Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 234 - de 20 a 26 de outubro de 2003
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Ciência que põe os átomos em desordem
Professor ensina sobre física dos materiais a partir de tese de doutorado envolvendo diamante e silício

LUIZ SUGIMOTO

O professor Alex Antonelli, do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Unicamp: “imperfeições complicadas”

Perfeito, nem diamante. Composto basicamente por átomos de carbono, o diamante traz cada átomo ligado a outros quatro vizinhos, numa estrutura harmonicamente coesa, rígida e tridimensional, que lhe rende toda a transparência e a qualidade de elemento mais duro encontrado na natureza. Alguns tipos de diamante, porém, apresentam deformações, como camadas em que um átomo pode estar ligado a apenas três vizinhos. Esta camada defeituosa possui a estrutura do grafite, primo pobre do diamante, igualmente composto por carbono mas de uma fragilidade que se sente ao apontar um lápis.

Perfeito também parece ser um vaso de cristal da região da Bohemia, mas apenas a olho nu. Aos olhos da física, esses cristais não passam de vidro fabricado com esmero, apresentando as mesmas imperfeições de um vidro de janela, cheio de bolhinhas de ar e de átomos desconjuntados que formam uma estrutura amassada. “Cristal, para nós, é o diamante, o rubi, a esmeralda. Em relação a eles, o vidro é o oposto em termos de ordem atômica. A maneira como os átomos estão agrupados é que determina as propriedades de um material. Conhecendo como os átomos estão arranjados, compreendemos coisas que estão bem próximas”, ensina o professor Alex Antonelli, do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Unicamp.

O professor foi convidado a comentar a tese de doutorado de seu orientado Caetano Rodrigues Miranda: Da Ordem à Desordem: uma visão da ciência dos materiais computacional, defendida em meados de setembro junto ao IFGW. “Caetano encontra-se em Trieste (Itália), usufruindo uma bolsa de pós-doutorado concedida por um conceituado centro internacional de física teórica, em boa parte graças a este trabalho. É uma tese densa em informações de primeira linha, a respeito de cinco projetos em que ele esteve envolvido”, justifica Antonelli. Dois desses projetos são destacados mais à frente. Antes, o pesquisador discorreu sobre a ciência dos materiais.

“Da ordem à desordem” é um título que serviria como lema dos pesquisadores do Departamento de Física de Materiais Condensados. Para eles, imperfeição não significa, necessariamente, inutilidade de uma estrutura atômica. No esforço para compreender as propriedades dos materiais, rotineiramente se simula uma desordem dos átomos, “deformando” a estrutura para encontrar novas aplicações. “Somente no início do século 20 é que surgiu o entendimento de como os átomos se encontram estruturados. Nos anos 1930 foi possível entender porque o metal é maleável, permitindo o molde de estruturas ou carrocerias de automóvel, enquanto o vidro não oferecia este recurso porque quebrava”, lembra.

Semicondutores – Antonelli afirma que, no caso dos metais, pode-se criar “imperfeições complicadas”, envolvendo toda uma camada de átomos, a fim de que esta corra sobre outros átomos ao invés de quebrar. Mas são os semicondutores, essenciais para a indústria eletrônica, um dos objetos principais de pesquisa no departamento. O silício seria um condutor pobre de eletricidade em relação ao cobre e prata, mas os pesquisadores injetam “impurezas” em sua estrutura, substituindo, por exemplo, um átomo de silício por um átomo de fósforo ou boro, atribuindo-lhe propriedades elétricas. Esta pitada de outro elemento no silício é que permite a fabricação de dispositivos eletrônicos como os transistores.

No clatrato de silício, a estrutura atômica forma figuras parecidas com gaiolas. Nos espaços vazios, pesquisadores colocam átomos de bário, buscando propriedades termoelétricas para o material, que pode funcionar como micro-refrigerador, eliminando uma grande limitação dos dispositivos eletrônicos: o calor que geram. Os cientistas também estão “amarrotando” a estrutura atômica do silício, como se fosse vidro, visando à criação de células que convertam a luz do sol diretamente em energia elétrica – diferentemente de um coletor solar, que apenas capta e transfere o calor do sol para a água do chuveiro.


A física dos líquidos

Há propriedades do diamante ainda pouco compreendidas. Alguns desses cristais têm a coloração alterada, tendendo para o marrom, tornando-se menos transparentes. É uma imperfeição na estrutura que atinge toda uma camada de átomos de carbono, podendo mudar suas propriedades, eventualmente a resistência. Chama-se tais camadas de plaquetas. “É senso comum que esses diamantes, durante o processo de formação, acabam contaminados com nitrogênio – elemento comum encontrado no ar junto com o oxigênio. As controvérsias estão nas explicações sobre a deformação que ocorre na estrutura atômica”, afirma o professor Alex Antonelli.

A tese de Caetano Rodrigues Miranda tem o mérito de apresentar mais uma hipótese para a literatura. Depois de realizar as simulações computacionais, o autor sugere que a estrutura perfeita do diamante, com cada átomo de carbono se ligando a outros quatro, é quebrada pelas plaquetas porque nelas um átomo se liga a somente três vizinhos, como ocorre no grafite. “No processo de formação do diamante, podemos imaginar uma plaqueta correndo sobre a outra, uma para trás e outra para a frente. Temos um cristal perfeito pela visão lateral, mas defeituoso e comprometendo sua transparência no nível intermediário”, ilustra o professor, recorrendo a um pequeno modelo de plástico da estrutura atômica. Suas explicações, contudo, terminam aí: “Ainda estamos na fase de redação dos resultados, a fim de submeter o artigo a uma publicação científica. Não podemos antecipar muitos detalhes”, pondera.

Outro trabalho de Caetano Miranda é a simulação do comportamento do silício em estado líquido. Segundo Antonelli, a reação é similar à da água. “Conforme baixamos a temperatura da água, sua densidade vai aumentando e o volume diminuindo. O menor volume é registrado a 4ºC. Mas continuando o resfriamento, a densidade diminui e o volume volta a crescer. A garrafa no congelador quebra porque o volume do gelo é maior que o da água em estado líquido. Poucos elementos da natureza têm esta propriedade de decrescer em volume e depois voltar a crescer. E o mesmo ocorre com o silício”, observa.

A fusão do silício ocorre a 1955ºC. Miranda observou as alterações que acontecem nas propriedades do material na faixa entre 3000ºC e 600ºC, com resfriamentos bruscos ou graduais, uma experiência impossível de ser executada em laboratório. “Existe a hipótese de que o silício, quando resfriado rapidamente, pode permanecer em estado líquido mesmo abaixo dos 1955ºC. Tal qual uma cerveja que resfriamos às pressas no freezer: ela permanece líquida mesmo a 0º, mas congela imediatamente quando abrimos a garrafa ou a chacoalhamos”, exemplifica. Existem, então, dois tipos de líquido, um mais denso e com volume menor, e outro menos denso com volume maior e que vem antes do processo de vitrificação (congelamento).

Desconhecidos – “Já se consegue produzir o vidro de água, por meio de um resfriamento extremamente rápido – a água não vira gelo com sua estrutura bonitinha, mas vidro com sua estrutura bagunçada. O que remete ao silício amorfo que mencionei. Ainda não é possível obtê-lo através do resfriamento, mas isso pode ajudar a entender porque líquidos aparentemente tão diferentes, como água e silício, apresentam tantas semelhanças. Quase todo mundo já esqueceu uma garrafa de cerveja no congelador e teve uma desagradável surpresa”, brinca o professor Alex Antonelli.

Caetano Miranda, em sua tese, também abordou o silício amorfo e sua utilização para transformação da luz solar em eletricidade. Sua eficiência é limitada por uma degradação das propriedades do material devido à própria luz que o faz funcionar. Miranda indica que a existência de defeitos nesta forma de silício “amarrotado” talvez estejam ligados à perda de eficiência das células solares.

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