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Raios Cósmicos

O professor Carlos Escobar, coordenador da parte brasileira do projeto, ao lado de tanque calibrador: "As informações nos farão compreender  melhor o big bang"  No rastro do enigma

Cientistas de dez países "capturam" e analisam partículas raras de altíssima energia em observatório instalado na província de Mendoza, na Argentina

MANUEL ALVES FILHO

Foto: Optical: NASA/HST/ASU/J. Hester et al.Há milhares de anos, o homem vem observando o céu em busca de respostas para uma série de fenômenos. Alguns deles já foram decifrados, mas outros continuam à espera de soluções. Um consórcio formado por uma dezena países, entre eles o Brasil, está tocando um empreendimento científico que certamente ajudará a compreender melhor o que ocorre para além da atmosfera terrestre. Trata-se do Observatório de Raios Cósmicos Pierre Auger, instalado numa área semidesértica da província de Mendoza, na Argentina. Embora só deva estar concluído em 2005, o centro de pesquisa já opera parcialmente. Os primeiros dados obtidos a partir dos equipamentos lá instalados estão em fase de análise, e por isso ainda não podem ser divulgados publicamente. Mas dão um importante indicativo: os cientistas estão no caminho certo ao inaugurarem a era de estudo da astronomia de partículas carregadas.

Um dos pesquisadores envolvidos nesse esforço é o brasileiro Carlos Escobar, professor do Departamento de Raios Cósmicos (DRC) do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp e coordenador da parte brasileira do projeto. De acordo com ele, o Observatório Pierre Auger é muito diferente daqueles mirantes convencionais, onde o equipamento de maior destaque é o telescópio. O novo empreendimento ocupa uma área de 3 mil quilômetros quadrados, onde estarão espalhados 1.600 tanques detectores de superfície e 24 telescópios. Toda essa parafernália tecnológica permitirá aos pesquisadores detectar, analisar e interpretar as partículas raras de altíssimas energias.

Estas, ao colidirem com a atmosfera da Terra, a cerca de 10 mil metros da superfície do planeta, despedaçam-se e formam uma chuva de novas partículas. "O que nós queremos saber é o que são e de onde vêm essas partículas. Essas informações nos farão compreender melhor, por exemplo, o big bang, a grande explosão que teria dado origem ao universo, segundo uma das teorias mais aceitas pela física", explica o professor Escobar. Para entender melhor o fenômeno, os cientistas do Pierre Auger adotam uma técnica híbrida de observação. Com o auxílio dos tanques detectores, que estão cheios de água, eles "capturam" as partículas que chegam à superfície terrestre. Ao entrarem em contato com o líquido, elas produzem uma radiação azulada, que é captada por fotossensores.

Ao mesmo tempo, os telescópios que também estão espalhados pela área do sítio registram a radiação e a intensidade da chuva de partículas. Por meio de um sofisticado sistema de comunicação, as informações registradas tanto pelos tanques quanto pelos telescópios são imediatamente cruzadas, o que gera uma massa de dados extremamente rica. A partir daí, tem início o trabalho de análise e interpretação por parte dos cerca de 250 cientistas envolvidos no projeto, 20 deles brasileiros. O pesquisador do IFGW esclarece, porém, que alguns aspectos ligados a essas partículas de altas energias já são conhecidos. Sabe-se que elas chegam à Terra numa freqüência de apenas uma por século, por quilômetro quadrado. São, portanto, o resultado de um fenômeno astrofísico raro.

Outra característica conhecida diz respeito à sua energia. Sendo subatômicas, com massa ínfima de 10 –27 quilogramas, as partículas têm uma energia equivalente a 50 joules, algo como a energia de uma bola de tênis que acaba de ser arremessada por um tenista. "É um dado incrível", afirma o professor Escobar, dando uma demonstração da razão de o fenômeno exercer tanta fascinação sobre os pesquisadores. De acordo com ele, além do sítio argentino, o Observatório Pierre Auger, uma iniciativa do físico norte-americano James Cronin, ganhador do prêmio Nobel em 1980, também deverá contar com um outro nos Estados Unidos, a ser instalado no Estado de Utah. A participação brasileira no projeto conta com um investimento de aproximadamente US$ 3,5 milhões, bancado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).