Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 234 - de 20 a 26 de outubro de 2003
Leia nessa edição
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Tese: plano estratégico
Saúde: acidentes de trânsito
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Saúde: mulheres idosas
Nobel: acertos e surpresas
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Nobel: muitos acertos, poucas surpresas

CLAYTON LEVY

O professor Fernando Costa, pró-reitor de Pesquisa: parceiro de Peter Agre em dois artigos

Nenhuma grande surpresa. A lista dos laureados com o prêmio Nobel deste ano mostra que a Academia Real de Ciências Sueca mais uma vez acertou na mosca. A análise é de professores e pesquisadores da Unicamp, que comentaram a escolha dos nomes, divulgados no início de outubro. Entre os premiados, dois já trabalharam em parceria com professores da Unicamp: o britânico Anthony Leggett, um dos três ganhadores do Nobel de Física, assina cinco importantes trabalhos no terreno da física quântica com o professor do Amir Caldeira, do Instituto de Física, enquanto o médico americano Peter Agre, laureado com o Nobel de Química ao lado de seu compatriota Roderick Mackinnon, produziu dois artigos com o pró-reitor de Pesquisa, Fernando Ferreira Costa, sobre alterações genéticas relacionadas à esferocitose hereditária, uma anemia hemolítica congênita.

Os mais jovens entre os vencedores deste ano, Agre, de 54 anos, e Mackinnon, de 47, ajudaram a desvendar o sistema que controla a entrada e saída de água e de íons (átomos com carga) das células de todos os seres vivos. Agre, da Universidade Johns Hopkins, usou glóbulos vermelhos para identificar a aquaporina, proteína que controla o fluxo de água para dentro e fora das células, enquanto Mackinnon, da Universidade Rockefeller, usou a cristolografia de raios X para revelar a estrutura dos canais de íons de potássio. Os canais de água e de íons decifrados pela dupla são responsáveis pela manutenção de mecanismos básicos do organismo humano, como os impulsos nervosos, constância dos batimentos cardíacos e a reabsorção de água pelos rins.

“O desvendamento desses sistemas é muito importante porque mecanismos de transporte de água são essenciais para todos os seres vivos”, disse o pró-reitor de pesquisa, Fernando Ferreira Costa. “São estruturas fundamentais em vários tecidos humanos e anormalidades nesses genes estão relacionados a varias doenças ”, completa.

Costa assina com Agre dois importantes artigos científicos: Linkage of dominant hereditary spherocytosis to the gene for the erythrocyte membrane-skeleton protein ankyrin, publicado em 1990 no prestigioso The New England Journal of Medicine, e Molecular genetics of the human beta-spectrin gene, divulgado em 1988 no Transactions of the Association of American Physicians. Os dois trabalhos, produzidos quando Costa fazia pós-doutorado nos EUA, não estão diretamente ligados à pesquisa que daria o Nobel a Agre. Entretanto, seria a partir dela que o americano viria a descobrir “por acidente” as aquaporinas.

“Na época, pesquisávamos o gene responsável pela alteração da forma das hemácias (glóbulos vermelhos do sangue) nos casos de esferocitose hereditária”, conta Fernando Costa. Segundo ele, Agre, que tem formação em hematologia, adotou uma estratégia peculiar para obter as amostras. “Ele promovia piqueniques com uma família de portadores da doença e aproveitava os passeios para colher sangue”, recorda. “Através desse trabalho descobrimos, pela primeira vez, que a doença é causada por alterações no gene de uma proteína da membrana da hemácia, chamada anquirina”.

Dessa descoberta, resultaram os dois artigos publicados por Fernando Costa com Agre. Partindo do mesmo estudo, o americano, posteriormente, foi mais além e passou a investigar um dos antígenos das proteínas que fica na membrana da hemácia, chamado fator RH. “Acidentalmente, ele descobriu uma outra proteína, a aquaporina, o que mudou totalmente o foco de sua pesquisa”, explica o pró-reitor. Para Fernando Costa, o caso de Agre ilustra bem como a pesquisa científica ocorre.

“A descoberta da aquaporina foi casual, mas só ocorreu devido o espírito investigativo e preparado do cientista”, diz. O caso de Agre também confirma, segundo o pró-reitor, a importância da pesquisa básica. “Ele estava fazendo pesquisa com a utilização de metodologia habitual no mundo todo, inclusive no Brasil, mas como tinha boa formação científica, foi capaz de avaliar a importância de um achado fortuito que o levou ao Nobel”, observa. Na opinião de Fernando Costa, isso mostra que as descobertas importantes podem ser feitas a partir de pesquisas relativamente simples. “É por isso que não se pode imaginar restringir financiamento somente às pesquisas que visam aplicação prática imediata”, destaca.

Essa mesma opinião é compartilhada por Amir Caldeira, professor titular do Instituto de Física da Unicamp. “Não se pode fazer pesquisa pensando apenas em colocar produtos nas prateleiras”, diz. Por essa razão, a entrega do Nobel de Física ao britânico Anthony Leggett, na opinião de Caldeira, também não foi surpresa. “Ele realmente merece”, diz. Leggett, que orientou o doutorado de Caldeira na Inglaterra, dividiu o Nobel de Física com os russos Vitaly Ginsburg e Alexei Abrikosov.

Trabalhando separadamente, Abrikosov e Ginsburg desenvolveram abordagens fenomenológicas para a teoria dos supercondutores, enquanto Leggett explicou como os átomos interagem e se ordenam em superfluidos. Materiais supercondutores são aqueles que, abaixo de determinada temperatura, não apresentam resistência e permitem que a corrente elétrica passe sem dissipação. “A superfluidez é quase a mesma coisa, só que aplicada a fluidos”, diz Caldeira.

Caldeira, que fez o doutorado sob orientação de Leggett na Inglaterra, também assina cinco importantes trabalhos em parceria com o britânico: Influence of damping on quantum interference – an exactly soluble model (PHYSICAL REVIEW A; Path integral approach to quantum Brownian-motion (PHYSICA; Quantum tunneling in a dissipative system (ANNALS OF PHYSICS); Probabilities for quantum tunneling through a barrier with linear passive dissipation – comment (PHYSICAL REVIEW LETTERS) e Influence of dissipation on quantum tunneling im macroscopic systems (PHYSICAL REVIEW LETTERS).

Medicina – Enquanto na Química e na Física os destaques ficaram por conta da pesquisa básica, na Medicina o Nobel foi para uma técnica de diagnóstico. Os laureados deste ano são o químico americano Paul Lauterbur e o físico britânico Peter Mansfield, pelo desenvolvimento dos exames de ressonância magnética (MRI). Mais de 60 mil MRIs são feitos anualmente nos 22 mil equipamentos disponíveis em todo o mundo. O dispositivo pode fornecer um mapeamento detalhado de todos os órgãos com uma grande vantagem: é indolor e não-invasivo.

“A premiação é justa, mas chega atrasada”, diz Renato Sabbatini, diretor associado do Núcleo de Informática Biomédica da Unicamp e editor científico das revistas Informática Médica e Intermédic. Ele lembra que as descobertas fundamentais para a ressonância magnética foram feitas no final da década de 60. Em sua opinião, embora Lauterbur e Mansfield mereçam o prêmio, a academia sueca teria cometido uma injustiça ao deixar de fora o médico americano Raymonds Damandian. “Os dois (Lauterbur e Masfield) fizeram a parte básica, mas foi Damandian quem desenvolveu a primeira máquina que funcionasse e a lançou no mercado”, destaca.

A escolha do americano Robert Engle e do galês Clive Cranger para o Nobel de Economia também não surpreendeu. A dupla elaborou métodos de análises de séries temporais econômicas com volatilidade estacional, conhecidas pela sigla ARCH. Por esse método, os dados são usados pelos economistas como seqüências cronológicas para evidenciar as relações e provar as hipóteses de uma teoria econômica. Essas séries temporais mostram o desenvolvimento do Produto Interno Bruto, dos preços, das taxas de juros, das cotações de ações e de outros parâmetros.

“Estes estudos representam um grande salto na econometria”, diz o professor José Maria F.J. Silveira, do Instituto de Economia da Unicamp, que também dirige o Núcleo Interno de Métodos Quantitativos Aplicados à Economia. Segundo Silveira, antes deles não havia clareza, por exemplo, se era a produção que causa a exportação ou a exportação que provoca a produção. Era mais ou menos como o dilema do ovo e da galinha”, brinca. “Eles não apenas estabeleceram conceitos importantes de causalidade, mas também formas concretas para se trabalhar estes conceitos”, explica.

Entre os nomes laureados, o único que soou como surpresa é o da iraniana Sharin Ebadi, advogada muçulmana de 56 anos que desafiou aiatolás radicais na defesa dos direitos da mulher e da criança no Irã. Mas, para quem conhece a situação dos povos que vivem sob os regimes fundamentalistas e a ameaça constante da guerra, a escolha caiu como uma luva. “É uma indicação que consegue cutucar tanto o mundo islâmico quanto os Estados Unidos”, diz o pesquisador Paulo César Manduca, do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp. “Trata-se de uma mulher, oriunda de um país atingido pela guerra, e que vive numa nação islâmica”, completa.

Para Manduca, assim como as indicações anteriores para o Nobel da Paz, esta também tem um grande componente ideológico. “No ano passado, a indicação do ex-presidente Jimmy Carter foi justamente um contraponto à política do atual presidente dos Estados Unidos, George W. Bush”, observa. No caso da Iraniana, Manduca diz que, apesar de pouco divulgada, Sharin mereceu o prêmio. “É incrível como tenha conseguido sobreviver num país fundamentalista, defendendo os direitos da mulher e protestando contra a guerra”.

 

Coetzee, um Rubem Fonseca nobelizado

Quando abreviou seu nome para J. M. Coetzee, o sul-africano John Maxwell Coetzee já exercitava aquilo que mais caracteriza seu texto: a síntese. Mas esta seria uma virtude neutra se não viesse acompanhada de outras: no caso de Coetzee, a clareza, o interesse da ação e um realismo que está longe de subestimar a subjetividade.

Desonra, de 1999, talvez seu romance mais importante, poderia ser confundido com um best-seller se o leitor não deparasse, em cada parágrafo, com uma prosa límpida em que nenhuma palavra parece dispensável. A ênfase é obtida pela economia. Ele consegue realmente entrar no cerne da desgraça de um professor universitário e, no curso de sua viagem interior, contar o drama de um país que ainda elabora a sua barbárie.

Se há um estilo brasileiro que se parece com o de Coetzee (ou o contrário, pois J. M. é quase 20 anos mais moço), é o de Rubem Fonseca. A mesma secura, o mesmo gosto por situações-limite, nenhum preconceito contra o diálogo. Mas, vamos admitir, falta a Fonseca um elemento que torna a prosa de Coetzee mais densa, mais robusta e mais valiosa: é a capacidade de introduzir poesia onde ela não é esperada. Nisto Coetzee é um mestre. Os velhinhos da Academia Sueca desta vez acertaram. (Eustáquio Gomes).

 


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