ANO XVII - 09 a 15 de dezembro de 2002 - Edição 201
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Multinacional tem filiais em quatro continentes e faturamento de US$ 25 milhões

Empresa de ex-aluno da Unicamp torna-se referência em tecnologia

CLAYTON LEVY

Quando pisou pela primeira vez no então Departamento de Engenharia Elétrica da Unicamp, em 1976, o calouro John Lima não podia imaginar o que viria pela frente. Vinte anos após concluir o curso, ele dirige a Cyclades Corporation, multinacional especializada na produção de placas de rede para computadores, que nasceu em 1989 numa garagem da Vila Olímpia, em São Paulo, e hoje mantém escritórios nos Estados Unidos, Europa, Ásia e Austrália.

O salto para o mercado mundial ocorreu apenas dois anos após a criação da empresa. Em 1991, após experimentar significativas taxas de crescimento no Brasil, Lima e seu sócio, Daniel Dalarossa, formado em Ciências da Computação na USP, decidiram desbravar o mercado norte-americano, para onde acabaram transferindo a matriz. O passo foi decisivo para estabelecer o domínio da Cyclades no mercado internacional. O investimento inicial, que no Brasil havia sido de US$ 3 mil, saltou para US$ 1 milhão nos Estados Unidos.

Os resultados não demoraram a aparecer. Em 1993, a empresa foi a primeira do mundo a oferecer produtos de conectividade para o sistema operacional Lynux e, de lá para cá, não parou mais de crescer. O faturamento da Cyclades, que em seu primeiro ano não passou dos US$ 200 mil, hoje está na casa dos US$ 25 milhões por ano. Pelo menos 70% das vendas ocorrem no exterior. "Até a presente data, não temos notícia de nenhuma outra empresa nascida no Brasil e que, com capital próprio, conseguiu estabelecer marcos em termos de tecnologia mundial", diz Lima.

No próximo dia 19 de dezembro, Lima retornará à Unicamp. Pisará de novo na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), onde tudo começou e fará uma palestra sobre sua trajetória, abordando o papel da universidade no processo de inovação tecnológica. "A Unicamp me deu ferramentas para chegar onde cheguei, a Unicamp me ensinou a pensar", afirma. Do escritório da Cyclades na Alemanha, onde mora com a família, Lima concedeu a seguinte entrevista ao Jornal da Unicamp.

Jornal da Unicamp - A idéia de tornar-se um empreendedor surgiu ainda nos tempos de estudante ou veio depois?

John Lima - Esta idéia veio bem depois que eu saí da Unicamp. Na universidade meu foco foi mais nos estudos. Também fui diretor de imprensa do jornal do Cabs (Centro Acadêmico da Engenharia Elétrica). Em minha época, na Unicamp de 1976 a 1980, o Brasil estava no processo de abertura e o clima da Universidade era mais fértil em política e havia menos apelo a business. Acho que a atmosfera em que está envolvido o País afeta a universidade e os estudantes.

JU - Como estava a situação socioeconômica do Brasil?

John Lima - Era processo de abertura política, de volta à democracia. Na área de tecnologia os PCs que foram fundamentais para trazer computação a baixo custo para as empresas estavam começando. Eu me recordo de em 1981 ter trabalhado no desenvolvimento dos primeiros PCs na Itautec.

JU - Chegou a desenvolver algum projeto de iniciação científica na Unicamp?

John Lima - Sim, no meu terceiro ano de faculdade, participei de uma bolsa da Fapesp e fiz um projeto de hardware na área de telecomunicações. O meu professor deste projeto era Antonio Vivaldi, do Departamento de Engenharia Elétrica.

JU - Quanto tempo levou entre a conclusão do curso e a formação da empresa?

John Lima - Quando saí da Unicamp fui trabalhar na Itautec e depois na Digirede. Nestas empresas trabalhei ativamente em P&D, em desenvolvimento de projetos de hardware digital e em software. Nesta época estávamos na reserva de mercado e a Itautec e Digirede eram celeiros de engenheiros. Em 1988, quando estava na Digirede, senti uma motivação enorme para montar uma empresa. Obviamente, seria na área de tecnologia porque esta era minha formação. Foi quando conheci meu sócio, Daniel Dalarossa, que também estava procurando alguém para iniciar uma empresa.

JU - Como vocês iniciaram o trabalho?

John Lima - Trabalhávamos durante o dia na Digirede e à noite começamos a desenvolver o projeto de uma placa de comunicação de dados para Unix (naquela época SCO Unix). Assim nasceu o primeiro produto da Cyclades: a placa Cyclom-8. Fiz o hardware e meu sócio, o software. O nosso investimento inicial foi na faixa de 3 mil dólares. Atuávamos num mercado de nicho, com boas margens de lucro e fomos reinvestindo tudo o que ganhávamos na empresa.

JU - Vocês iniciaram a empresa logo em seguida?

John Lima - A Cyclades Brasil começou numa garagem na Vila Olímpia em São Paulo, em 1989. Em 1991 fundamos a Cyclades Corporation em Fremont, Califórnia. Em 1992 transferimos a matriz do Brasil para os EUA. Em 2000 fundamos a Cyclades Alemanha.

JU - Quais as principais dificuldades enfrentadas no início?

John Lima - As dificuldades foram imensas. Com poucos recursos, tivemos que viabilizar o produto tecnicamente e lançar no mercado. A nossa vantagem era que atuávamos num mercado de nicho em que as margens eram razoáveis. Eu me lembro que quando começamos a crescer veio o plano Collor que balançou tudo. Enfim, por volta de 1991, estávamos razoavelmente estabelecidos no Brasil. Com o governo Collor veio a abertura do mercado e com isto o cenário de informática no Brasil estava mudando e tínhamos duas opções a seguir: uma seria nos transformar num importador de produtos de nossos concorrentes, o que era bastante comum na época; outro seria seguir nossa vocação na área de desenvolvimento de tecnologia e irmos para onde estava o grande mercado e foco de desenvolvimento de tecnologia, que é o Silicom Valley, na Califórnia. Foi este caminho que seguimos. Mas, então, veio o maior desafio que poderíamos imaginar: a entrada no mercado americano. Em 1991, quando iniciamos a Cyclades Corporation, não tínhamos a menor idéia do que vinha pela frente.

JU - Como foi desbravar o mercado norte-americano, a ponto de gerar filiais em outros países?

John Lima - Entrar no mercado americano foi uma das tarefas mais difíceis da minha vida. Nesta época fui sozinho morar na California, em Fremont, para iniciar nossa empresa. Foi fundamental a estratégia que tínhamos em mente: o plano era penetrar no mercado americano ao invés de ser uma empresa de P&D para desenvolver projetos para a empresa do Brasil. Isto foi um passo muito acertado e definiu toda nossa tática de atuação.

JU - Em que momento o senhor sentiu que a tarefa seria possível?

John Lima - Todos os dias, quando ia para casa, dizia a mim mesmo: "tem que ter um jeito de entrar neste mercado, "tem que ter uma solução e não vamos desistir". Em fins de 1992 e meados de 1993 veio a solução: Linux! Linux estava surgindo como technology of choice para pequenos provedores de internet e havia a necessidade de placas de comunicações para Linux. O que fizemos? Desenvolvemos o software para fazer nossas placas compatíveis com Linux e as vendas subiram rápido. Foi como pôr fogo em gasolina.

JU - E a ida para a Europa?

John Lima - Daí pra frente mantivemos o foco em Linux e continuamos crescendo. No ano 2000 mudei com minha família para a Alemanha, onde vivo até hoje, para iniciarmos nossa operação na Europa. E estamos muito bem na Europa, com European Headquarter na Alemanha e filiais de vendas na França, Inglaterra, Espanha e Itália.

JU - A Cyclades também atua na área de P&D?

John Lima - Sim, atua fortemente em P&D, temos um centro em Fremont, Califórnia, e um em São Paulo. Temos no total uns 30 engenheiros em P&D.

JU - Entre seus funcionários, há algum ex-aluno da Unicamp?

John Lima - Tem o Rafael Peregrino, que fez pós-graduação em Elétrica na Unicamp e trabalha conosco na Alemanha. Ele é extremamente envolvido com o Linux Debian.

JU - Em sua opinião, qual a melhor maneira de aproveitar o conhecimento obtido nas universidades para gerar riqueza e bem-estar social?

John Lima - É trabalhar e procurar adquirir novos conhecimentos para que possamos atuar ativamente na economia. Criarmos produtos, empresas, empregos, etc.

JU - Em sua opinião, qual a melhor estratégia para incentivar a inovação tecnológica no Brasil?

John Lima - Tudo gira em torno do mercado, o mercado direciona tudo. A estratégia para mim é simples: temos que desenvolver e fabricar o que temos capacidade de vender e sermos competitivos.

JU - Países como Coréia do Sul conseguiram dar um grande salto tecnológico e hoje são grandes exportadores além de registrarem um grande número de patentes. Em sua opinião, o que o Brasil precisa fazer para seguir esse caminho?

John Lima - Investir em educação, valorizar nosso mercado interno que é enorme, ter como perspectiva um modelo de desenvolvimento aberto inserido no modelo de economia global. Nossos desafios são enormes.