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No transplante haploidêntico, doadores de medula óssea não precisam ser totalmente compatíveis

Hemocentro e HC estão prestes a adotar novo tratamento para a leucemia aguda

(Fotos: Antoninho Perri)Pesquisadores da Unicamp estão ultimando os preparativos para introduzir de forma experimental no Brasil uma nova modalidade de transplante de medula óssea, voltada ao tratamento de pacientes portadores de leucemias agudas. A técnica, denominada de transplante haploidêntico, consiste em manipular as células de um doador parcialmente compatível, de modo a fazer com que sejam toleradas pelo organismo do receptor. A grande vantagem do novo método em comparação com os procedimentos convencionais está justamente no fato de não depender da disponibilidade de um doador totalmente compatível, situação cada vez mais rara de ser encontrada.

Resultados da técnica nos EUA e Europa são promissores

Embora não possa ser considerado como uma panacéia contra a leucemia, o transplante haploidêntico é uma técnica promissora, na opinião do hematologista e professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, Cármino Antonio de Souza. De acordo com ele, a modalidade tem sido empregada experimentalmente em alguns importantes centros de pesquisa do mundo, como Seattle (Estados Unidos), Munique (Alemanha) e Perugia (Itália). No Brasil, segundo o docente, ela tem sido estudada por dois grupos: um da USP de Ribeirão Preto e outro formado por especialistas do Hemocentro e da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp.

Para entender melhor como funciona o transplante haploidêntico, segundo Cármino Souza, antes é preciso saber como é realizada a técnica convencional. Quando o portador de leucemia aguda tem a indicação do transplante de medula óssea, um dos maiores desafios é identificar um doador que seja totalmente compatível. Normalmente, quem cede o material é um aparentado do doente, como irmão de mesmo pai e mãe. Ocorre, porém, que a probabilidade de encontrar essa pessoa entre os familiares é de apenas 25%. “Como as famílias brasileiras estão se tornando cada vez menores, a dificuldade de localizar um doador aparentado completamente compatível tem se tornado proporcionalmente mais difícil”, explica o hematologista.

Uma alternativa, nesse caso, é tentar localizar um doador não-aparentado, mas totalmente compatível, por meio de buscas em registros de medula óssea tanto no país quanto no exterior. Tal opção esbarra, no entanto, em dois sérios problemas. Primeiro, a questão do custo. O procedimento exige um investimento de aproximadamente US$ 70 mil, algo em torno de R$ 160 mil. Segundo, a investigação é demorada, o que freqüentemente compromete o tratamento e leva o doente à morte. No transplante haploidêntico, a identificação do doador fica facilitada, visto que ele poder ser parcialmente compatível. Para compreender melhor, tome-se o exemplo de dois irmãos. Ao nascerem, ambos recebem uma carga genética do pai e outra da mãe.

Assim, na hipótese de um deles ter que se submeter ao transplante haploidêntico, bastará que o outro, para ser o doador da medula óssea, apresente características análogas em apenas um dos dois haplótipos (combinações de polimorfismos que são transmitidos em bloco de geração para geração) do HLA, que é o antígeno de compatibilidade leucócita. Ou seja, a probabilidade disso ocorrer é maior do que a de encontrar um doador totalmente compatível. Mas como fazer para que não haja rejeição do material transplantado, uma vez que o doador não é totalmente compatível? De acordo com o hematologista Cármino Souza, a resposta está na manipulação das células.

O professor Cármino Antonio de Souza: adoção da técnica ainda depende de aprovação do Conselho de Ética e Pesquisa e de recursos para aparelhamento dos laboratóriosEspécie de “enxerto” – O que os médicos fazem no transplante haploidêntico é coletar do doador uma dose elevada de células-tronco e reprimir de maneira importante as células imunologicamente competentes, ou seja, aquelas responsáveis pela defesa do organismo. Com esse material, os especialistas fazem uma espécie de “enxerto”, que é administrado no receptor. “Se por um lado não agridem o organismo do paciente, essas células também não o protegem num primeiro momento. Assim, após o procedimento, o transplantado exigirá uma série de cuidados. Ele precisará ser monitorado clínica e laboratorialmente por um período de dois anos, visto que estará extremamente vulnerável. Um dos maiores riscos durante a fase de recuperação é a pessoa contrair uma infecção provocada por vírus ou fungos”, explica.

Os resultados dos transplantes haploidênticos realizados de forma experimental no exterior, reafirma o docente da Unicamp, estão sendo considerados promissores. “Dizendo de maneira simplificada, os médicos estão constatando que, adotados os cuidados necessários, o transplante pega rápido e também proporciona uma rápida recuperação do paciente”. Antes de a modalidade ser incluída entre os procedimentos do Hemocentro e da Unidade de Transplante de Medula Óssea do HC, destaca Cármino Souza, será necessário cumprir algumas etapas preliminares. Uma delas é a aprovação da proposta por parte do Conselho de Ética e Pesquisa da FCM, que já a está analisando.

Início em 2007 – Outra etapa é a obtenção de recursos para o aparelhamento de laboratórios. Projeto nesse sentido já foi encaminhado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Se essas fases forem superadas a contento, a idéia é que os transplantes haploidênticos comecem a ser realizados já no primeiro semestre de 2007. A idéia é selecionar 20 pacientes portadores de leucemia mielóide aguda que tenham indicação de transplante, mas não tenham encontrado um doador de medula óssea compatível, aparentado ou não. Essas pessoas, diz Cármino Souza, serão possivelmente escolhidas entre aquelas indicadas pelos centros de referência da área.
Se os transplantes gerarem os resultados esperados, eles poderão ser posteriormente estendidos para um número maior de pacientes. “É importante que a sociedade saiba, entretanto, que o transplante haploidêntico não é a solução definitiva para o problema da leucemia aguda e nem vem para substituir as terapêuticas já existentes. Ele é apenas mais uma possibilidade de tratamento da doença”, lembra o hematologista Cármino Souza.

A LEUCEMIA E SEUS TRATAMENTOS

O que é leucemia?
A leucemia é um tipo de câncer que compromete os glóbulos brancos (leucócitos), afetando sua função e velocidade de crescimento. O transplante surge como uma forma de tratamento complementar a outras terapêuticas. De acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), órgão vinculado ao Ministério da Saúde, de três a quatro pessoas num universo de 100 mil habitantes desenvolvem anualmente a doença, cujas causas ainda não são totalmente conhecidas pela medicina. Ou seja, numa população como a de Campinas, com cerca de 1 milhão de pessoas, terão sido registrados cerca de 30 a 40 novos casos da enfermidade até o final de 2006. Ainda segundo o Inca, a leucemia é mais comum entre os adultos, embora também possa atingir crianças e adolescentes.

O que é medula óssea?
É um tecido líquido que ocupa o interior dos ossos, sendo conhecida popularmente por “tutano”. Na medula óssea são produzidos os componentes do sangue: as hemácias (glóbulos vermelhos), os leucócitos (glóbulos brancos) e as plaquetas. Pelas hemácias, o oxigênio é transportado dos pulmões para as células de todo o nosso organismo e o gás carbônico é levado destas para os pulmões, a fim de ser expirado. Os leucócitos são os agentes mais importantes do sistema de defesa do nosso organismo. As plaquetas compõem o sistema de coagulação do sangue.

O que é transplante de medula óssea?
É um tipo de tratamento proposto para algumas doenças malignas que afetam as células do sangue. Ele consiste na substituição de uma medula óssea doente, ou deficitária, por células normais de medula óssea, com o objetivo de reconstituição de uma nova medula. O transplante pode ser autogênico, quando a medula ou as células precursoras de medula óssea provêm do próprio indivíduo transplantado (receptor). Também pode ser alogênico, quando a medula ou as células provêm de um outro doador. O transplante pode ser feito, ainda, a partir de células precursoras de medula óssea obtidas do sangue circulante de um doador ou do sangue de cordão umbilical.

Quando é necessário o transplante?
Em doenças do sangue como a anemia aplástica grave e em alguns tipos de leucemias, como a mielóide aguda, mielóide crônica e linfóide aguda. No mieloma múltiplo e linfomas, o transplante também pode estar indicado.

Como é o transplante para o doador?
Antes da doação, o doador faz um exame clínico para confirmar o seu bom estado de saúde. Não há exigência quanto à mudança de hábitos de vida, trabalho ou alimentação. A doação é feita por meio de uma pequena cirurgia, de aproximadamente 90 minutos, em que são realizadas múltiplas punções, com agulhas, nos ossos posteriores da bacia e é aspirada a medula. Retira-se um volume de medula do doador de, no máximo, 10%. Esta retirada não causa qualquer comprometimento à saúde.

Como é o transplante para o paciente?
Depois de se submeter a um tratamento que destrói a própria medula, o paciente recebe a medula sadia como se fosse uma transfusão de sangue. Essa nova medula é rica em células chamadas progenitoras, que, uma vez na corrente sangüínea, circulam e vão se alojar na medula óssea, onde se desenvolvem. Durante o período em que estas células ainda não são capazes de produzir glóbulos brancos, vermelhos e plaquetas em quantidade suficiente para manter as taxas dentro da normalidade, o paciente fica mais exposto a episódios infecciosos e hemorragias. Por isso, deve ser mantido internado no hospital, em regime de isolamento. Cuidados com a dieta, limpeza e esforços físicos são necessários. Por um período de 2 a 3 semanas, necessitará ser mantido internado e, apesar de todos os cuidados, os episódios de febre são quase uma regra no paciente transplantado. Após a recuperação da medula, o paciente continua a receber tratamento, só que em regime ambulatorial, sendo necessário, por vezes, o comparecimento diário ao hospital.

Quais os riscos para o paciente?
A boa evolução durante o transplante depende de vários fatores: o estágio da doença (diagnóstico precoce), o estado geral do paciente, boas condições nutricionais e clínicas, além, é claro, do doador ideal. Os principais riscos se relacionam às infecções e às drogas quimioterápicas utilizadas durante o tratamento. Com a recuperação da medula, as novas células crescem com uma nova “memória” e, por serem células da defesa do organismo, podem reconhecer alguns órgãos do indivíduo como estranhos. Esta complicação, chamada de doença enxerto contra hospedeiro, é relativamente comum, de intensidade variável e pode ser controlada com medicamentos adequados. No transplante de medula, a rejeição é rara.

O que fazer quando não há um doador compatível?
Quando não há um doador aparentado (um irmão ou outro parente próximo, geralmente um dos pais), a solução é procurar um doador compatível entre os grupos étnicos (brancos, negros, amarelos) semelhantes. Embora, no caso do Brasil, a mistura de raças dificulte a localização de doadores, é possível encontrá-los em outros países. Desta forma surgiram os primeiros Bancos de Doadores de Medula, em que voluntários de todo o mundo são cadastrados e consultados. Hoje, já existem mais de 5 milhões de doadores. O Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome) coordena a pesquisa de doadores nos bancos brasileiros e estrangeiros.



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