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Depoimentos

'Badan queria dar ossadas a ditador'

O Jornal da Unicamp ouviu o depoimento de quatro familiares de mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar. Nos relatos, eles revelam como testemunharam a condução do caso envolvendo as ossadas de Perus pela Universidade. Críticas foram feitas, principalmente ao médico-legista Fortunato Badan Palhares, que coordenou a maior parte dos trabalhos de perícias.

Laura Petit da Silva, irmã de Maria Lúcia Petit da Silva, cujos restos mortais foram identificados pela Unicamp depois de terem sido encontrados no Cemitério de Xambioá, no Estado de Tocantins, declara não se conformar com a demora no trabalho de perícia das ossadas. "Ele (Palhares) demorou cinco anos para identificar minha irmã", reclama. Este, aliás, é um ponto comum que marca também as declarações dos outros três familiares.

Paulo Maria Ferreira de Araújo, professor da Unicamp e integrante do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, diz que os trabalhos ficaram praticamente parados entre 1991 e 1998. Ele é irmão de José Maria Ferreira Araújo, morto em 23 de setembro de 1970, enterrado no Cemitério da Vila Formosa. Mudanças na disposição de algumas quadras do cemitério, localizado em São Paulo, impediram a localização da ossada de Araújo.

Os outros dois depoimentos são de Suzana Keniger Lisbôa, representante dos familiares de mortos e desaparecidos políticos na Comissão Especial de Reconhecimento dos Mortos e Desaparecidos Políticos no Ministério da Justiça, e viúva de Luís Eurico Tejera Lisbôa, militante da ALN, assassinado em setembro de 1972, e de Maria Amélia de Almeida Teles, representante da Comissão dos Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos, cunhada de André Grabois, morto em outubro de 1973, também na região do Araguaia.

Na época em que a vala comum de Perus foi aberta pedimos para que as ossadas não fossem para o IML de São Paulo, porque lá alguns médicos fizeram laudos necroscópicos de pessoas torturadas e omitiram qualquer vestígio de tortura nesses documentos. Por isso, concordamos que as ossadas fossem para a Unicamp. A ex-prefeita Luiza Erundina assumiu a responsabilidade de elucidar o que havia acontecido e trabalhamos dois anos em conjunto com a Unicamp.

A partir do momento em que a Erundina saiu da prefeitura de São Paulo, no final de 1993, começamos a sentir que o Departamento de Medicina Legal passou a fazer vistas grossas, manipulando e desinformando. Depois de 1993, o trabalho parou completamente. Em 1995, quando entrou o Mário Covas como governador, o doutor Badan Palhares (ex-chefe do extinto DML) concedeu uma entrevista na qual afirmava que iria devolver as ossadas, sem ter discutido nada disso com os familiares.

Naquele momento, essa atitude era de entregar as ossadas para o Maluf (Paulo Maluf, então prefeito da cidade de São Paulo). Ele ameaçou entregar e liguei para ele. Foi o único momento, desde 1993, em que consegui falar com ele. Daí disse que seria um absurdo a devolução, que estaria dando as ossadas para um ditador, alguém que ajudou a construir a ditadura e a tortura. Afirmei para o doutor Badan que ele não poderia fazer isso. Ele disse que era uma pressão que estava fazendo no Mário Covas para ver se o governador garantia um financiamento para a Unicamp, porque a Universidade não estava fazendo o trabalho de perícia por falta de financiamento.

O governo Mário Covas, por meio do Belisário (Belisário dos Santos Júnior, secretário estadual de Justiça e da Defesa da Cidadania), fez todo um empenho para passar uma verba para a Unicamp. A verba repassada, creio, foi de R$ 30 mil. Verba que por sinal não foi usada. O problema não era financeiro. O problema era má vontade política. Nesta época, em 1995, 1996 até 1998 fizemos várias reuniões e encontramos uma má vontade da Unicamp em resolver o problema, principalmente do ex-reitor José Martins Filho.

Com o atual reitor (Hermano Tavares), nem chegamos a conversar. Antes de 1998, encontramos muita má vontade. A meu ver, um trabalho tão importante assim, para a sociedade brasileira, para os dias que estamos vivendo, não poderia ter sido tratado assim. A ditadura representou um rompimento com as forças democráticas, com as forças sociais e a Universidade não teve o devido cuidado ao tratar do caso das ossadas. A partir de 1998 foi criada a Comissão de Perícias e aí nós tivemos todo o acesso às ossadas.

Só que nessa época elas foram encontradas aí na Unicamp completamente abandonadas. Colocaram lixo, caixas, cadeiras e até panelas em cima das ossadas. Elas ficaram danificadas. Tiramos fotos de tudo isso. Foi um quadro desolador. Não sei por que fizeram isso. Eu chamo aquilo que eu vi em março de 1998 como a Vala de Perus número dois. A primeira vala foi criada pela ditadura e a vala número dois foi criada por aquele Departamento de Medicina Legal da Unicamp.

O departamento, posteriormente, foi fechado. O trabalho só começou a se tornar concreto novamente a partir da intervenção do Ministério Público Federal, em 2000. O Ministério Público foi acionado a partir do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, num gesto feliz. Nós acionamos aqui em São Paulo o Ministério Público Estadual e a representação foi arquivada. Já o Ministério Público Federal achou que ela procedia, que tinha a ver com a reclamação de violação de direitos humanos e tomou a iniciativa de convidar as partes envolvidas para um processo de negociação. Essa é a fase que estamos vivendo agora, num plano no qual sete ossadas já foram retiradas da Unicamp.

Embora esse encaminhamento não seja da forma que nós desejávamos, que era um inventário rigoroso até para apurar a responsabilidade da Unicamp nestes acontecidos. A Unicamp tem responsabilidade nisto. Não quero com isso desmerecer os 3 mil professores da Universidade, mas ela tem sua responsabilidade. É lamentável que tenha acontecido isso dentro de uma universidade e num período pós-tortura e pós-ditadura. Lamentamos que isso aconteça.

Sabemos que a Unicamp tem bons professores, alunos e funcionários, mas não podemos deixar de falar da irresponsabilidade neste caso. A minha esperança agora é muito pequena em recuperar alguma coisa. De qualquer forma, acho que existem grandes chances com o trabalho do médico-legista Daniel Muñoz e o pessoal da USP em reconhecer o Luiz José da Cunha e o Flávio Carvalho Molina.

Maria Amélia de Almeida Teles, integrante da Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos.

‘Jornal ajudou a identificar minha irmã’

A exumação do corpo da minha irmã, em Xambioá, no Pará, ocorreu em abril de 1991. Fui duas vezes levar os dados à Unicamp e conversar com o então diretor do Departamento de Medicina Legal, o doutor Fortunato Badan Palhares. Ele me recebeu muito superficialmente, dizendo que não se tratava da minha irmã.

Ela foi exumada na região em que tinha ocorrido a guerrilha do Araguaia. Na época da exumação, lá no Pará, ele disse que seria alguém certamente morto naquela região, porque o corpo encontrado estava envolto no pára-quedas e, também, porque havia projétil de uso militar na altura da bacia e tiros de arma com perfurações no corpo. Em Xambioá, na época da exumação, ele disse que seria de alguém que estava na guerrilha.

Mas, aqui em São Paulo, quando fui procurá-lo, ele já descartou essa hipótese, dizendo que não era a minha irmã porque o cabelo era loiro. Depois eu estive novamente na Unicamp. Disse que, como sabia que ela tinha um dente tratado e a arcada ainda estava em bom estado, eu levaria o dentista que tinha feito a coroa do dente. Ele disse que não levasse. Ele se recusou a aceitar o dentista, sem radiografia ou ficha dentária.

Aí nos procuramos, no interior de São Paulo, este dentista e ele falou que tinha sido um trabalho quase artesanal. O dentista também falou que poderia levar o professor de Odontologia de Bauru para que fizesse o reconhecimento do dente. Mesmo assim, não adiantou. O doutor Badan não quis aceitar na época. Desta forma, o trabalho só recomeçou depois de cinco anos.

Só em 1996, depois que saiu uma foto da Maria Lúcia no jornal O Globo, mostrando os detalhes da roupa, do cinto de couro com a fivela e o mesmo tipo de nylon do pára-quedas. Então, nós, da família, a Comissão de Familiares e a Comissão de Direitos Humanos, fomos à Unicamp. Foi o trabalho da imprensa que ajudou o reinício dos trabalhos, mas por causa das evidências. Eu acho que de uma forma geral houve negligência.

Ao longo do tempo, o trabalho envolvendo a identificação das ossadas foi sendo renegado. O doutor Badan sempre colocou empecilhos. Depois que a Maria Lúcia foi identificada, houve um ato de entrega do restos mortais dela. Houve uma cerimônia na Câmara de São Paulo. Os restos mortais iam ser transladados para São Paulo e depois para Bauru, onde foi enterrada. Foi tudo organizado e, na hora, o doutor Badan Palhares veio dizer se eu podia transportar a urna no meu carro particular porque a Unicamp não tinha feito a requisição do carro.

Houve um descaso porque não providenciaram carro. Acabou que ela foi transladada, depois de interferências, inclusive do deputado Renato Simões, por um carro do IML de Campinas. O doutor Badan Palhares sempre fez questão de colocar nem que fosse uma pequena pena para atrapalhar. Na verdade, acho que sempre partiu dele a criação destes casos. Mas acho que a Universidade negligenciou também porque deveria ter um maior controle sobre os trabalhos dele. Ele era um funcionário da Universidade, um representante da Universidade. Ele deveria dar conta do trabalho. Enquanto funcionário público pago pelo Estado, ele tinha obrigação de apresentar relatórios aos familiares.

Laura Petit, irmã de Maria Lúcia Petit da Silva, morta na guerrilha do Araguaia


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