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Atualmente, laboratórios recorrem a banco de dados
do FBI com perfil genotípico norte-americano

Criado um banco de amostras brasileiro
para aprimorar identificação pelo DNA

LUIZ SUGIMOTO

O geneticista Welbe Oliveira Bragança (à direita) e seu orientador, professor Luís Alberto Magna: precisão no resultado dos exames (Foto:Antonio Scarpinetti)Os laboratórios que realizam testes de DNA no país através da análise de VNTRs já contam com o primeiro banco de DNA da população brasileira para esses casos. A maioria dos exames de DNA oferece um acerto de 99,99% na identificação de um pai biológico ou de um doador de amostra criminal. Por análise de VNTRs a precisão é de 99,9999%.

Neste exame, o que se busca é eliminar a probabilidade de haver um genótipo igual ao da pessoa investigada. Esta comparação se dá no banco de amostras de DNA, que guarda a freqüência de cada alelo de indivíduos selecionados aleatoriamente na população.

O banco de dados brasileiro, que está em vias de publicação para tornar-se de domínio público, é fruto da tese de doutorado do biólogo e geneticista Welbe Oliveira Bragança, do Laboratório de Genômica e Expressão do Instituto de Biologia (IB) e aluno do Departamento de Genética da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp

“Desde que o inglês Alec Jeffreys desenvolveu a técnica de identificação pelo DNA por VNTRs em 1985, os laboratórios recorrem principalmente ao banco de dados do FBI, que é organizado por grupos étnicos: caucasianos, afro-americanos, hispânicos e orientais. Mas é inadequado comparar o brasileiro com o norte-americano”, observa Welbe Bragança.

Segundo Luís Alberto Magna, professor da Faculdade de Ciências Médicas e orientador da tese de doutorado, embora os humanos possuam seqüências de DNA praticamente iguais, trata-se de duas populações distintas, cada qual com suas especificidades – a brasileira, por exemplo, é bem mais miscigenada. “Se ser corintiano dependesse de um gene, encontraríamos muitos aqui, mas nenhum nos Estados Unidos”.

O banco de amostras montado por Welbe Bragança traz o perfil genotípico da população do Sudeste, região que agrega indivíduos de todo o país. É uma mostra de 351 indivíduos escolhidos aleatoriamente, quando a literatura prega que 100 já são suficientes. “Esse banco brasileiro vai garantir a precisão no resultado dos exames, atendendo aos níveis exigidos pela crescente demanda científica e forense”, afirma o autor da tese.

Ao leigo pode parecer preciosismo exigir mais de 99,99% de precisão. No entanto, o 0,01% que falta representa 1 erro a cada 10.000 testes. Se um laboratório realizar um trabalho com menos apuro técnico e o índice cair para 99,9%, a proporção será de 1 erro para cada 1.000 exames; se o acerto for de 99%, teremos 1 erro a cada 100 testes.

Vem daí a demanda forense, principalmente em casos envolvendo a contestação ou a confirmação da paternidade na Justiça. “Embora parte dos juízes acate os 99,99%, existem os mais rigorosos que, para determinar o pagamento de uma pensão, exigem que o laudo do pai biológico tenha quatro noves depois da vírgula”, informa Welbe Bragança.

Os métodos – Há dois métodos consagrados para a identificação por DNA: o RFLP/VNTR (sigla em inglês para análise de Número Variável de Repetições Consecutivas no DNA) e o PCR/STR (análise do DNA por Reação em Cadeia da Polimerase). O RFLP/VNTR é minucioso, demorado e mais preciso, e exige um especialista para fazer a análise, havendo apenas seis laboratóros aptos no Brasil.

O PCR/STR é um processo automatizado, rápido e mais barato, e que por isso acabou se popularizando, sendo realizado por cerca de 70 laboratórios. “O PCR é perfeito para resolver casos como de amostras criminais degradadas. Já o VNTR é ideal para casos menos comuns, como disputas de herança em que o falecido não pode ser exumado e há necessidade de reconstruir seu DNA por meio de amostras de parentes.

Por causa de sua importância para casos mais complexos, o VNTR está longe de ser aposentado, apesar da popularização do PCR. Se o primeiro precisa de apenas cinco ou seis regiões do DNA para se chegar aos 99,9999%, na maioria dos casos, o segundo pede um mínimo de quinze regiões para um resultado idêntico.

“Na comparação da amostra da criança com a do suposto pai, a ocorrência de três exclusões (diferenças) nessas regiões é suficiente para derrubar a hipótese de pai biológico. A coincidência deve ser total. Uma exclusão pode ser atribuída a uma mutação do DNA; duas mutações são raras, mas acontecem; já a ocorrência de três, nunca foi descrita na literatura”, afirma Welbe Bragança.

Casos criminais – O professor Luís Magna ressalta que os especialistas em testes de DNA usam o termo “exclusão” – e não “identificação” – por causa do viés judicial de que todo investigado (e não acusado) a priori é inocente. Assim, confirmada a paternidade, o laudo é de que “o indivíduo não pôde ser excluído como pai biológico”.

A jurisprudência vem impedindo a disseminação dos exames de DNA para amostras criminais, tal como nos filmes americanos em que a polícia técnica, a partir da saliva na bituca do cigarro, identifica o criminoso que tenha seu DNA registrado no banco de dados por um crime anterior.

“No Brasil ainda está proibida a criação de um banco de dados criminal. Mesmo um criminoso não é obrigado a testemunhar contra ele mesmo deixando uma amostra de DNA para servir como prova em outro crime que venha a cometer no futuro”, explica o docente da FCM, que também é advogado.

Welbe Bragança, porém, considera a mudança na legislação inevitável, visto que o resto do mundo vem adotando a prática, inclusive com a interligação de bancos nacionais para que o criminoso de um país possa ser preso no outro. “O autor do primeiro atentado ao World Trade Center [Ramzi Yousef, que matou seis pessoas em 1993] foi identificado pelo DNA no selo da carta-bomba, ao ser preso praticando um assalto dois anos depois”.

Projeto on-line – Luís Magna adianta que o projeto de qualificação de seu orientado envolverá o desenvolvimento de um sistema on-line instalado no servidor da Unicamp, disponível a todos os laboratórios, que poderão solicitar cálculos de paternidade com base no banco de dados da população brasileira.

O detalhe é que este sistema será retro-alimentado, ou seja: as informações de indivíduos submetidos a teste, apresentadas pelos laboratórios, ficarão armazenadas no banco, que será constantemente expandido e atualizado. Embora o banco já conte com uma mostra de 351 indivíduos (no banco do FBI são mais de 900), mais do que suficiente para confirmar um resultado, os valores serão muito mais exatos.

“Funcionando tanto no método RFLP/VNTR como PCR/STR, o sistema vai fazer o cálculo com a precisão do dia. Isso significa que o laudo não poderá ser contestado por um advogado, considerando a precisão e o método utilizado, já que não existia parâmetro melhor até aquele momento”, prevê Welbe Bragança.

O geneticista vê neste projeto um meio de consolidar um banco de dados nacional e, mais que isso, um embrião do que seria um banco criminal, quando ele for legalmente permitido. “Obviamente, as pessoas que têm seu DNA mapeado no banco não são e nunca serão identificadas, mas já armazenados todos os exames, que poderão ajudar nos cálculos de criminosos que forem incluídos no futuro”.

Técnica rende casos pitorescos

O geneticista Welbe Bragança montou um laboratório, a Exactgene, logo que concluiu a graduação na Unicamp. É um dos seis laboratórios do país capacitados a realizar a identificação de DNA pelo método RFLP/VNTR e, portanto, que recebe casos complexos em que PCR/STR não alcançou a precisão necessária. No entanto, ali também se atende diretamente a muitos clientes com casos pitorescos.

“Meu laboratório é pequeno, mas tenho conseguido sobreviver há nove anos”, afirma Welbe. De fato, o mercado parece promissor. Segundo a revista Veja, 30% das crianças brasileiras não têm o nome do pai no registro de nascimento. Uma parcela significativa chama de pai quem não é. Há pais cientes de que o filho não é seu, mas muitos ignoram este detalhe. Estima-se que no Brasil sejam solicitados 10 mil testes de paternidade por ano – nos Estados Unidos são 300 mil.

Apesar de o sangue ser o mais indicado, pode-se extrair DNA de qualquer material biológico. Quando a mãe quer preservar o bebê da agulha, coleta-se saliva com uma escovinha. Um fio de cabelo, um dente com raiz, uma roupa usada. A pessoa submetida a teste não precisa estar presente para que se colete o material.

Segundo Welbe Bragança, marido desconfiado traz materiais absurdos, como a escova de dente surrupiada na casa do amigo ou o absorvente usado da esposa. “Há pouco tempo, recebemos pelo correio uma caixa registrada, sem identificação. Era uma peça íntima de mulher, com uma pequena mancha”.

Mas maridos são relativamente poucos. A situação mais comum é da mulher que trai e tem um filho, sem saber se é do marido ou do amante. Ela vai ao laboratório com o amante, a fim de que se colete sangue dele e do bebê. “Se o pai for o amante, a mulher vai negar isso até a morte para o marido desconfiado. Se não for, ela vai desafiar o marido a fazer o teste, pois já sabe que o resultado será que ele é o pai”.

Com Welbe Bragança aconteceu apenas uma vez, mas houve o caso em que essa estratégia de defesa da mulher falhou. Ela pediu o teste com o amante e o recém-nascido, mas no calor de uma briga, para provocar o marido, revelou a ida ao laboratório. O marido inconformado também fez o exame. “Uma semana depois, os resultados mostraram que o filho não era do amante, nem do marido. Marido e amante eram traídos”.

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