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Jornal da Unicamp - Outubro de 2000

Página 19

ARTIGO

Globalização, a língua
inglesa e o Brasil

Muitos brasileiros vêem o grande número de termos ingleses
em uso no português como ameaça à soberania nacional

A queda do Muro de Berlim, o desmantelamento do bloco soviético e a implosão da própria União Soviética contribuíram para o fortalecimento do capitalismo internacional, liderado por empresas de grande porte, as firmas "multinacionais" -- ou melhor dito, supranacionais. Como conseqüência dessas reviravoltas, muitos países sentiram os efeitos do fenômeno da globalização que traz, por um lado, a interligação de mercados e a internacionalização de economias e, por outro, o perigo da dolarização e da desestruturação de algumas economias e o empobrecimento de segmentos da classe média e classe baixa em várias nações.

Alguns discursos a respeito da globalização transmitem uma ideologia de bem-estar e harmonia em nível internacional. Mas a realidade é freqüentemente outra. A globalização esconde conflitos e tensões entre os países do Hemisfério do Sul, por um lado, que tendem a ser subdesenvolvidos em parte ou por completo (com exceção de Austrália, Nova Zelândia e, possivelmente, dos "tigres asiáticos" menores como Cingapura, Malásia e Taiwan) e, por outro, os do Hemisfério do Norte- que tendem a não acusar problemas de desigualdade socio-econômica, doenças endêmicas e condições precárias de moradia.

Todavia, nem todos os brasileiros vêem com bons olhos o grande número de palavras de língua inglesa em uso no português. Uma reação a esse estado de coisas é o projeto de lei nº 1676 de autoria do deputado Aldo Rebelo (PC do Brasil) que visa à proibição de palavras estrangeiras na imprensa, nos meios televisivos e também em anúncios publicitários. A referida lei impõe multas para seu descumprimento. Palavras de origem estrangeira são vistas por alguns nacionalistas como " o algoz" da língua portuguesa.

A "mcdonaldização" de diferentes culturas é vista por parte de certos grupos em diferentes nações como uma verdadeira invasão cultural. O Brasil não é único país que se sente colonizado pela pletora de vocábulos estrangeiros, particularmente de origem inglesa, proveniente de uma gama de campos diversos, como a informática e a economia, por um lado, e a propaganda e desportos, por outro.

Todavia, muitas palavras de origem estrangeira são imprescindíveis por preencherem lacunas lingüísticas no idioma. A existência de termos de origem estrangeira como "leitmotiv", "sashimi", "blinis", "honoris causa" ou "réveillon" de nenhuma forma ameaça a soberania de uma nação. Deve-se perguntar se realmente palavras e termos técnicos comprometem a soberania do um país.

O problema é outro. Um bom exemplo de uma verdadeira ameaça à soberania é a manipulação por parte de especuladores na Bolsa de Valores de Tóquio ou de Nova York, que diminui o poder aquisitivo de milhares de assalariados no Brasil e em outros países. A soberania de uma nação também pode ser violada quando fundos monetários ditam unilateralmente a política econômica; essa violência exemplifica a tensão "norte" vs. "sul".

O ingresso de palavras e termos técnicos de origem inglesa não é resultado direto da globalização— um fenômeno relativamente recente. Muitos brasileiros confundem a existência de vocábulos de origem norte-americana no português e a importação de costumes e práticas culturais estadunidenses com o fenômeno de globalização. A expansão da língua inglesa vem de longa data. O primeiro momento é no século XVII com a migração de europeus para o continente americano e para Austrália e Nova Zelândia; o segundo momento ocorreu nos séculos XVIII e XIX com o estabelecimento de verdadeiras "esferas de influência" ou colônias principalmente por parte de Grã-Bretanha na África, no Oriente Médio, na Ásia e na Oceânia. O terceiro momento teve início a partir do fim da Segunda Grande Guerra em 1945 com o surgimento dos EUA como poderio econômico-técnico-científico. Existe, todavia, um quarto momento que deve ser considerado numa reflexão sobre a consolidação do inglês como língua internacional ou "língua ponte" neste início de novo milênio. Com a independência das diferentes colônias na África e na Ásia a partir dos anos 60, foram institucionalizadas outras variedades de inglês, cada uma com a sua norma, sua cultura, seus romancistas e poetas, seus próprios dicionários e "novos" falantes nativos. É importante lembrar que o inglês desde muito tempo deixou de ser a propriedade exclusiva de uma nação ou raça; o referido idioma é oficial ou semi-oficial em 60 diferentes países e tem uma posição de proeminência em outros 20. Por este motivo, pode-se falar de "inglês indiano", "inglês filipino" ou "inglês nigeriano". É importante observar que existem no mundo de fala inglesa diferentes identidades e culturas. É importante para a soberania do Brasil uma abertura para essas diferentes culturas.

Quais são, no início deste novo milênio, as implicações dos fatos acima apresentados para uma política de idioma no Brasil? Numa busca de mercados alternativos e de contatos com outras culturas, seria de interesse nacional o ensino e a aprendizagem de outras variedades de inglês, isto é, outras "vozes" (além de outras línguas estrangeiras pouco ensinadas no Brasil) e suas respectivas culturas. É lamentável que na maior parte das escolas públicas e particulares de ensino médio a única língua estrangeira ensinada seja o inglês. Somente uma política voltada para uma diversidade de contatos em diferentes mercados internacionais em conjunto com uma atuação cultural em diversas frentes lingüísticas salvaguardará a soberania econômica e política do Brasil.

O português neste programa de intercâmbio será enriquecido, especialmente se for desenvolvida, com seriedade, uma política de ensino de cultura brasileira e do português como língua materna e estrangeira.

John Robert Schmitz schmitz@iel.unicamp.br é professor do Departamento de Lingüística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp.


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