Jornal lançado em 1986 chega à edição 200
ANO XVII - 2 a 8 de dezembro de 2002 - Edição 200
Jornais anteriores
Unicamp Hoje
PDF
Enquete
Unicamp
Assine o JU
2
Capa
Comentário
Fome Zero
Cristovam
SBPC
Pacheco
Região Metropolitana
Painel da Semana
Consu
Mestrado Profissional
Em dia
Políticas Públicas
Ana Fonsceca
Oportunidades
Lume

Milton Santos
Teses
Avanço da Ciência
Na imprensa
Tesouros

O Fome Zero e a Bolsa Alimentação

Denise Coitinho

Neste momento em que a sociedade brasileira discute os rumos e os meios do combate à fome no país, o Jornal da Unicamp da semana de 11 a 17 de novembro, publicou entrevista com José Graziano, intitulada "Os fundamentos do programa Fome Zero". Nesta matéria, quando perguntado sobre a diferença entre o Fome Zero e o Bolsa Alimentação, Graziano faz várias observações que merecem alguns esclarecimentos e comentários.

Segundo Graziano, o Programa Bolsa Alimentação teve início em outubro 2001 com forte caráter eleitoral e como resposta ao lançamento do Fome Zero. Nada poderia ser mais equivocado.

O Programa Bolsa Alimentação foi criado por iniciativa do então ministro José Serra e teve início, em módulo piloto, em julho de 2001. Foi lançado nacionalmente em setembro de 2001, após pelo menos seis meses de debate técnico e político com especialistas, estados, municípios e representantes da sociedade civil. É voltado para famílias com gestantes, mães amamentando e crianças até 6 anos de idade, de baixa renda e em risco nutricional e é complementar à Bolsa Escola, voltado às famílias com crianças em idade escolar.

Nosso programa faz parte da estratégia do governo Fernando Henrique para construir uma Rede de Proteção Social no país, baseada numa nova concepção de programas de transferência de renda que avançam no conceito tradicional. No lugar de uma renda mínima compensatória, tem-se por princípio realizar transferências monetárias às famílias carentes como estratégias de aumento do acesso a alimentos, aos cuidados de saúde e à educação básica, fatores de grande potencial para a redução das desigualdades sociais. Para tal, estabelecem uma espécie de contrato social entre o Estado e a família pelo qual o Estado propicia os serviços básicos de saúde e educação e o apoio monetário, enquanto a família garante a freqüência à escola, os cuidados nutricionais e o cumprimento de uma agenda de saúde com caráter preventivo (vacinação, pré-natal, acompanhamento do peso da criança, amamentação, participação em atividades educativas, etc.).

O repasse financeiro é realizado por cartão magnético - o Cartão do Cidadão - o que tem se mostrado eficiente e simbólico, fortalecendo o papel da mulher dentro da comunidade e como protagonista familiar. Seu uso propiciou a eliminação de passos administrativos intermediários, reduziu a ingerência política e clientelista e contribuiu para a diminuição dos custos operacionais. Esses novos rumos têm representado um ganho fundamental de autonomia das mulheres e o encontro da simplicidade na complexidade.

Com toda a experiência que acumulamos na adesão ao programa em 4.976 municípios brasileiros, já beneficiando 1 milhão e 400 mil pessoas. Nossas avaliações por amostragem aleatória de beneficiários têm mostrado que distribuição de recursos financeiros tem se mostrado eficaz para melhorar a alimentação destas famílias. Alguns dados exemplificam esta afirmativa:

  • 99,6% das mães gastam os recursos recebidos com alimentos. Adquirem, preferencialmente, leite, frutas, arroz, feijão, verduras e carnes, nesta ordem. Além de alimentos, cerca de 30% das mães também adquirem outros produtos como materiais de limpeza e higiene e roupas;

  • a mãe realmente deve ser respeitada na sua capacidade de gerenciar seus recursos em prol de sua família porque esse é um componente fundamental no ganho de auto-estima da mulher, que também contribui para a melhoria de suas condições de vida;

  • a orientação dos Agentes Comunitários de Saúde tem maior potencial para que as mães melhorem a alimentação de suas famílias, do que qualquer tentativa de pré-estabelecer uma pauta de alimentos "permitidos" para serem adquiridos;

  • que o mais bonito e até emocionante de se observar nos programas de transferência de renda são as feirinhas de pequenos produtores rurais que se formam nos pequenos municípios no dia do pagamento dos benefícios, criando mercado para o excedente da produção familiar e animando a economia local.

Rica experiência - Muito mais teríamos a relatar sobre a rica experiência de trabalho que temos tido e creio que acumulado para o nosso país em direção à realização do direito humano à alimentação e nutrição adequadas para todos os cidadãos brasileiros.

Aprendemos que só se alcançam objetivos deste vulto, atuando de forma agregadora, sonhando coletivamente e construindo caminhos. Que não existem fórmulas ou modelos únicos e mágicos e que a flexibilidade é ingrediente essencial do processo de implantação de qualquer política pública, frente à heterogeneidade e complexidade de realidade brasileira, que é única. O que existem são desafios e caminhos a serem trilhados e consolidados ao longo do tempo, num processo progressivo de agregar e adequar estratégias ao que já foi conquistado.

Tenho convicção de que demos passos importantes para esta jornada com seriedade, determinação, responsabilidade e muito trabalho. E que nosso esforço tem sido sempre balizado pela ética.



A médica Denise Coitinho é diretora do Programa Bolsa Alimentação do Ministério da Saúde.