas não é de hoje que os familiares e nós parlamentares, apoiadores, denunciamos a armação política que se fez em torno dessas ossadas. Desde o primeiro momento, houve o envolvimento de várias entidades até para conseguir verbas para o trabalho. Demos todo nosso apoio, mas infelizmente não foi preciso muito tempo para perceber que havia um grande jogo de cena de Fortunato Badan Palhares, procurando tirar proveitos e dividendos pessoais para tentar se tornar uma figura ímpar no Brasil, no sentido da investigação.

Percebeu-se o grande jogo dele inclusive com pessoas ligadas à repressão. Desde então, estamos denunciando. Num primeiro momento, a morosidade. Depois, a tentativa criminosa de obstruir de todas as formas que essas ossadas pudessem ser identificadas; acabou, na verdade, conseguindo que boa parte delas não fosse identificada. Tínhamos fortes desconfianças de que alguns casos precisariam só de uma avaliação técnica. Não foram concluídos.

Para piorar, agora temos o episódio do Hiroaki Torigoi, que mais uma vez coloca em suspeição a história de Fortunato Badan Palhares. (Já existe a desconfiança no caso Mengele). E este traz mais uma vez, à luz do debate, que caiu a máscara de um grande farsante da história política e técnica deste país.

Nossa expectativa é que se consiga avançar e descobrir novos elementos. Espero que as ossadas ainda ofereçam condições, dado o estado de abandono em que ficaram por um bom tempo na Unicamp. Houve até a suspeita de tentar dificultar a identificação, mas espero que na USP possam ser identificadas. Para que isso seja possível, tem que haver transparência. Familiares e pessoas por eles indicadas têm que ter acesso. Não dá para ser uma coisa só de técnicos. Esse episódio da Unicamp foi o grande escudo feito por Fortunato Badan Palhares, dizendo que era a vez só dos técnicos. Na verdade, foi a grande besteira que nós fizemos.

Ítalo Cardoso é vereador do PT e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal de São Paulo


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