Jornal da Unicamp 187 - 26 de agosto a 1 de setembro de 2002
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A coleção Brasil Nunca MaisDramas da ditadura em 1,2 milhão de páginas

Detalhes da coleção “Brasil: Nunca Mais”, que vai ajudar quem carrega seqüelas das torturas a fundamentar processos por indenizações

MANUEL ALVES FILHO

A Unicamp e a Secretaria de Justiça e da Defesa da Cidadania assinaram termo de cooperação no último dia 13 de agosto, em que a coleção "Brasil: Nunca Mais" (BNM), que integra o acervo do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), é colocada à disposição do Estado para o levantamento de provas e informações que consubstanciem e acelerem os processos requerendo indenizações, junto ao poder público, por quem apresenta seqüelas de torturas físicas ou psicológicas praticadas na ditadura militar. O termo, na verdade, veio dar sustentação institucional a uma situação que já ocorre na prática. 

A coleção "Brasil: Nunca Mais" está na Unicamp desde 1987, doada pela Cúria Metropolitana de São Paulo, à época dirigida pelo cardeal dom Paulo Evaristo Arns. O acesso a ela sempre foi público, assim como aos demais fundos que compõem o acervo do AEL. De acordo com o diretor do Arquivo, o historiador Sidney Chalhoub, os documentos da BNM (707 processos integrais da Justiça Militar e mais 10 mil anexos) têm servido, ao longo desses 15 anos, como fonte para a produção de livros, filmes, documentários, dissertações de mestrado e teses de doutorado. "Vários ex-presos políticos e familiares também costumam recorrer à coleção para obter dados que, não raro, fundamentam pedidos de indenização ao Estado", diz.

Só de janeiro a julho deste ano, o AEL registrou 312 consultas. O pesquisador pode encontrar, entre 1,2 milhão de páginas, depoimentos dramáticos dos militantes de esquerda sobre a prática de tortura, fotografias que comprovam tais sevícias e até manuais de guerrilha produzidos pelos membros da resistência. Graças ao levantamento minucioso executado por advogados, sociólogos, religiosos e diversos voluntários, coordenados por dom Paulo e pelo reverendo presbiteriano James Wright, a atual e as futuras gerações têm na coleção um instrumento valioso, capaz de contextualizar o período ditatorial e reconstruir grande parte das atividades que se desenrolavam nos labirintos das unidades secretas de repressão.

Segurança - Segundo Chalhoub, os documentos são xerocópias dos originais. Três cópias em microfilme foram encaminhadas para o exterior (duas para a Europa e uma para os Estados Unidos) como medida de segurança. "Estamos mantendo contanto com os depositários estrangeiros para tentar obter cópia dos microfilmes. Além de garantir uma melhor preservação, uma vez que as cópias em papel estão se apagando, essa medida também facilitará a consulta", explica o diretor do AEL. O historiador destaca a importância de se manter viva a memória em torno das indignidades perpetradas pelo regime militar: "Se a sociedade não abrir canais para a divulgação da experiência dos que tombaram em confronto com a ditadura, é como se os matassem duas vezes".

Acervo traz muito mais
O Arquivo Edgar Leuenroth (AEL) foi fundado em 1974 por um grupo de professores do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFHC), por ocasião da aquisição do acervo documental pertencente a Edgar Leuenroth, militante anarquista do início do século passado. Inicialmente, o AEL se propunha a preservar e divulgar a memória operária do Brasil Republicano. Com o passar dos anos e a constante recepção de novos fundos e coleções, a temática foi ampliada. Atualmente há uma extensa documentação sobre a história social, política e cultural do Brasil, registros sobre a América Latina, além de coleção de microfilmes de periódicos do século XIX.

De acordo o historiador Sidney Chalhoub, uma parte dos profissionais do AEL está envolvida neste momento na organização dos arquivos do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope). Entre os documentos que podem ser consultados estão todas as pesquisas eleitorais e de mídia realizadas pelo Ibope nas últimas décadas. Novas coleções e documentos estão sendo freqüentemente agregados. Nas últimas semanas, chegaram três pequenas mas valiosas contribuições. Uma é o arquivo pessoal da atriz Vanda Lacerda, que foi presidente do Sindicato dos Artistas na década de 1980 - são dezenas de fotos sobre peças montadas no período.

O AEL recebeu, ainda, a biblioteca do educador Paschoal Leme, constituída por livros sobre a educação nos países socialistas. A terceira e última contribuição é formada por fitas cassete gravadas pelo historiador Marco Morel e o pai dele, o jornalista Mário Morel, com personalidades como Luís Inácio Lula da Silva, frei Betto, Raimundo de Oliveira, Doutel de Andrade e Herbet de Souza, entre outros. Chalhoub afirma que o AEL não tem sido mais agressivo na captação de coleções por conta do espaço. A atual sede já é pequena e o problema só estará resolvido com o novo prédio, cuja construção deve ter início ainda este ano.