Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 234 - de 20 a 26 de outubro de 2003
Leia nessa edição
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A corrida para desenvolver um
sistema inteligente de produção

Tese de doutorado mostra as nuances da aplicação de sistemas holônicos à manufatura inteligente

LUIZ SUGIMOTO

Governos, instituições de pesquisa e empresas da União Européia, Suíça, Estados Unidos, Japão, Austrália e Canadá criaram em 1995 um consórcio internacional com o objetivo de desenvolver um sistema inteligente de organização que ofereça, em termos de geração e negociação de bens e serviços, a melhor competitividade do século 21. O grupo IMS (Sistemas Inteligentes de Manufatura), fechadíssimo, publica eventualmente um ou outro texto científico, mas retém todas as informações estratégicas sobre o desenvolvimento da próxima geração de processos e tecnologias de manufatura. O investimento em pesquisas já estaria chegando à casa de 1 bilhão de dólares.

O sucesso do consórcio internacional implicaria, grosso modo, assegurar para esses países o conhecimento estratégico de quais sistemas de produção irão predominar nas próximas décadas, como eles estarão organizados e quais equipamentos trarão a agilidade para atender a consumidores cada vez mais exigentes de produtos diferenciados. Dentro da economia digital, seria um trunfo que jogaria os países que buscam o desenvolvimento, mas que continuam fora desse cenário científico, ainda mais para a periferia.

Na expectativa de estimular a entrada do Brasil neste seleto circuito, o engenheiro Gustavo Nucci Franco apresenta a tese de doutoramento Aplicação de Sistemas Holônicos à Manufatura Inteligente, defendida em agosto na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, sob orientação do professor Antonio Batocchio. Franco argumenta que, se em 1914, quando Henry Ford introduziu a linha de produção, “um carro poderia ter qualquer cor desde que fosse a preta”, hoje o consumidor escolhe não apenas a cor, mas o quanto de tecnologia e de conforto quer embarcar no automóvel, clicando sobre os acessórios listados na página da Internet.

Segundo o engenheiro, tais sistemas de gestão possibilitando a integração entre indústria e consumidores são mero prenúncio do que está para vir. No futuro, toda a cadeia produtiva, desde as matérias-primas até a montagem final do produto, será não apenas integrada, mas também gerada conforme a disponibilidade de tempo e dinheiro de cada consumidor. Conforme a vontade do freguês, manifestada em cliques, fornecedores poderão ser inseridos, re-alocados ou retirados da cadeia, até que esta ganhe a configuração mais adequada para conquistar a confiança do mercado. Um fabricante de forros sintéticos poderá ser imediatamente substituído na cadeia, caso o cliente encomende poltronas em couro à montadora.

“Pretende-se gerar uma organização inteligente capaz de ela própria se alterar conforme a dinâmica do mercado, influenciada por um avanço tecnológico em determinado segmento ou pela necessidade de um novo produto para aquele público. O sistema precisa ser flexível e ágil, com um tempo de resposta de minuto. Num exemplo extremo, um fabricante de canetas seria capaz de se adaptar de um dia para outro, passando a fornecer celulares”, ilustra o pesquisador.

O professor Antonio Batocchio (à esquerda) e o engenheiro Gustavo Nucci Franco: cadeia produtiva integrada

Sistema holônico – Um dos projetos do consórcio internacional é o Sistema Holônico de Manufatura (HMS). Como ponto de partida, o HMS utiliza a obra do jornalista húngaro Arthur Koestler: ele concluiu que, embora partes e todos sejam facilmente identificados em qualquer sistema complexo, partes e todos não existem em seu senso absoluto em nenhum lugar. Holus significa todo e on vem de próton e nêutron, sugerindo partículas. O holon traz, portanto, a idéia de quebra do todo em partes, ou de partes semi-autônomas que formam o todo.

Dentro do princípio holônico, a parte apresenta seu comportamento peculiar, é auto-assertiva, mas depende do todo. Da mesma forma, cada empresa da cadeia possui estrutura própria, mas depende das empresas associadas para evoluir. Desse paradigma surge, então, a holarquia, uma estrutura auto-regulada, aberta tanto no topo quanto na base. “Dependendo da necessidade, pode-se agregar ou desagregar um holon da cadeia. Esta agilidade para se adaptar e fazer mudanças que atendam à demanda é imprescindível na área de alta tecnologia, para a qual é dirigido o trabalho de Gustavo Franco”, observa o professor Antonio Batocchio.

É neste ponto que entra o Sistema Inteligente de Manufatura, com a função de assegurar a autonomia, a cooperação e a organização para gerar inteligência. Contudo, unir empresas e ao mesmo tempo garantir a autonomia é algo complexo, pois embute questões como estruturas organizacionais diferenciadas e, possivelmente, interesses antagônicos. Um aspecto da tese, ressaltado pela banca de examinadores, é a preocupação do autor em buscar um casamento entre os conceitos em áreas diversas como a biologia, as ciências sociais ou as artes, e não apenas na engenharia. “Enquanto as mariposas voam ao redor da lâmpada, apenas por serem atraídas pela luz, os pássaros, quando estão em formação, realmente mostram uma coordenação; eles seguem uns aos outros numa maneira tão perfeita que nos leva a crer que possuem poderes super-humanos de comunicação. Estes formam, sim, uma organização inteligente. E a idéia é justamente buscar novas soluções para a união de empresas através de metáforas como essa”, compara Franco.

Economia digital – É especialmente complicado montar a arquitetura de um Sistema Inteligente de Manufatura para um setor de bens e serviços onde a componente tecnologia é um elevado fator estratégico. A revolução nas comunicações encontra-se apenas no começo. Gustavo Franco lembra que o boom nas comunicações a partir da década de 1990, em grande parte devido à Internet, resultou em pressão de igual proporção sobre as empresas, obrigadas à inovação constante num ambiente que muda a cada dia. Um dos aspectos tratados na tese são os diferenciais competitivos que uma empresa precisa ter para sobreviver na economia digital.

Baseado no modelo de autonomia, cooperação e organização, o engenheiro foi identificando e modelando holons para tentar chegar a uma colméia de indivíduos (empresas) que comporiam um Sistema Inteligente de Manufatura, considerando não apenas a inteligência de seus agentes, mas também a coordenação de parcerias e conflitos e os parâmetros organizacionais necessários. Mas trata-se apenas de um passo tímido visando um sistema organizacional de empresas capaz de, por si, moldar-se às necessidades do mercado. “Somos pioneiros neste trabalho aqui no Brasil. Temos um grupo de pesquisa, o GPHMS, a princípio sediado na FEM, mas a idéia é expandir as pesquisas para toda a Unicamp e também para fora dela, além de buscar apoio da iniciativa privada”, adianta o pesquisador.

“Temos pessoas trabalhando, mas faltam recursos. Não sabemos quando isto vai se tornar possível, nem o quanto do atraso em relação ao consórcio internacional podemos recuperar”, diz o professor Batocchio. “O fato é que o Brasil possui pessoal capacitado tanto para participar desse seleto grupo como para realizar o mesmo trabalho aqui. A pergunta que coloco, no final da tese, é sobre o papel a que estarão relegados os países que ficarem à margem deste processo de desenvolvimento”, finaliza Franco.



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