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Jornal da Unicamp - Outubro de 2000

Página 6

NUTRIÇÃO

Luciana Lima

Farinha no fast food

Pesquisa revela que brasileiros trocam comidas típicas por alimentos industrializados de baixa qualidade

Mais que pulverizar a diversidade da culinária brasileira, reconhecidamente uma das mais ricas do planeta, a indústria de alimentos e a globalização tornam a população refém de hábitos nocivos à saúde. Neste quadro perverso de homogeneização, no qual o prato de arroz com feijão dá lugar ao fast food, a única variante é a velocidade com que os pratos regionais são retirados da mesa do brasileiro. As conseqüências nefastas dessa interferência em hábitos alimentares secularmente arraigados foram dissecadas na pesquisa Inquérito de Consumo Familiar, coordenada pela professora Maria Antônia Galeazzi, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp.

O levantamento, feito entre 1996 e 1997, teve a participação de outras quatro universidades- Federais de Goiás, do Paraná e de Ouro Preto, além da Estadual do Rio de Janeiro-, cujos pesquisadores uniram-se aos do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Alimentação (NEPA), da Unicamp. O estudo abrangeu sete mil domicílios espalhados em sete regiões do país, atingindo um universo de 30 mil pessoas. As pesquisas, financiadas pelo Banco Mundial, continuam este ano em Porto Alegre, Cuiabá e Erexim (RS).

Uma das conclusões preliminares do Inquérito de Consumo Familiar é a de que a alimentação do brasileiro é cada vez mais calórica e de baixa qualidade. A coordenadora Maria Antônia Galeazzi revela que aumentou bastante o consumo de embutidos, de manteiga e de frituras, em detrimento da "dobradinha" arroz e feijão e dos carboidratos. "A batata, por exemplo, é fonte de carboidrato, mas apenas cozida, e não a frita. Isso contribui para uma maior incidência de doenças cardiovasculares".

Os resultados indicam outras falhas na alimentação, registradas em quase todo o país. Dentre elas, a substituição do leite pelo refrigerante, hábito que deixa boa parte da população órfã de uma importante fonte de cálcio. "O refrigerante é o que a gente chama de alimento que proporciona só caloria vazia. Tem apenas hidrato de carbono e nenhum nutriente", explica o médico Frederico Magalhães, do Gastrocentro do HC. O leite, além de conter cálcio, é rico em proteínas e é considerado um alimento praticamente completo do ponto de vista nutricional.

Também está crescendo o consumo de leite desnatado que, de acordo com a legislação, deve ter acrescentada vitamina "A" em sua composição. Apesar de as embalagens indicarem a presença da vitamina, ainda não foram feitas análises que comprovassem isto. Outro ponto a ser observado é o alto consumo de sal. A média de todas as regiões visitadas foi de 12gr/pessoa/dia e a recomendação da Organização Mundial de Saúde é de 6gr. Este consumo exagerado pode ocasionar hipertensão e, consequentemente, doenças vasculares.

Os avanços tecnológicos no controle da mortalidade por doenças vasculares não estão diminuindo a sua incidência, e sim encobrindo um problema maior. Os atuais tratamentos ajudam a controlar a mortalidade, mas a morbidade está aumentando. Além disto, a alimentação pode prevenir doenças e melhorar a qualidade de vida.

Maria Antônia acredita que ainda temos condição de não repetir os mesmos erros registrados em países desenvolvidos. Alguns exemplos são evidentes, como o alto índice de obesidade e hipertensão, extremamente acentuados nos Estados Unidos, país que gasta quantias astronômicas em tratamentos médicos. "O processo de desenvolvimento econômico e tecnológico tem levado a este quadro. Hoje nós deveríamos adotar uma política de prevenção, aumentando o consumo de frutas e vegetais", acredita Maria Antônia.

Farinha e açaí -– Alguns dados dos estudos chamaram a atenção dos pesquisadores. O inquérito feito no Norte apontou que lá existe um consumo elevado de açaí, que é uma fonte de ferro. No caso da capital, Belém, o consumo de açaí é tão alto que consegue cobrir de 30% a 40% da recomendação de consumo diário de carne, apesar de ela conter outros nutrientes importantes, como a proteína, que não está presente na fruta. Hoje, a anemia ferropriva, causada pela falta de ferro no organismo, é um problema sério para toda população brasileira. "A alta prevalência de anemia em Belém é muito mais resultante da precariedade do saneamento básico do que do consumo alimentar. Este é um caso específico da importância da regionalidade", conta Galeazzi.

A pesquisa também apontou que na região Norte a regionalidade do consumo alimentar já sobe para 20%, contra os 4% no Centro-Sul. É o caso por exemplo da farinha de mandioca, que é muito consumida no Norte, ao contrário do Sul. O mesmo fenômeno acontece com o camarão salgado e o fígado bovino, entre outros. Estes alimentos, que apesar de fazerem parte da alimentação de quase todo país, não aparecem com freqüência no Centro-Sul, mas estão fortemente presentes no Norte.

Apesar de a Bahia não fazer parte do Inquérito de Consumo Familiar, Maria Antônia afirma que outros estudos confirmam que o Estado sofre forte influência da região Sudeste. Um exemplo é o consumo do vatapá. Mesmo sendo conhecida como uma comida tipicamente baiana, ele não consta no cardápio diário da população. "Acontece com o vatapá na Bahia, o mesmo fenômeno registrado no Norte com o pato no tucupi. Acredita-se que lá todo mundo consome o prato, que é uma comida indígena. Mas nós verificamos que não é um hábito cotidiano, mas coisa de final de semana", constata Maria Antônia.

O que tem causado esta homogeinização do consumo alimentar é a industrialização, os novos padrões de estilo de vida e a globalização. "Eu acredito que as diferenças de consumo entre o Brasil e países vizinhos como a Argentina também estão cada vez menores. As fronteiras estão abertas e a internacionalização da área agrícola é um fato consumado", afirma Galeazzi. Um exemplo é o kiwi. Há cerca de 15 anos, o país não conhecia o kiwi, que é uma fruta originária da Nova Zelândia. "Hoje é possível encontrar kiwi da Nova Zelândia, que está sendo plantado no Chile e vem ser comercializado aqui no Brasil".

E, dentro do país, as fronteiras também estão abertas, possibilitando a troca de mercadorias entre os Estados. Maria Antônia explica que em Campinas, por exemplo, há algum tempo, não se encontrava doce caseiro em supermercados. Hoje já é possível encontrar doces mineiros com facilidade, graças à troca de produtos com Minas Gerais.

A Tabela Brasileira – Uma vez obtidos estes dados de consumo, os pesquisadores constataram que havia dificuldade em encontrar determinados tipos de alimentos nas pesquisas alimentares internacionais, surgindo a necessidade da criação de uma tabela brasileira. O projeto, viabilizado depois de uma parceria firmada entre universidades e o Ministério da Saúde, recebeu o nome de Taco – Tabela Brasileira de Composição de Alimentos. A tabela está sendo elaborada nos mesmos moldes e padrões internacionais. Serão pesquisados cerca de 700 alimentos, certificando a composição e a presença de nutrientes como ferro, cálcio, vitamina "A", "C" e complexo "B".

Segundo Dag Mendonça Lima, pesquisador do Nepa, a tabela terá várias utilizações. A primeira é atender a área de saúde, sobretudo no trabalho desenvolvido por nutricionistas. Outra é servir de referência para políticas de intervenção na saúde pública de governos estaduais e federais, e ainda para indústrias brasileiras de alimentos, que geralmente têm outras fontes de consulta.

Porta aberta para doenças

Estudos realizados em todo mundo mostram que a dieta errada é uma das causas mais importantes de doenças. Segundo o médico do Gastrocentro do HC Frederico Magalhães, a dieta é responsável, por exemplo, por cerca de 90% dos casos de câncer no intestino. Além de ter relação com doenças menos graves e sintomas desagradáveis como constipação intestinal.

A dieta errada também é uma das causas do câncer de estômago. Está comprovado, por exemplo, que o excesso de sal na alimentação ocasiona inflamação do estômago e maior propensão a câncer. Do mesmo modo que no câncer de intestino, a dieta pobre em vegetais e frutas frescas tem relação direta com o aumento de incidência do câncer de estômago.

Estudou-se muito o porquê desses alimentos frescos terem uma importância tão grande na proteção do aparelho digestivo. "Foi verificado que as vitaminas em comprimidos não agem no organismo com a mesma eficácia que os alimentos da natureza", afirma Magalhães.

"O Brasil tem tudo para poder oferecer para população uma alimentação saudável, rica em vegetais, em frutas frescas, porque é um país produtor destes alimentos, que aqui são de fácil acesso e não muito caros", afirma. Diferentemente do Japão, por exemplo, que não produz estes alimentos, que geralmente saem caros para a população. "Além de termos acesso a muitas verduras e frutas, a composição do ‘arroz com feijão’ é um bom alimento do ponto de vista nutricional. É só evitar sal, alimentos de conserva, coisas gordurosas, que a saúde da população pode melhorar muito", aponta o médico.


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