Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 233 - de 13 a 19 de outubro de 2003
Leia nessa edição
Capa
Educação: futuro sustentável
Desenvolvimento da Unicamp
Vestibular: recorde de inscritos
Farmácias de manipulação
Pesquisa: risco de hipertensão
Incontinência urinária
Pesquisa: subproduto da cana
Quilombos: ensinar e aprender
Plástico biodegradável
Livros sobre leitura
Trabalhos com o Nobel
Unicamp na Imprensa
Painel da semana
Oportunidades
Teses da semana
Entrevista: Contardo Calligaris
Fotografia: clicar e teclar
 

11

Fotógrafos que clicam e teclam
Profissionais (ou não) começam a associar imagens, textos e design para fazer do livro seu novo meio de expressão

Beatriz Lefèvre, fotógrafa e editora: livro de fotografia torna-se um novo meio de expressão

Alguns anos atrás, a bibliotecária Julia van Haaften descobriu que a Biblioteca Pública de Nova York possuía vários livros com originais fotográficos, especialmente do século 19, dispersos pelas estantes sem que houvesse a preocupação de classificá-los sob a categoria “fotografia”. Ela reuniu o material depois de paciente pesquisa e organizou uma exposição, fazendo com que livros de Maxime Ducamp ou Francis Frith passassem a valer pequena fortuna. Em São Paulo, no ano 2000, Beatriz Lefèvre viu, debaixo do balcão de um sebo na Rua Teodoro Sampaio, um livro de fotografias de Gaspar Gasparian, edição original de 1953, autografada pelo autor. Pensou que estivesse reservado, mas a vendedora apanhou o livro parecendo se livrar de um incômodo e cobrou por ele meros R$ 15,00.

Beatriz Lefèvre conta estas passagens na introdução de Livros de Fotografia: história, conceito, leitura, sua dissertação de mestrado em multimeios no Instituto de Artes (IA) da Unicamp, sob orientação do professor Roberto Berton de Ângelo. “Pesquisa, reflexão, reconhecimento, conceituação, exposição e promoção são etapas do processo de produção cultural essenciais para que os bens culturais sejam reconhecidos. Sem elas, a produção cultural pode ficar ‘sob o balcão’ ou perdida nas prateleiras em meio a tantos objetos hoje produzidos com a grife cultura”, escreve.

Em sua residência no bairro de Pinheiros, Beatriz Lefèvre afirma que tem a vida permeada por textos, imagens e design gráfico. Formada em economia, ganha o pão como editora de livros, redigindo e aparando textos da área. Um curso de especialização permitiu, porém, que a fotógrafa até então amadora partisse para a produção e edição de fotografias em publicações institucionais, além de trabalhos de documentação fotográfica, como tem feito em cursos oferecidos pelo Museu de Arte Moderna (MAM) a pessoas com necessidades especiais. Também foi convidada a documentar o Projeto Pró-Várzea, expedição científica composta por biólogos de várias instituições, que visa à delimitação de áreas de preservação ambiental na Amazônia.

“O tema da dissertação surgiu quando eu procurava bibliografia sobre livros de fotografia e descobri que existia quase nada. Apareceram algumas obras sobre o tema somente no final da pesquisa”, recorda. Segundo a pesquisadora, o livro de fotografia tem sido pouco estudado no Brasil e no exterior, tanto pelos que se dedicam à fotografia, sua linguagem e seus usos, quanto pelos estudiosos do livro e de sua história. Ela encontrou apenas quatro títulos dedicados especificamente ao livro de fotografia, nenhum deles brasileiro.

Beatriz Lefèvre explica que a fotografia foi descoberta justamente quando se pesquisavam técnicas de reprodução de imagens para os livros. “A fotografia já nasce ligada ao livro. Ela vem servindo a livros de documentação desde meados do século 19 e ganha status de arte a partir do início do século 20”, observa. O primeiro livro de fotografias, The pencil of Nature, foi publicado em 1844 por Fox Talbot. O escritor e cientista inglês foi um dos descobridores da fotografia e seu método, que permitia a reprodução em série de imagens fotográficas (o negativo), iniciou uma revolução que só veio a ser equiparada muito recentemente, com o surgimento da câmara digital.

Além do portfólio – A pesquisadora procura conceituar o livro de fotografia a partir de três categorias: o livro ilustrado, que já existia antes da fotografia; o livro de arte, em especial os portfólios do artista, que também antecedem a fotografia; e o livro do artista, que se firma a partir dos anos 1960 como uma nova modalidade de produção artística. “Acho necessário expandir o conceito do livro de fotografia, que segundo a noção corrente se resume ao portfólio do autor. Trata-se de uma definição muito restrita para o universo de publicações que ocupam cada vez mais espaço nas prateleiras das livrarias”, afirma.

Crianças em Terra, de Sebastião Salgado

Na opinião de Beatriz Lefèvre, hoje os fotógrafos usam cada vez mais o livro como meio de expressão. Encontram no livro maior liberdade que em suas áreas de atuação profissional, onde se sujeitam à pauta, ao estilo e ao crivo do editor de determinada publicação. “Fotógrafos estão usando o livro como um meio de arte. Além de expor seus trabalhos fotográficos, eles fazem do próprio livro uma obra”, observa a editora.

Um dos exemplos deste novo conceito, analisado na dissertação, é o livro Silent Book (Cosac & Naify), de Miguel Rio Branco. Espanhol radicado no Brasil, Rio Branco é considerado o fotógrafo da cor e utiliza sua técnica para tornar mais nítidos os contornos das imagens da pobreza, prostituição e marginalidade – estilo comparado ao do pintor italiano Caravaggio, que elegeu gente das ruas para o ocupar o lugar de santos em suas telas. “Silent Book não é apenas um livro que dá suporte à imagem fotográfica, tanto que Rio Branco ganha o crédito não apenas pelas fotos, mas pela concepção editorial. Ele usa páginas duplas e dobras para associar imagens. Não vemos uma frase, uma legenda sequer. É o discurso da imagem”, ilustra Beatriz Lefèvre.

Diálogo inteligente – Mais dois livros são abordados na dissertação: Terra, de Sebastião Salgado, e Impressões de um Japão Incomum, de Maureen Bisilliat. Salgado, fotógrafo brasileiro reconhecido mundialmente, recorre a poemas de Chico Buarque, a textos de José Saramago e cuida ele mesmo das legendas. “São três tipos de texto que dialogam com a imagem. Um diálogo inteligente, que juntamente com as fotos nos faz viajar com o tema de maneira muito rica. Lendo e vendo o livro, vemos uma história, uma trajetória de luta no campo, e no final uma mensagem de esperança em imagens de crianças com forte apelo emocional”, descreve a editora.

Em 55 imagens captadas em apenas duas semanas, a fotógrafa inglesa radicada no Brasil Maureen Bisilliat retrata um Japão arcaico, agrário e milenar, surpreendente para os estrangeiros impressionados com os emblemas da contemporaneidade espalhados pelo país. Ela escolheu o formato horizontal para o livro e textos de Lafcadio Heam, escritor grego que adotou o Japão como pátria aos 41 anos de idade. “Cem anos separam o texto das imagens. Mas o que me chamou a atenção foi o projeto gráfico, pródigo em inovações, com a apresentação na orelha do livro, imagens emolduradas ou sangradas, cores diferentes em páginas e letras, tudo conduzindo a relação entre textos e imagens. Há uma unidade muito forte a cada virada de página”, afirma a pesquisadora.

Bons improvisos – Para não se restringir à dissertação, Beatriz Lefèvre busca na estante mais dois livros. Rua dos Inventos (Editora Francisco Alves), é uma pesquisa da fotógrafa Gabriela de Gusmão Pereira sobre inventos de rua. “Ela associa fotografias, desenhos e textos de diversos tipos, dentre eles poemas e declarações dos próprios inventores de rua, compondo uma narrativa superinteres-sante”, ressalta a editora.

Nesta linha, a atriz Regina Casé produziu o livro Já (DBA), reunindo imagens à exaustão tiradas de uma Polaroid e selecionadas entre um acervo de mais de 3 mil fotos pessoais. “Não são fotos de qualidade, mas tipo álbum de família: da atriz, dos parentes e de amigos, tiradas em casa, em viagens e no trabalho. A própria Regina Casé se encarregou das legendas, muito rápidas, e acabou nos oferecendo uma autobiografia em imagens. A fotografia não precisa ser uma obra de arte para que o livro, bem editado, se torne um poderoso instrumento de comunicação”, insiste Beatriz Lefèvre.

 

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2003 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP