Leia nesta edição
Capa
Monteiro Lobato
Cartas
Educação física cidadã
Educação acolhedora
Engenharia Elétrica
Mandarim 16 e 17
Mulher na propaganda
Grandes varejistas
Congelamento do pão francês
Esgoto do Atibaia
História de Paulínia
Painel da semana
Teses
Livro da semana
Unicamp na mídia
Portal da Unicamp
História das Guerras
Auto-retrato
 

9


Resultado da monitoração de compostos com atividade
cancerígena e que atingem os fetos é preocupante

Esgoto é o grande problema da
bacia do Atibaia, indica estudo

CARMO GALLO NETTO

Marco Antonio Locatelli e o professor Wilson de Figueiredo Jardim: tese de que a indústria é a maior responsável pela poluição da bacia é um mito (Fotos: Antoninho Perri)A frase de Mikhail Gorbatchev é emblemática: “A natureza achará uma solução para a poluição causada pela civilização. A questão que permanece é se os seres humanos estão incluídos ou não”. Ela consta do frontispício da dissertação de mestrado realizada por Marco Antonio Fernandes Locatelli e orientada pelo professor Wilson de Figueiredo Jardim, do Departamento de Química Analítica do Instituto de Química (IQ) da Unicamp. O trabalho é intitulado Investigação sobre a emissão e caracterização dos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos na bacia do rio Atibaia.

Ponto mais impactante é o
de captação
de água em Campinas

Os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA) constituem uma classe de compostos que não fazem parte da monitoração rotineira da Cetesb, mas de grande impacto na saúde publica porque vários deles apresentam atividade cancerígena e teratogênica, causadora de problemas nos fetos. As conclusões da pesquisa são preocupantes. O trabalho mostra que a bacia do rio Atibaia encontra-se bastante contaminada por HPA oriundos principalmente de esgoto doméstico da Região Metropolitana de Campinas (RMC), principalmente no local de captação de água da cidade de Campinas.

“O volume de lançamento de esgoto in natura na bacia acarreta a impossibilidade de avaliação do impacto de outras fontes poluidoras no estoque desses compostos no corpo receptor. É o caso do impacto ambiental causado pela Refinaria de Paulínia (Replan), que pretendíamos avaliar e que não conseguimos segregar, mesmo utilizando uma ferramenta estatística conhecida como Falcon, desenvolvida pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA). A principal conclusão a que chegamos é que o aporte do esgoto é o grande vilão da bacia do Atibaia”, diz Wilson Jardim.

O professor explica que os HPA estão disseminados pela natureza e suas vias de emissão podem ser naturais e antrópicas. As naturais estão ligadas a incêndios florestais, erupções vulcânicas, afloramentos de petróleo e sínteses biológicas. As emissões antrópicas resultam da combustão de biomassa, caso das queimadas, dos combustíveis fósseis automotivos, dos acidentes ambientais envolvendo petróleo e derivados, do descarte ou eliminação de resíduos industriais e do esgoto.

“Na RMC, as fontes periódicas de HPA são a queima de biomassa, de combustíveis fósseis, o esgoto e as indústrias que a priori seriam emissores de HPA provenientes do uso e processamento de combustíveis fósseis. Então, nesse contexto, seria necessário procurar identificar os agentes que estão contribuindo para o empobrecimento da qualidade da bacia e analisar aquele velho paradigma de que as indústrias são as maiores responsáveis pelos agentes impactantes das bacias hidrográficas, que constitui um mito que vem sendo desmascarado”, prossegue Jardim. Segundo ele, a bacia está tão impactada por esgoto que fica muito difícil identificar qualquer outro agente que cause contaminação maior. “Esta constatação sugere, por exemplo, a realocação de recursos, plano de gestão da bacia e subsídios para melhor gerenciá-la, que são algumas contribuições que o estudo pode trazer”, avalia.

O estudo – Marco Locatelli esclarece que a escolha da bacia do Atibaia justifica-se porque abrange uma região de alta densidade urbana e industrial e, sendo o Atibaia o principal corpo aquático que corta a RMC, de alguma forma reflete em termos de resíduos todos os usos e ocupações do solo. Além disso, 95% da água potável de Campinas são extraídas do Atibaia, que nasce próximo a Monte Verde, no distrito de Camanducaia, MG, e que na confluência com o rio Jaguarí dá origem ao rio Piracicaba. Segundo os parâmetros utilizados pela Cetesb e seus últimos relatórios, as águas do Atibaia são classificadas como regulares para abastecimento publico até chegar à RMC, tornando-se ruins após passar pelo município de Campinas, situação que paulatinamente vem se agravando, mostrando que as ações sobre a bacia por enquanto não trouxeram benefícios.

Ele explica que no estudo realizado foram analisados 18 HPA no sedimento e no material particulado em suspensão – porque esses compostos muito pouco solúveis em água são adsorvidos pelas matérias orgânicas, de sete pontos amostrais ao longo da bacia hidrográfica do rio Atibaia, em quatro campanhas de amostragem, cobrindo um ciclo hidrológico completo. Três eram os objetivos iniciais do trabalho: levantar as concentrações dos HPA na bacia, diante da constatação de que são poucos os dados disponíveis sobre esses compostos na região; determinar as origens desses compostos levando em consideração a diversidade de fontes emissoras presentes na bacia; obter um fingerprint das emissões da refinaria de Paulínia e a partir daí tentar segregar a contribuição dessa fonte.

Locatelli justifica a escolha das substâncias pesquisadas: “Em 1997, a Agency for Toxic Substances and Disease Registry (ATSDR) juntamente com a Environmental Protection Agency (EPA) formularam uma lista de substâncias potencialmente tóxicas para os seres humanos. Sua elaboração levou em conta a freqüência de ocorrência, toxidade e potencial de exposição humana. A partir daí passou-se a priorizar 16 HPA. Incluímos mais duas substâncias que têm interesse local”, explica.

A pesquisa concentrou-se em pontos ao longo do curso do rio, preocupando-se em localizá-los antes do rio entrar em Campinas, na região de captação da Sanasa e depois do rio atravessar o complexo industrial e até a represa de Salto Grande. “E para nossa surpresa o ponto mais impactante é o da captação de água da cidade de Campinas, com a agravante de que a maior concentração de poluentes está rio acima e não rio abaixo. Isso é serio”, afirma Locatelli.

Constatações – O professor Wilson Jardim considera mais fácil imputar a poluição dos cursos d’água à atividade industrial, quando na verdade o grande problema da bacia é o esgoto. “A saída é tratar o esgoto. Enquanto não se fizer isso não adianta procurar vilões. O ribeirão Pinheiros traz grande parte do esgoto de Valinhos e Vinhedo, que chega a quinhentos metros antes do ponto de captação da Sanasa, localizado a jusante do seu lançamento. O ribeirão Pinheiros é um esgoto a céu aberto”, adverte.

O pesquisador constata que a velocidade de degradação do rio Atibaia é enorme. “Tenho a impressão que as novas estações de tratamento ainda em construção podem reverter um pouco o quadro. Estudos mostram que é muito mais barato tratar o esgoto do que a água, cujo tratamento tem se tornado mais caro, à medida que sua qualidade se deteriora, por demandar tecnologia mais sofisticada”, observa. Jardim coloca ainda a questão da preservação da vida aquática: “Precisamos levar em consideração não só a potabilidade da água mas também a possibilidade de preservar a saúde do ecosistema”.

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2005 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP