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Professor explica porque a FEF é a melhor faculdade
do país na área e critica formação de profissionais só para o mercado

Mais que atletas, formar intelectos

LUIZ SUGIMOTO

Fotos: DivulgaçãoQuem circular pelas áreas livres da Faculdade de Educação Física da Unicamp vai dar de frente com grupos de jovens sarados, que mais parecem marolas de energia vindo em sua direção. Mas corpos esculpidos, apenas, não representam a excelência do ensino na FEF, reconhecidamente a melhor escola de educação física do país – e falamos de um universo de mais de 500 faculdades brasileiras que oferecem a carreira. “Em qualquer concurso da área que abram na região, os dez primeiros lugares serão de profissionais formados aqui”, afirma Jorge Sergio Pérez Gallardo, professor do Departamento de Educação Motora, coordenador do Grupo de Pesquisa em Educação Física Escolar e ex-coordenador do Grupo de Pesquisa em Ginástica da Unicamp.

Jorge Gallardo explica que a FEF preconiza a função acadêmica da profissão, contra a tendência de formar técnicos para atender às necessidades do mercado, mais ligadas à idolatria do corpo e ao esportivismo, em detrimento da formação de cidadãos. Segundo ele, o currículo em educação física que imperou no Brasil até por volta de 1980 tinha apenas 1.800 horas, sendo depois reestruturado para 2.200 horas. Além disso, 60% do conteúdo curricular correspondem a atividades físicas desportivas, como basquete, futebol, natação, vôlei e atletismo, e visto em nível competitivo.

Na FEF o currículo é de 3.200 horas e boa parte dos alunos segue na pós-graduação, com pesquisas importantes tanto nas áreas do treinamento como da educação. “Dentre as 500 escolas brasileiras, 490 deveriam ser denunciadas ao Procon. Estão enganando os estudantes e a sociedade, com um currículo comprimido em até três anos. E este aluno que acredita estar se tornando professor, acaba negando a própria formação profissional, pois recebe o título de licenciatura para exercer funções bem diferentes. A educação física no Brasil prima pelo mercado, confundindo a educação como bem de consumo quando ela é um bem de serviço”, critica.

Parece que esse espírito que Jorge Gallardo trouxe de sua terra natal só poderia encarnar na FEF. Contratado bastante jovem pela Universidade de Chile (sede de Osorno) em 1971, nos anos seguintes já havia ajudado a desenvolver uma nova pedagogia em educação física no sul do país, reestruturando o currículo para as reais necessidades daquela região carente. “Paralelamente à atividade acadêmica, eu participava do Balé Folclórico Nacional, onde tínhamos que ir a campo pesquisar, sobretudo os costumes do povo, a fim de representá-los no palco. Esta experiência na pesquisa nos permitiu resgatar a rica cultura local, tomando-a como base para a expansão e diversificação do conhecimento”, recorda. O trabalho foi tão relevante que, no golpe militar de Pinochet, a própria população defendeu a manutenção do curso de educação física. “E nenhum dos professores foi perseguido, apesar de eu guardar a carteira do Partido Comunista até hoje”, ironiza.

O professor Jorge Gallardo: livros que norteiam o ensino de educação físicaVisão multicultural – Como seu trabalho era eminentemente experimental e de aplicação, Gallardo decidiu vir ao Brasil para o mestrado na USP, atrás de maior base teórica. Encontrou inicialmente a fundamentação desenvolvimentista, que não prioriza o ser humano como agente sócio-cultural, mas buscou no doutorado uma visão crítica da cultura produzida e consumida pelas crianças na escola. Abrindo um parêntese, o professor explica que depois esta visão passaria a ser chamada de visão pós-crítica, com o objetivo, no sentido mais amplo, de analisar a função originária das instituições responsáveis pela difusão do conhecimento.

Assim, à universidade cabe recopilar e armazenar todo o conhecimento universalmente produzido, seja da cultura tradicional ou da erudita, com o intuito de analisá-la, amplificá-la e distribuí-la por meio de suas três grandes funções: ensino, pesquisa e extensão. Descendo a visão pós-crítica ao nível das licenciaturas, a educação física tem a responsabilidade de socializar todo o conhecimento produzido pela cultura corporal: jogos, brincadeiras, esportes, danças, lutas e elementos das artes cênicas, artes musicais e artes cênicas, tudo sob a denominação de ginásticas. “Caracteriza-se, então, a atuação do profissional de educação física no âmbito escolar como multicultural”, associa.

Jorge Gallardo fez doutorado em psicologia experimental (ou etologia), que estuda as mudanças biológicas ocorridas durante o processo evolutivo com suas respectivas mudanças comportamentais. “Baseio quase todos os meus livros nesse enfoque filosófico e acadêmico”, explica. Segundo ele, o melhor exemplo deste paralelo está no livro do qual é um dos autores, Didática da Educação Física, que traz um subtítulo: A criança em movimento – Jogo, prazer e transformação. “Nele sugiro que a educação física infantil ocorra num espaço muito similar à da família estendida – com cerca de 30 indivíduos entre pais, irmãos, primos, tios, avós. Mais de 80% do que aprendemos na vida vem da educação informal, do que estamos observando no meio ambiente”, observa.

Cultura de cada idade – Dentro dessa concepção, Gallardo considera fundamental que na educação infantil sejam mantidas relações entre as várias faixas etárias, na hora do lanche e das brincadeiras, facilitando a troca. “A partir daí, cabe estudar a cultura específica de cada idade, visto que canção de ninar é para os pequenos e os jogos mais dinâmicos para adolescentes. Eqüalizar esses conhecimentos, em cada um dos âmbitos, é a proposta de outro livro por mim organizado – Educação física escolar do berçário ao ensino médio –, que trata das características da criança e da cultura de seu grupo social conforme a idade”, acrescenta.

A proposta é que o professor de 1ª série do ensino fundamental promova a socialização das informações sobre a cultura corporal, no caso dos jogos com os alunos ensinando regras, particularidades e procedências (se aprenderam de pais, avós, bisavós). “As crianças vão fazer conexões com a cultura de seu dia-a-dia e, portanto, perceber o seu valor e sua importância para a cidadania”, pondera. Trabalhar com manifestações culturais trazidas pelos próprios alunos, contudo, exige planejamento, sem que se priorize uma atividade ou outra. “Elaborar a programação é um dilema, mas um recorte facilita as coisas: por exemplo, o estudo da cultura local na 1ª série, e das culturas regional, nacional e da América Latina da 2ª à 4ª série”, recomenda.

No segundo ciclo do ensino fundamental (de 5ª a 8ª série) seriam observadas as culturas contemporâneas em todos os níveis, incluindo os valores agregados à cultura contemporânea, mas priorizando a discussão. “Creio que assim promoveremos o resgate da cultura patrimonial, cujos elementos são constitutivos da história de vida de cada um e de sua família”, afirma.

Corpo e mente – Jorge Gallardo acha que no Brasil o professor de educação física tem a legitimidade, mas não a legalidade para atuar na educação infantil e no primeiro ciclo do ensino fundamental, transformando as aulas que as crianças recebem hoje. No ensino fundamental, faz apenas dois anos que se permitiu este acesso. “Ainda predomina a visão esportivista do americano e do europeu, uma influência terrivelmente ruim, pois esse tipo de cultura é visto apenas em sua forma de expressão prática, sem contextualização ou análise. A preocupação é com a técnica de execução e com a condição física necessária para atingir um bom desempenho em determinada modalidade. As aulas transformaram-se em mero passatempo”, constata.

Gallardo ressalta, porém, que a própria lei considera a educação física uma disciplina, ou seja: um corpo organizado de conhecimento acadêmico sobre um objeto de estudo, objeto que no caso é a cultura corporal. “Há tantas informações que podemos oferecer ao aluno durante a própria atividade, que a educação física poderia se transformar numa disciplina altamente poderosa no âmbito escolar. O professor de educação física não é apenas um caminho para que se resgate a riqueza cultural com a comunidade, é o caminho. Esta é uma preocupação dos alunos da FEF, que não aprendem apenas técnicas de movimento. A dicotomia entre corpo e mente, em que o professor de educação física se ocupa do corpo enquanto outro professor se ocupa da mente, para nós está totalmente superada”.

Ginástica é cultura

O professor Jorge Gallardo é um dos diretores do Grupo de Ginástica da Unicamp, que conquistou reconhecimento nacional e internacional graças justamente à proposta pedagógica aplicada aos alunos que o compõem. “A proposta é de que os estudantes devem manipular seu próprio conhecimento, transformá-lo e apresentá-lo à comunidade na forma de composições coreográficas. Nessas composições está a interpretação de uma cultura, em que cada aluno utiliza o seu elemento para expressar uma idéia, sentimentos e emoções”, diz o professor da FEF.

O Grupo de Ginástica da Unicamp vem participando de turnês e fóruns mundiais, tendo se apresentado em países como Dinamarca, Itália, Espanha, Portugal, Suécia, Chile e Argentina, num intercâmbio intenso. No Brasil, a atividade é permanente. Esta liberdade dada ao aluno para que traga seu conhecimento para dentro da aula de educação física, já resultou em cursos como os de dança do ventre, que funciona há 12 anos, e de dança de salão, há 15 anos. “Formamos, por exemplo, um grupo de alto nível na roda gigante, ou roda alemã, um aparelho de ginástica que vimos em Berlim. Nossos alunos ficaram tão empolgados que trouxemos os alemães para um fórum no Brasil e adquirimos duas rodas”, conta Jorge Gallardo.

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