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Auto-retrato
 

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AUTORETRATO
com leves toques de transgressão
Pela primeira
vez, um trabalho
de pós-graduação
é defendido fora
dos domínios da
Universidade

LUIZ SUGIMOTO

A professora Lygia Eluf, do IA, levando a banca até o espaço intimista (Fotos: Antoninho Perri)Dentro da definição canônica da história da arte, auto-retrato é o retrato de rosto e torso que o artista faz dele mesmo, olhando-se no espelho, e por vezes enriquecendo a imagem com símbolos como o pincel e a tinta para representar a nobreza de seu trabalho. O auto-retrato retrata o pintor como ele quer que o mundo veja. Andrea Ximena Machicao Francke, do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, tomou gosto pelo gênero desde as primeiras aulas na graduação sobre a representação da figura humana, em que a professora Lygia Eluf pedia aos alunos, como lição de casa, que se ocupassem de auto-retratos no intuito de estimulá-los ao exercício. Em tudo o que produzia, a artista incluía uma representação de si mesma. Mesmo nas aulas que tratavam da representação do espaço, o espaço era desenhado a partir dela.

Durante o percurso até a dissertação de mestrado, no entanto, Andrea Francke deixou de ser ela própria a referência em seu trabalho, depositando o espelho de lado para abordar o espaço de sua intimidade e passando a reproduzir objetos pessoais, a cama, os recantos da casa. “Aos poucos, ela foi compreendendo que a sua imagem se espalhava por todo o entorno: o ambiente do quarto, os objetos que possuía e a maneira como ela os organizava, tudo isso ganhou tanto significado quanto o seu reflexo no espelho”, observa a professora Lygia Eluf, que orientou a dissertação.

Andrea Francke, que ao mesmo tempo em que desenhava sempre se empenhou em pesquisar a teoria, a certa altura já duvidava se eram auto-retratos o que fazia. “Não consegui encontrar dentro da história da arte uma descrição de auto-retrato na qual eu me encaixasse. Foi estudando teóricos da literatura que me deparei com a definição de autobiografia – denominada inclusive de auto-retrato – como o processo em que o autor descreve a sua posição diante do mundo, incluindo suas opiniões e relatos sobre a família e lugares onde vive. Aí eu me encaixo”, assegura a artista plástica. E daí o título da dissertação, O Auto-retrato Autobiográfico.

Buscando uma forma de transportar este conceito para as artes plásticas, Andrea enriqueceu sua pesquisa com informações sobre artistas contemporâneos que adotassem a mesma linha. “Depois dos anos 70 encontramos muitos artistas que trabalham o auto-retrato e a auto-referência de uma forma bastante peculiar. Em vez de rosto e torso, temos conjuntos de documentos, diários, cadernos de viagem. Em trabalhos que são lidos como auto-retratos, o que encontramos é a apropriação da tradição do auto-retrato para se falar do geral em lugar do particular”, constata. Um quadro nesta página menciona alguns dos artistas que lhe serviram de referência.

A sensação de intimidade é uma das questões que mereceram destaque na pesquisa de Andrea Francke. Segundo ela, um livro ou obra de arte auto-referente estabelece um diálogo muito íntimo com o espectador, que é levado a acreditar que o trabalho representa verdadeiramente o artista, enquanto o artista se compromete a oferecer sua imagem real. “Este traço é bastante forte nos artistas contemporâneos. É comum encontrar nas exposições um tipo de caderno, quase um diário dos autores”, ressalta a professora Lygia Eluf. “Como nos diários, os trabalhos mantêm sempre essa característica do presente. No meu caso, estou sempre me desenhando no presente, não há desenhos da minha infância”, acrescenta a pesquisadora.

Espaço 465 – No ano passado, Andrea Francke criou em São Paulo o Espaço 465, com duas salas para exposições e uma sala de aula, aberto aos jovens artistas oriundos da Unicamp. O 465 já se transformou em ponto de encontro, por exemplo, dos estudantes que integram o grupo de pesquisa A Matilha, envolvido em discussões sobre arte contemporânea e em atividades como a “maratona do desenho”, quando todos saem dali para retratar a cidade e voltam para comentar o que produziram. Foi lá, em seu ateliê, que Andréa defendeu a dissertação de mestrado, o que gerou certa polêmica de viés acadêmico, visto que este rito nunca tinha sido permitido fora dos domínios da Universidade.

De acordo com a professora e orientadora Lygia Eluf, o exame de qualificação foi realizado da forma convencional e a defesa da dissertação estava programada para a Galeria de Artes da Unicamp, como vem ocorrendo em outras avaliações na área de artes plásticas. “Mas quando fui ao ateliê para conferir os últimos detalhes do trabalho, me dei com uma cena inusitada: Andrea, que ia fixando nas paredes os desenhos produzidos no decorrer da pesquisa, agora trabalhava confinada a um cantinho da sala. Os desenhos foram ocupando literalmente as paredes: as imagens começaram a sair do papel e se instalaram naquele canto do ateliê. Percebi que, se o trabalho tinha caráter intimista e foi todo construído naquele espaço introspectivo, ali deveria ocorrer a defesa da dissertação, a fim de que a banca percebesse melhor a sua dimensão e significado”, justifica a professora.

Segundo Lygia Eluf, houve quem considerasse a idéia absurda, sob argumento de que os critérios de excelência preconizados dentro da universidade não seriam respeitados fora dela, o que implicava banalizar a pós-graduação. “Isso não é verdade. O exame de defesa da dissertação do mestrado de Andrea foi realizado com todo o rigor necessário. A natureza específica de seu trabalho foi o fator que me motivou a escolher a maneira como iríamos apresentá-lo. Acho que a universidade está tão acostumada a um rito acadêmico nato das ciências exatas, que a nossa proposta parece leviana, uma provocação, mas não é”, defende-se.

A professora ressalta que a reação da banca, composta por historiadores da arte habituados a vivenciar o rito dentro da academia, foi bastante positiva. “Eles se sentiram muito confortáveis no ateliê, pois o espaço permitiu uma aproximação mais intensa com o trabalho do artista. Habitualmente, o historiador da arte não entra em ateliê, pois a sua análise começa a partir da obra. Oferecemos um outro elemento para enriquecer este olhar”, acrescenta. “Os professores da banca sugeriram que outras dissertações e teses teriam sido bem mais valorizadas se fossem apresentadas da mesma forma”, endossa Andrea Francke.

Algumas referências

Elizabeth Peyton - Desenhista e pintora americana. Seus trabalhos são retratos de amigos e conhecidos ou de pessoas famosas. Mas mesmo quando desenha celebridades (gosta muito de retratar a família real inglesa), Elizabeth se aproxima deles com se fossem seus amigos.












Tracey Emin - Artista inglesa que trabalha sempre com referências autobiográficas em desenhos, vídeos e instalações. É extremamente polêmica na Inglaterra porque as pessoas tentam sempre encontrar mentiras em suas peças, esquecendo que a arte é uma construção, e se frustram quando algum dado sobre a vida da artista, presente em seu trabalho, não é verdadeiro.









Kiki Smith - Artista americana (mas nascida na Alemanha) que trabalha principalmente com escultura e gravura. Seu trabalho orbita em torno de temas como a representação da figura feminina, o auto-retrato, a natureza e a representação do corpo.








Mary Kelly - Artista americana envolvida principalmente comdocumentação. Seu trabalho mais famoso, Post-Partum Document, registra a vida da artista e de seu bebê após seu nascimento, e é um dos primeiros em que uma mulher eleva o tema da maternidade a algo digno do registro autobiográfico público – a auto-referência, até então, estava ligada ao mundo masculino e ao plano dos heróis e grandes homens com seus grandes feitos.

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