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Páginas 13 e 14

Artigo

A História que poucos conhecem

Fortunato A. Badan Palhares

As assim chamadas "ossadas de Perus", que a opinião pública se habituou a relacionar com desaparecidos políticos, na verdade eram na sua quase totalidade de indigentes da Grande São Paulo enterrados no cemitério Dom Bosco, em Perus.

A descoberta dessa vala comum, em setembro de 1990, levou a que se alardeasse aos quatro ventos que ali estavam os corpos dos desaparecidos políticos da época do regime militar. Na verdade o que lá existia eram ossos retirados de sepultura do próprio cemitério, colocadas em sacos plásticos, uns sobre os outros sem qualquer identificação e sem nenhum critério técnico para que se procedesse aquelas exumações.

O total de sacos empilhados e encontrados nessa vala era de 1.049. As autoridades, alertadas para a descoberta, tomaram as providências que entenderam ser necessárias e todo um processo político foi desencadeado.

A quem caberia a obrigação de investigar, estudar e dar resposta à sociedade? Naturalmente ao Estado, através de sua Secretaria de Segurança Pública, à qual está subordinado o Departamento de Polícia Científica (DPC).

Os familiares dos desaparecidos manifestaram-se contrariamente a qualquer trabalho que viesse a ser realizado pelo Instituto Médico Legal (IML), porque os nomes de alguns de seus médicos haviam sido citados no livro Brasil Nunca Mais, prefaciado por Dom Paulo Evaristo Arns. Conversas políticas de bastidores com um professor do Departamento de Medicina Legal da Unicamp fizeram com que o então Secretário de Segurança Pública de São Paulo, Dr. Cláudio Mariz de Oliveira, me convidasse para ser o coordenador dos trabalhos de investigação e identificação das ossadas.

O reitor da Universidade à época, Prof. Carlos Vogt, foi consultado e, compreendendo a delicadeza do assunto e a oportunidade do resgate histórico, aceitou o convite para que a Unicamp assumisse a responsabilidade desse trabalho através de seu Departamento de Medicina Legal, chefiado por mim na época.

Em razão disso, um convênio foi firmado e assinado em 22 de novembro de 1990 entre o Estado, a Prefeitura do município de São Paulo e a Unicamp, sendo signatários, respectivamente, o então governador Orestes Quércia, a prefeita Luiza Erundina e o reitor Carlos Vogt.

Alguns itens desse convênio necessitam ser transcritos para conhecimento público e em seguida serem comentados: "... O Estado, por intermédio da S.S. Pública se compromete a: responsabilizar-se pela guarda das ossadas humanas; fornecer apoio de pessoal técnico especializado e de retaguarda para as pesquisas; fornecer médicos radiologistas; fornecer todos os recursos necessários que a equipe de peritos possa necessitar para aprimoramento nas perícias, em todos os níveis nacionais e internacionais; dar proteção contínua ao prédio onde os trabalhos se realizarão, bem como a todos que estiverem trabalhando no local. Ao município de São Paulo cabe: fornecer todos os recursos necessários que a equipe de peritos possa necessitar para aprimoramento nas perícias em todos os níveis nacionais e internacionais. Ao final no convênio está estabelecido que: para a consecução dos objetivos deste convênio, cada participante fica responsável pelas suas próprias despesas, qualquer que seja a sua espécie ou natureza."

Essas cláusulas estão documentadas e à disposição de quem quiser vê-las. Todavia, somente a proteção aos participantes e a guarda das ossadas acabou ocorrendo, e assim mesmo por apenas um ano, findo o qual nada mais aconteceu. O resultado foi que, durante os cinco anos e meio em que coordenei esse trabalho, andei sempre procurando as condições de trabalho e os recursos, que haviam sido prometidos através do convênio assinado, porém sem sucesso.

Somente a Unicamp cumpriu seu papel, vendo-se obrigada, com freqüência, a extrapolar suas atribuições. Desse modo, com todo o esforço pessoal e profissional demonstrado através de um trabalho sério de uma equipe abnegada, conseguimos entregar à sociedade seis ossadas identificadas e provenientes do cemitério de Perus e mais uma, encontrada por nós no cemitério de Xambioá, às margens do rio Araguaia.

Nossa equipe contou com a colaboração de estudantes, professores e médicos-legistas contratados pela Universidade e trabalhou incansavelmente aos sábados, domingos, feriados e por noites a fio, sem qualquer remuneração extra ou compensação de horário. Vários doutores de outras faculdades e universidades foram convidados a participar, bem como os Conselhos Regionais e Federal de Medicina e a Sociedade Brasileira de Medicina Legal, mas estranhamente ninguém apareceu para trabalhar ou sequer discutir o que estava sendo feito.

Foi um trabalho árduo e eminentemente técnico, sendo necessário desenvolver-se programas específicos de computação, para tabular números e cruzá-los entre si. Esse trabalho se agigantou com o tempo porque grande parte do material a ser examinado não era composto por ossos íntegros, mas de fragmentos em sua maior parte. Além disso, vários sacos continham dois ou mais crânios, ossos repetidos etc.

Durante todo o período em que trabalhamos nas ossadas, recebemos sempre com a maior atenção, respeito e boa vontade todo e qualquer familiar de desaparecido que nos procurava. Todavia, por mais que explicássemos que a rotina de trabalho e a metodologia a ser seguida tinham que ser cuidadosas e que por isso mesmo eram demoradas, recebíamos críticas. Compreensíveis, aliás, diante da ansiedade familiar pelo término dos trabalhos.

Porém, por mais que entendêssemos a angústia dessas pessoas, não podíamos agilizar o processo, sem o risco de fazermos um trabalho imperfeito. Houve, por exemplo, o caso da Família Torigoi, para o qual havia três ossadas suspeitas, mas sem qualquer elemento seguro de identificação. Chegamos a solicitar, na época, sangue para a colheita de DNA, único exame que naquele momento era cientificamente definitivo. Esse pedido não tinha como objetivo trazer expectativa aos familiares, mas apenas conseguir um resultado que pudesse ou não confirmar se qualquer daquelas ossadas pertencia ao ente desaparecido, de sorte que a ciência e o respeito pudessem caminhar lado a lado.

Todavia, nesse caso, por mais que tentássemos, não pudemos fazer qualquer identificação com segurança. A exemplo do que já havíamos feito nas anteriores. Por absoluta falta de elementos técnicos convincentes.

Começaram então a surgir pressões, não só de parentes de pessoas desaparecidas mas sobretudo de políticos interessados em "mostrar serviço". Isso ficou patente algum tempo depois que demos uma entrevista onde dissemos que pensávamos em devolver parte das ossadas. Devolveríamos as já analisadas e que não mostravam elementos suficientes para qualquer outro tipo de estudo.

Em setembro de 1995 a Adunicamp (Associação de Docentes da Unicamp), através de seu presidente, Prof. Luís Carlos Guedes Pinto, hoje pró-reitor de Desenvolvimento, solicitou uma reunião com os docentes da Unicamp, para "esclarecimento do caso Perus", com o que concordamos prontamente. Todavia, no dia marcado para a reunião, o que presenciamos foi um encontro com familiares de desaparecidos, o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Legal, políticos e somente dois docentes da Universidade, Prof. Mohamed Mostafa Habib, hoje coordenador de Relações Institucionais e Internacionais, e o próprio Prof. Guedes.

Após meus esclarecimentos, o prof. Mohamed pediu a palavra e levantou três questões: 1) Por que não havia sido feito nenhum relatório das ossadas até aquela data?; 2) Por que a não solicitação de verbas aos órgãos de fomento universitário como CNPq, Fapesp etc.?; 3) Qual o motivo para se devolver as ossadas da Universidade, pois ela deveria arrumar recursos para preservá-las, não se podendo avaliar como seriam guardadas (para estudos futuros) se fossem devolvidas ao cemitério?

Na verdade, o que estava ocorrendo era falta de conhecimento do que se passava com as ossadas. Explicamos ao prof. Mohamed que já havia relatórios dos nossos trabalhos anexados aos processos. Com relação à solicitação de verbas ao CNPq e Fapesp, convidei o professor para vir fazer parte do nosso grupo e com isso estudarmos como poderiam ser feitas as solicitações aos órgãos citados. Infelizmente a participação do Prof. Mohamed se ateve a essa reunião. Ele nunca procurou o DML após isso.

Posteriormente anunciamos a identificação dos restos mortais de Maria Lúcia Petit, exumados por nós em Xambioá, e somente identificada anos depois por falta de material confiável até então. Isto só foi possível após o jornal O Globo ter publicado uma série de reportagens sobre a guerrilha no Araguaia, em matéria que continha fotos de Maria Lúcia morta, com um saco plástico envolvendo sua cabeça e o corpo repousado sobre um gomo de pára-quedas. Com essas fotos e mais a presença do dentista que tinha tratado dela e que não comparecera anteriormente ao DML, apesar de nossa solicitação à família, foi possível identificá-la com segurança.

Nessa altura entrou em cena o deputado Renato Simões, que até então nada tinha feito para contribuir com o projeto, quer como cidadão, quer como político, e que nunca compareceu ao DML sequer para conhecer a importância dos trabalhos de Perus, exceto no dia da entrega dos restos mortais de Maria Lúcia Petit à família. O deputado compareceu ao DML com a aquiescência do então chefe do DML, Prof. Paulo Roberto de Souza e da assistente social Maria Cristina Von Zubem de Arruda Camargo, ambos docentes do DML mas que nunca se envolveram com esse caso ou trabalharam nele, até porque não tinham habilitação para isso. O deputado oportunisticamente assumiu a entrega daquela ossada, na presença do procurador da Universidade, que então representava o Reitor.

Como responsável técnico e legal pelo material, não permiti que aquele momento fosse politicamente explorado, mesmo porque a autonomia da Universidade estava sendo ferida por essa intromissão frente a representantes legítimos da Casa. Assumi a responsabilidade de conduzir os restos mortais até São Paulo e os entreguei à autoridade presente na Câmara Municipal paulistana. Isso causou ao deputado intensa irritação que se transmutou em intensa campanha contra mim, ao longo destes anos. Estas são algumas das interferências que sofremos. Tenho sido perseguido por ser intransigente nas minhas atitudes, mas tenho a humildade de reconhecer quando erro. Não posso permitir, porém, que grupos políticos de qualquer ideologia, inabilitados para opinar sobre perícias, venham a se servir dos meus serviços para auferirem dividendos pessoais. Análises técnicas e não políticas, mostrarão a qualidade do trabalho realizado.

Minha vida pessoal ou profissional foi, é e sempre será pautada pela verdade, justiça e amor ao próximo, não pelo oportunismo, como tem ocorrido com alguns membros dessa e de outras instituições, que sempre foram omissos, mas que se atrevem a falar do que e de quem não conhecem.

*Fortunato A. Badan Palhares é professor-chefe da disciplina de Medicina Legal da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.

RESPOSTA

‘O tempo tornará essas histórias de domínio público’

MOHAMED HABIB

A Assessoria de Imprensa da Unicamp, respeitando os princípios de um jornalismo profissional, ético e sério, procurou-me hoje, dia 8 de março de 2001, perguntando se eu teria interesse em comentar o artigo "A história que poucos conhecem" de autoria do prof. Badan Palhares, já que a minha pessoa foi envolvida nos relatos do autor do texto. Em relação ao título, o autor parece ter toda razão, pois ele deve ter muitas histórias que poucos conhecem; porém, acredito cada vez mais que o tempo fará dessas histórias um domínio público, para que a sociedade possa julgar corretamente as pessoas em cada uma dessas histórias.

No que se refere ao meu nome, o autor do artigo acertou a data do encontro e a presença dos dois docentes no encontro que foi realizado no auditório do extinto Departamento de Medicina Legal da FCM/Unicamp. Também acertou ao citar as minhas indagações, sendo a primeira sobre o porquê da ausência de um relatório técnico referente ao trabalho que deveria ser concluído pelo autor junto à sua equipe. A segunda indagação tratava das razões que levaram o autor a não aproveitar da disponibilidade de mais de mil ossadas para desenvolver técnicas de identificação a partir de um projeto de pesquisa que, inclusive, poderia ser financiado por órgãos de fomento, como Fapesp e CNPq, já que ele havia reclamado, no debate, de falta de recursos financeiros para proceder na identificação do material. A terceira indagação referia-se aos motivos que levaram o autor a decidir por uma devolução precoce das ossadas sem concluir os trabalhos de identificação.

Sobre a primeira indagação, o autor declarou que um documento repleto de recortes de jornais seria o relatório técnico; portanto, considerou-se em dia com a instituição e que ele não deveria apresentar nenhum outro relatório. Sobre a segunda indagação, o autor do artigo reconhece que não tem experiência, nem prática, para elaborar projetos de pesquisa, muito menos para solicitar auxílio às agências de fomento. E foi exatamente neste momento que eu me ofereci para ajudá-lo na elaboração de um projeto e a pedir auxílio junto a órgãos de fomento, para viabilizar uma pesquisa que poderia, enormemente, contribuir para a sua área de atuação. Fiquei aguardando a sua chamada, como combinado, para lhe oferecer a minha colaboração. Pela lógica, ele, o interessado, deveria procurar-me quando estivesse em condições para receber a minha ajuda. No entanto, ele nunca me chamou e nunca se interessou, e a prova disso foi a sua persistência para a devolução das ossadas, além da não realização de qualquer trabalho técnico depois daquela data. O autor menciona então, no seu artigo, que, durante o debate: "convidei o professor para vir fazer parte do nosso grupo e com isso estudarmos como poderiam ser feitas as solicitações aos órgãos citados. Infelizmente, a participação do professor Mohamed se ateve a essa reunião. Ele nunca procurou o DML após isso". O autor do artigo simplesmente faltou com a verdade, o que não é de se estranhar, e até tentou desprezar a inteligência do leitor, pelo menos pelo simples fato de que, a minha área de pesquisa, biológica e ambiental, não tem qualquer relação com a pesquisa forense que ele deveria praticar; e ele sabe muito bem disso.

Mas, se nós voltarmos a ler o início do seu artigo, poderemos entender com bastante clareza a personalidade técnica e acadêmica do autor. Ele diz textualmente "As assim chamadas ‘ossadas de Perus`, que a opinião pública se habilitou a relacionar com desaparecidos políticos, na verdade eram, na sua quase totalidade, de indigentes da Grande São Paulo, encontrados no cemitério Dom Bosco, em Perus.". São incríveis a capacidade e a coragem do autor de afirmar que eram indigentes, apesar de seu reconhecimento de que a identificação genética se procedeu com material de vítimas em número menor do que os dedos de uma única mão.

Não sei a que verdade ele se referia. Não sei que tipo de teste, ou técnica utilizada, daria condições ao autor para a identificação do nível socioeconômico de pessoas enterradas, e ainda, num cemitério clandestino e ilegal. O que levaria um governo a enterrar mais de mil cadáveres de indigentes num cemitério clandestino, já que, pela lei, eles têm o direito legal de serem enterrados em cemitérios públicos?

Como membro do Conselho Universitário, no período de 90 a 98, coube a mim, em vários momentos, esforços e manifestações para a regularização de convênios e de atividades de prestação de serviços, incluindo a obrigatoriedade de apresentação de relatórios transparentes e fieis às atividades exercidas. Na realidade, até hoje percebo que as histórias do autor ainda continuam na categoria daquelas "que poucos conhecem". Quem sabe, em um futuro próximo, muitos venham a conhecer as verdades? Por coincidência, L’Avocat News, de 19 de fevereiro deste ano, publica uma notícia sobre indiciados, entre eles, o autor em tela, pela emissão de laudo médico falso para prestação de serviço ao crime organizado, e por sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Rezo para que ele seja inocente dessas acusações, pois uma universidade, com o nível da Unicamp, só pode ter no seu quadro pessoas, no mínimo, éticas.

Mohamed Habib é professor do Instituto de Biologia (IB) e responsável pela Coordenadoria de Relações Institucionais e Internacionais (Cori).

RESPOSTA

‘Pessoas ali (nas ossadas) foram torturadas comigo’

A professora Maria Cristina Von Zubem de Arruda Camargo rebateu as críticas do médico-legista Fortunato Badan Palhares, feitas no artigo A história que poucos conhecem, afirmando que a sua participação no episódio das ossadas de Perus se reduziu ao papel de cidadã interessada em resgatar a memória e a verdadeira história dos fatos ocorridos no período da ditadura militar. "São mais uma artimanha. "Ele conta a versão dele e oculta os fatos reais", disse ao se referir ao legista.

Maria Cristina afirmou ainda que esteve na entrega dos restos mortais de Maria Lúcia Petit da Silva por considerar o ato um momento histórico e político. "Como cidadã e companheira de muitos dos desaparecidos políticos era meu dever estar lá", considerou. A assistente social pertencia como Maria Lúcia ao Partido Comunista do Brasil (PC do B).

O envolvimento emocional com o episódio dos desaparecidos e mortos durante a ditadura militar aliado ao fato de não ser especialista na área de perícias, segundo Maria Cristina, a levaram a pedir para não ler, enquanto integrante do extinto Departamento de Medicina Legal (DML), documentos referentes ao caso.

"Muitas das pessoas que estavam ali foram torturadas comigo e não tinha condições emocionais para me envolver com o trabalho", disse. Ela é professora da disciplina de Ética na FCM e mestre em Filosofia da Educação. A professora admitiu que, embora tenha preferido ficar distante enquanto profissional do caso, nunca foi convidada a integrar a equipe dos trabalhos de perícias.

Maria Cristina Von Zubem de Arruda Camargo é professora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e assessora da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac).


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