Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 233 - de 13 a 19 de outubro de 2003
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Professor da Unicamp assinou
trabalhos com Nobel de Física

CLAYTON LEVY

O professor Amir Caldeira, do Instituto de Física da Unicamp: parceiro e orientando do britânico Anthony Leggett

Amir Caldeira, professor titular do Instituto de Física da Unicamp, é conhecido no meio acadêmico por suas pesquisas sobre tunelamento e perda de coerência em sistemas quânticos dissipativos, que hoje servem de referência para pesquisas sobre a possibilidade de desenvolvimento de processadores quânticos em computadores de última geração. Como cientista, chegou a ocupar o primeiro lugar no ranking dos físicos brasileiros mais citados no exterior, com 3.258 artigos publicados até 1999. Na semana passada, porém, um fato novo recolocou seu nome em evidência entre a comunidade científica. O físico britânico Anthony Leggett, que orientou a sua tese de doutorado de 1976 a 1980, e com quem o brasileiro assina cinco importantes trabalhos no terreno da física quântica, acabara de ser anunciado como um dos ganhadores do Nobel de Física 2003.

“Meu telefone não pára de tocar”, disse Caldeira na última terça-feira, quando a premiação foi anunciada. De sua sala, no departamento de física da matéria condensada, ele virou referência nacional para falar sobre Leggett. Atendeu a dezenas de chamados, tanto de seus pares quanto da imprensa, para comentar o prêmio e dar informações sobre uma das novas estrelas da física. As outras duas são os russos Vitaly Ginsburg e Alexei Abrikosov, que dividiram o Nobel com o britânico. Trabalhando separadamente, Abrikosov e Ginsburg desenvolveram abordagens fenomenológicas para a teoria dos supercondutores, enquanto Leggett explicou como os átomos interagem e se ordenam em superfluidos. Os três dividirão o prêmio de US$ 1,3 milhão.

Materiais supercondutores são aqueles que, abaixo de determinada temperatura, não apresentam resistência e permitem que a corrente elétrica passe sem dissipação. Isto é, o material não esquenta e a energia não se perde, como nos sistemas convencionais. Assim, esses materiais impediriam, por exemplo, a perda de quase 40% de energia que ocorre na transmissão convencional de eletricidade. “A superfluidez é quase a mesma coisa, só que aplicada a fluidos”, diz Caldeira.

O brasileiro cita o seguinte exemplo para facilitar o entendimento: “se você pega um balde cheio d’água e gira, e a água, por causa de sua viscosidade, vai girar dentro dele. Já o superfluido é um líquido que não tem viscosidade”. A Academia do Nobel, por sua vez, foi mais formal ao justificar a premiação. “Leggett formulou uma teoria ‘decisiva’ para explicar como os átomos se comportavam e se ordenavam no estado de superfluidez”, diz uma nota divulgada pela entidade.

Ao contrário dos supercondutores, o trabalho de Leggett sobre superfluidos ainda não tem uma aplicação prática. Mesmo assim, segundo Caldeira, não significa que seja menos importante do ponto de vista científico. “Não se faz pesquisa unicamente pensando em colocar produtos nas prateleiras”, afirma. “Física básica é geração de conhecimento; e sem esse conhecimento não dá para entender a matéria”, completa.
O caso dos superfuidos, segundo Caldeira, exemplifica esse quadro. Entendê-los e fazer as analogias necessárias é muito importante para compreender como a matéria reage a temperaturas muito baixas”, diz. Segundo o brasileiro, o estudo poderá ser útil de outras maneiras no futuro. “O conhecimento adquirido sobre determinadas características do superfluido pode ser um laboratório para se entender o que ocorre em outros sistemas que tenham aplicação mais imediata”.

Por essa razão, a premiação a Leggett não chegou a ser surpresa para Caldeira. “Estou muito feliz porque sempre achei que ele (Leggett) merecia”, disse. Os artigos que o brasileiro assina em parceria com o britânico não estão relacionados ao trabalho premiado pela Academia Real de Ciências da Suécia, mas ainda assim ele não esconde a admiração por Leggett, com quem conviveu e trabalhou, tanto na Inglaterra como nos Estados Unidos. “Tony (é assim que Caldeira se refere ao amigo) não se limita a analisar o mecanismo dos fenômenos; ele vai sempre além, tentando entender as suas causas”, conta.

O trabalho de Caldeira com Leggett trata basicamente de tunelamento quântico em sistemas dissipativos, tendo resultado nos seguintes artigos: Influence of damping on quantum interference – an exactly soluble model (PHYSICAL REVIEW A), com 216 citações; Path integral approach to quantum Brownian-motion (PHYSICA), 782 citações; Quantum tunneling in a dissipative system (ANNALS OF PHYSICS), 1576 citações; Probabilities for quantum tunneling through a barrier with linear passive dissipation – comment (PHYSICAL REVIEW LETTERS), 26 citações; e Influence of dissipation on quantum tunneling im macroscopic systems (PHYSICAL REVIEW LETTERS), 902 citações.

Caldeira foi orientando de Leggett na Universidade de Sussex, na Inglaterra, mas também já trabalhou com o físico na Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, onde ele mora atualmente. Embora tenha dedicado toda sua vida à física, Leggett, segundo Caldeira, pode ser descrito como um “boa praça”. Casado com uma japonesa que atua na área das ciências sociais, Leggett “adora uma bebidinha e jantar com os amigos”. A única dificuldade, de acordo com Caldeira, é entender o que o físico fala e escreve. “Ele fala rápido demais e sua letra é muito pequena”.

Carioca “da gema” e torcedor “revoltado” do Flamengo, Caldeira graduou-se em física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde também fez o mestrado. “No início, queria fazer engenharia elétrica. Mas a maneira de abordar a ciência não era a mesma que me atraía. Queria entender o por quê das equações e só encontrei isso na física”, conta. Sua tese de doutorado, orientada por Leggett, tem o título de “Tunelamento macroscópico e tópicos relacionados”.

O trabalho foi concluído em 1980. Da Inglaterra, Caldeira veio direto para a Unicamp, onde tornou-se uma das referências em mecânica quântica, teoria que descreve o comportamento da matéria na escala do “muito pequeno”, ou seja, é a física dos componentes da matéria; átomos, moléculas e núcleos, que por sua vez são compostos pelas partículas elementares.

Para Caldeira, o Brasil vai bem em termos de pesquisa básica. “Tem muita gente séria. O que precisa é não mexer com o que está funcionando bem”, diz, referindo-se às mudanças que o setor de Ciência e Tecnologia sofre a cada mudança de governo. “A gente vive num estado de tensão constante, sem saber se vai cortar aqui ou ali”. Segundo ele, o que falta não é pesquisa na universidade, e sim um contato maior dos formandos com o mercado. “A nossa função é geração de conhecimento e formação de pessoal de alto nível. O grande desafio é ir para o mercado de trabalho desenvolver a inovação”, conclui.

 

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