Jornal da Unicamp 187 - 26 de agosto a 1 de setembro de 2002
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A Penúltima Pérola

Nelson Pereira dos Santos filma Sérgio Buarque na Unicamp
em documentário elogiado mesmo antes de finalizado e anuncia sua "aposentadoria" com ficção que terá a Guerra do Paraguai
como pano de fundo

LUIZ SUGIMOTO

O maior cineasta em atividade no Brasil passou praticamente despercebido pela Unicamp em 16 de agosto. Nelson Pereira dos Santos veio filmar o acervo pessoal de Sérgio Buarque de Holanda – livros, documentos, cartas, fotos e objetos do cotidiano deixados pelos familiares aos cuidados da Biblioteca Central e do Arquivo Central da Universidade. Ele está finalizando um documentário inspirado no centenário do historiador, que será exibido em dois ou três episódios na televisão e em longa metragem de 90 minutos nos cinemas, provavelmente a partir de novembro. 

"Vocês sabem que conheço bem Campinas? Vivi bons tempos aqui", disse Pereira dos Santos após os cumprimentos, quebrando a formalidade. Deu a impressão de que preferiria falar sobre suas peripécias na cidade, tal como histórias contadas no demorado almoço com anfitriões da BC e do Siarq. Pena que a entrevista precisasse ser rápida diante do trabalho que o chamava. Mesmo quanto a Raízes do Brasil – uma cinebiografia de Sérgio Buarque de Holanda, o cineasta preocupou-se mais em enaltecer a figura do intelectual e a família, como se ele também fosse mero espectador de uma "pérola", segundo antevêem críticos que tiveram acesso ao material colhido até o momento.

"Ao invés de um narrador profissional, que não viveu a realidade de Sérgio Buarque, preferi conservar como intérpretes pessoas da família: viúva, sete filhos, quatorze netos, amigos. É através deles que surge a figura do escritor, historiador, jornalista", explica Pereira dos Santos. E para reafirmar o caráter impessoal do filme, o cineasta acrescenta: "A biografia não é individual. Ela se ramifica na mulher, filhos e netos. Cada um tem um pedaço de Sérgio Buarque em sua atividade. O mais conhecido é o Chico, mas em todos vejo a mesma visão democrática, libertária, anticonvencional, a favor do Brasil".

São duas abordagens: a do homem, pai e amigo, contada por familiares e amigos; e a do autor e obra, mesmo assim com base em apontamentos da mulher Maria Amélia. "Seria impossível citar tantos livros e acontecimentos. Pesquisamos arquivos de montão. A fase na Alemanha, por exemplo, é riquíssima: o expressionismo, a ascensão de Hitler, as grandes figuras que ele conheceu. Sem falar na história do País anos 30, quando ele produz "Raízes do Brasil", que aliás continua muito atual e merece ser discutido".
 

Obra final – Em meio à conversa, Nelson Pereira dos Santos revela que vai se aposentar. E que já tem pronto o roteiro para seu último filme, uma ficção, que espera rodar no próximo ano. "A história se passa na Guerra do Paraguai, mas não se trata de um filme épico, não há batalhas. A guerra é pano de fundo para um exército que ficou imobilizado no charco durante dezoito meses. O título será Guerra e Liberdade, retratando a procura da liberdade especialmente pelos escravos que, ao voltarem da luta como soldados, deveriam ser cidadãos livres".

"É hora de deixar para os jovens", reitera o cineasta, otimista quanto ao futuro da arte no País. "O cinema brasileiro sempre foi fértil: quando o terreno é regado, o fruto cresce, e isso tem sido demonstrado com as leis de incentivo fiscal". E conclui: "Os filmes estão muito diferentes entre si, o que mostra pluralidade na profissão. Antes, quem tinha respeito por si mesmo fazia cinema empenhado nas liberdades e na questão social. Esta obrigação já não existe e vemos um cinema mais rico. O cineasta jovem não tem mais obrigação de salvar o mundo, mas de se abrir e contar sua história".
 
Papai faz 100 anos
A Cantora Ana de Hollanda acompanha as tomadas: "O filme é brilhante"A família de Holanda (com um "l" ou dois, dependendo da grafia adotada por cada membro), ainda lamentava um projeto inviabilizado sobre a vida do patriarca junto à GNT (TV a cabo), quando soube que Nelson Pereira dos Santos fazia um documentário sobre o centenário de Gilberto Freyre. "Ora, daqui a dois anos é papai quem faz cem anos", lembrou Ana de Hollanda, cantora e filha do historiador, que adotou dois "ll".

A partir daí, a família toda foi à luta, inclusive a viúva Maria Amélia, que acabou como intérprete principal do documentário. Por causa da dificuldade em obter financiamentos, pensou-se em desistir do filme. "Mas já havia tanto envolvimento, inclusive do Nelson, apaixonado pela figura do meu pai, que resolvemos tocar o projeto no peito", afirma Ana. Ainda não entrou "dinheiro de verdade", mas já se tem a garantia de uma estatal para cobrir parte dos custos, pelo menos dos profissionais que trabalham sem receber, inclusive o diretor.

Ana de Hollanda acompanhou as filmagens na Unicamp e volta ao campus para fazer o show de abertura do simpósio internacional que o IFCH realiza em 9 e 10 de setembro, dentro das comemorações do centenário. Sobre os resultados das filmagens, a cantora recorda a exibição do material bruto feita para a família. "Ficamos muito emocionados. Mamãe tem 92 anos e, de repente, reviu toda a sua vida, a grande luta dos dois. Ficamos felizes por ela", festeja Ana. Se o documentário é uma pérola? Sorrindo, a filha de Sérgio Buarque responde: "Pérola é pouco. É brilhante".