Unicamp Hoje - O seu canal da Noticia
navegação

Unicamp Hoje. Você está aquiAssessoria de ImprensaEventosProgramação CulturalComunicadosPublicações na Unicamp

ciliostop.gif
Jornal da Unicamp

Semana da Unicamp

Assine o "Semana"

Divulgue seu assunto

Divulgue seu evento

Divulgue sua Tese

Cadastro de Jornalistas


Mídias

Sinopses dos jornais diários

Envie dúvidas e sugestões

ciliosbott.gif (352 bytes)

1 2 3 4 5 6/7/8 9/10/11 12/13 14 15 16 17 18/19 20

Jornal da Unicamp - Dezembro de 2000

Páginas 9, 10 e 11

SEMINÁRIO

Uma nova ordem mundial

Participantes de encontro pela paz concluem que aproximação entre os povos é fundamental para o futuro da humanidade

MANUEL ALVES FILHO

Não é possível haver uma cultura de paz num cenário de injustiça social, de degradação do meio ambiente e de dominação econômica, científica e tecnológica. Essa foi a principal conclusão do IV Seminário Internacional Ciência e Sociedade por uma Cultura de Paz. De acordo com os conferencistas, o principal desafio da atual e das futuras gerações é criar uma nova ordem mundial, na qual valores como a igualdade, a fraternidade e a solidariedade possam promover a aproximação entre os povos. Uma proposta concreta surgida durante os debates foi transformar o tema do encontro em uma disciplina a ser incluída na grade curricular dos alunos de graduação da Unicamp. A sugestão foi imediatamente aceita pelo pró-reitor de Graduação, professor Angelo Luiz Cortelazzo. Segundo ele, o assunto será discutido na Comissão Central de Graduação (CCG) e seguirá posteriormente para a deliberação do Conselho Universitário (Consu). A expectativa é que a nova disciplina seja adotada a partir do segundo semestre de 2001.

A autoria da proposta foi do professor Mohamed Habib, coordenador de Relações Institucionais e Internacionais da Unicamp e organizador do evento. De acordo com ele, a iniciativa reafirma a função social da universidade, bem como o seu compromisso de formar profissionais que também sejam cidadãos. Habib lembra que as desigualdades entre os países centrais e periféricos são dramáticas. Dados apresentados pelo professor indicam que a cota energética consumida anualmente por um americano é cerca de 180 vezes maior que a de um nigeriano. Ainda conforme o professor, 75% dos recursos naturais disponíveis no planeta são consumidos por 25% da população mundial residente nas nações desenvolvidas.

"Será que esses países aceitam repartir esses recursos de maneira mais equilibrada?", questiona o organizador do seminário. A resposta parece ser clara. Ainda assim, Habib considera que as nações centrais precisam assumir urgentemente um compromisso com a comunidade internacional, no sentido de reduzir essas disparidades. "A distribuição não precisa ser igual, mas tem que oferecer condições mínimas para uma vida digna", defende, acrescentando que a medida deve vir acompanhada de projetos que assegurem o desenvolvimento sustentável.

Exemplos de injustiças também podem ser encontrados no Brasil. Aqui, 1% da população mais rica detém 53% da riqueza nacional. Para o professor de Direito Ambiental da Universidade Federal de São Carlos, Francelino Grando, o dado reflete o modelo de apropriação dos recursos naturais adotado pelo País. Qual a saída para esse problema? Grando responde: "A sociedade tem que se organizar e participar da gestão colegiada dos recursos naturais. Só a educação permite esse tipo de participação. Não é mais possível continuar legitimando a frase ‘se queres paz, prepara-te para a guerra’. É hora de prepararmos a paz para a paz".

Conhecimento – A busca por uma cultura de paz pressupõe o combate a outros tipos de desigualdades, conforme avaliação dos participantes do seminário. Segundo Glaci Terezinha Zancan, presidenta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o conhecimento também precisa ser partilhado. Cada vez mais, afirma, a ciência tem sido apropriada pela comunidade intelectual. Esse processo impede o acesso da sociedade à informação, o que compromete a compreensão e a tomada de decisão diante de assuntos importantes, como o caso da produção e venda de produtos transgênicos, para ficar num único exemplo.

"Temos uma imensa tarefa pela frente. Não podemos continuar discutindo ciência entre nós. A sociedade precisa de informações para decidir o que é melhor para ela", diz Glaci. Roberto Romano, professor titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, destaca ainda a necessidade do desenvolvimento de um programa de educação de massa, nas áreas da ciência e da tecnologia. Segundo ele, "o segredo é a forma mais sutil de manipulação do poder".

A mão que rouba o berço

O regime ditatorial da Argentina, instalado em 1976, espalhou o terror entre a população. Perseguições, torturas e assassinatos vitimaram milhares de cidadãos. Grupos comprometidos com a defesa dos direitos humanos estimam que pelo menos 30 mil pessoas desapareceram ao longo de oito anos. Mas a maior violência imposta ao povo argentino talvez tenha sido o roubo de crianças. Arrancados de suas famílias, cerca de 500 meninos e meninas foram provavelmente adotados pelos próprios algozes ou por famílias de países vizinhos. Descobrir o paradeiro deles tem sido a missão de um grupo de mulheres denominado Abuelas de Plaza de Mayo (Avós da Praça de Maio). "Além de restituir essas pessoas às suas famílias, nosso objetivo é oferecer uma contribuição histórica para evitar que esse tipo de horror se repita", afirma a presidenta da entidade, a professora universitária Estela Carlotto.

O trabalho desenvolvido pela organização, fundada em outubro de 1977, foi tema de uma conferência* no IV Seminário Internacional Ciência e Sociedade por uma Cultura de Paz, promovido entre os dias 19 e 21 de novembro pela Coordenadoria de Relações Institucionais e Internacionais (Cori) da Unicamp. A Abuelas de Plaza de Mayo tem em seus cadastros 240 denúncias de famílias que ainda procuram por seus filhos e netos.

Uma aula sobre a história de Campinas

Antonio da Costa Santos (foto), prefeito eleito de Campinas pelo PT, foi o principal palestrante na cerimônia de abertura do IV Seminário Internacional Ciência e Sociedade por uma Cultura de Paz. Arquiteto, ele deu uma aula sobre a história da cidade, mostrando como equívocos urbanísticos cometidos no passado contribuíram para a degradação da cidade e a relação desses erros com os problemas sociais de hoje.

Como prefeito, Santos terá uma cadeira no Conselho Universitário da Unicamp a partir do próximo ano. Durante a campanha, ele prometeu promover uma forte participação da Universidade em sua administração, por meio de projetos em áreas críticas da cidade.

Crianças desaparecidas por motivos políticos na República Argentina

Íntegra da conferência magna ministrada na Unicamp pela professora Estela Carlotto, presidenta da Associação Avós da Praça de Maio

Breve introdução

Em março de 1976 um golpe de estado das Forças Armadas desalojou o Governo Constitucional e uma política de terror e avassalamento dos Direitos Sociais e Individuais se instalou na República Argentina. Como doloroso saldo desta política caíram milhares de cidadãos assassinados, 30.000 desaparecidos de toda idade e condição social e todo um país com seus legítimos direitos violados e desrespeitados.

Entre os milhares de desaparecidos se encontram nossos filhos e nossos netos: pequenos de curta idade ou criaturas em processo de gestação, que vieram à luz nos campos de concentração criados pela Ditadura Militar. Para buscar essas crianças, localizá-las e restitui-las a suas famílias legítimas, e procurar Justiça para nossos filhos – seus pais –, nasceu em outubro de 1977 a Associação Avós da Praça de Maio.

Já no alvorecer de nossa luta advertimos que tanto no seqüestro de adultos como no de crianças existia um plano preconcebido. Com nossos filhos se seqüestrava o presente, e com nossos netos intentavam arrebatar-nos o futuro. Iniciamos profundos trabalhos de investigação acerca do paradeiro dos pequenos para resgatar esse porvir.

É evidente que o plano metódico para fazer desaparecer as crianças consistia em mimetizá-los entre a população, anular suas identidades, e na maioria dos casos registrá-los como filhos próprios. As crianças caiam nas mãos dos represssores que haviam seqüestrado e assassinado seus pais.

Nada nos deteve na busca dos filhos de nossos filhos. Tarefas detetivescas se alternavam com visitas diárias aos Juizados de Menores, orfanatos, berçários, conquanto investigávamos as adoções da época. Também recebíamos – e continuamos recebendo – as denúncias que o povo argentino nos fez chegar, como uma maneira de colaborar com o trabalho de localização dos pequenos. Este é o resultado de nosso trabalho de conscientização da comunidade.

A identidade

Toda pessoa nasce com uma carga biológica cultural e social transmitida através das gerações que a precederam, que configura suas características essenciais como pessoa. Isto faz com que um ser humano seja distinto do outro, tenha raízes que o enlaçam com seu grupo social de origem e apresente determinadas peculiaridades que, unidas ao posteriormente adquirido com sua maturidade, fazem dele um ser completo e tendente ao equilíbrio.

Tudo o que foi exposto anteriormente configura a Identidade, o que faz alguém ter uma referência como ser pleno frente a outros que formam a sociedade. Não existe possibilidade humana de trocar, suplantar ou suprimir a identidade sem provocar danos gravíssimos no indivíduo, perturbações próprias de quem, ao não possuir raízes, história familiar ou social, nem nome que o identifique, deixa de ser quem é sem poder transformar-se em outro.

Na constante peregrinação das Avós por todo o mundo, tratávamos de saber se existia algum método específico para determinar a filiação de uma criança na ausência de seus pais. Muitos foram os centros científicos que consultamos, até que finalmente, nos Estados Unidos, o Dr. Fred Allen, do Blood Center de Nova York, e a Associação Americana para o Avanço da Ciência, de Washington, nos possibilitaram realizar esses estudos. Graças a eles encontrou-se um método que permite chegar a uma porcentagem de 99,9% de probabilidade mediante análises específicas de sangue. Deram valioso suporte a Dra. Mary Cleire King e o Dr. Cristian Orrego, da Universidade de Berkekey (EUA). O resultado desse estudo se chama "Índice de Abuelidad", em referência a nosso pedido.

O método consiste na investigação de grupo sangüíneo e RH, de histocompatibilidade (HLA, A, B, C, DR), de isoenzimas eritrocitárias e de protéinas plasmáticas. A ciência avança e nos últimos anos empregamos o método de Polimorfismo de ADN (Ácido Desoxirribonucleico), o que simplifica ainda mais o trabalho de identificação.

Este método denominado "Análise Datiloscópico Molecular" ou "Fingerprint", é de fato um sistema revolucionário no campo da filiação. Permite chegar a confirmações de vínculos biológicos, isto é: Identidade, inclusive contando com parentes distantes da pessoa cuja filiação se questiona.

No Hospital Durand, de Buenos Aires, existe um laboratório que vem realizando há algum tempo as análises hemogenéticas para a Instituição. É parte do Serviço de Imunologia que está equipado material e profissionalmente para realizar os exames anteriormente mencionados. A ajuda da comunidade científica internacional é fundamental para podermos oferecer esses estudos.

É função das Avós da Praça de Maio convocar os familiares maternos-paternos que buscam seus netos para que compareçam ao laboratório e deixem sua informação genética.

Esta grande e dolorosa luta, como também o apoio da ciência, deu como fruto a resolução de 70 casos.

Banco Nacional de Dados Genéticos

Elaboramos, em conjunto com vários organismos governamentais, um projeto de lei referente a um Banco Nacional de Dados Genéticos de familiares de crianças desaparecidas. Este projeto foi apresentado em caráter de prioridade ao Parlamento pelo presidente da República. Foi incentivado ativamente por nossa Instituição e convertido em Lei Nacional nº 23.511 em maio de 1987. Sua regulamentação foi sancionada em 1989.

Esta lei estabelece as condições práticas que possibilitem a identificação de nossos netos, mesmo que já não estejamos aqui. Como é impossível saber quando se dará esta identificação, em alguns casos serão as crianças, já adultas, que encontrarão a verdadeira história sobre sua origem.

Este Banco terá como função o armazenamento e a conservação da mostra de sangue de cada um dos membros dos grupos familiares, a fim de possibilitar a realização dos estudos que se desenvolverão no futuro. Tendo em conta a expectativa de vida atual na Argentina, este Banco Nacional de Dados Genéticos deverá funcionar, pelo menos, até o ano 2.050.

Aspecto Jurídico

Reiteradamente a equipe jurídica da Instituição tem sustentado, em suas apresentações, que a subtração e a ocultação de menores nascidos em cativeiro e daqueles que desapareceram já nascidos, é parte de um plano sistemático que incluiu: os assassinatos, as torturas, as desaparições forçadas de adultos, o roubo e outros delitos executados por integrantes das forças de repressão, segurança, policiais, penitenciárias, etc., junto com as Forças Armadas.

Nos julgamentos levados a cabo por violações dos Direitos Humanos nas Juntas Militares, na Polícia da Província de Buenos Aires, etc., os juízes que intervieram (em geral pelas Câmaras Federais de Apelação) chegaram à conclusão de que a subtração de menores não obedecia a um plano estratégico das autoridades que haviam usurpado o poder em 24 de março de 1976.

Entendemos que esses juízes, nas causas que chegaram ao seu conhecimento, não receberam as provas suficientes que os levassem a acreditar que a subtração de nossas crianças não foi obra da casualidade ou de aspectos isolados de meros raptos de menores.

Numerosos testemunhos apresentados diante da Comissão Nacional de Desaparecimento de Pessoas (Conadep) e em causas judiciais levam a acreditar que existiram centros clandestinos de detenção de mulheres grávidas desaparecidas que funcionaram como verdadeiras maternidades (Escola de Mecânica da Armada, por exemplo), para onde eram transferidas grávidas desaparecidas dos mais distintos pontos do país para dar à luz.

Concluímos então que a "verdade" formal contida nos expedientes judiciais difere substancialmente da "Verdade Histórica", aquela buscada pelas Avós da Praça de Maio em seus esforços para localizar e restituir essas crianças.

Apesar da vigência de governos constitucionais, as Avós continuam encontrando sérios problemas na tramitação dos juízos.

Há grandes resistências em muitos membros do Poder Judiciário que não entendem que nossos netos são vítimas de numerosos delitos, ainda que agora se encontrem vivendo com os apropriadores em uma "boa e ótima condição socioeconômica". Estas resistências não só retardam o ato da restituição, como em muitos casos o impedem em sua totalidade.

As medidas cautelares existentes resultam ineficazes. A proibição de saída do país, por exemplo, é totalmente inútil no caso dos fugitivos da justiça e vem dando origem ao fenômeno das segundas desaparições de crianças localizadas.

Contudo não se tem articulado novas medidas de procedimento e de peso que atendam a situações totalmente inéditas apresentadas pela restituição de crianças seqüestradas a suas legítimas famílias.

Existem graves problemas nos juízos de filiação, que têm fórum Civil, quando é necessária uma prévia sentença penal. Nestes casos todo o processo sofre prorrogação de tempo e a conseqüência disto é que a criança passa a ter dificuldade para trabalhar sua verdadeira e única identidade.

Nossa Associação, além de levar adiante os numerosos juízos Civis e Penais, propicia reformas na legislação que tendam a modificar as situações antes descritas.

Nas causas judiciais se pôde reconhecer a diferença entre apropriação e adoção. A inclusão na Convenção Internacional pelos Direitos da Criança aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, dos artigos 7 e 8, conhecidos como "argentinos", e 11, do Direito à Identidade, foram uma solicitação da Instituição "Abuelas". Assim decretou-se a nulidade absoluta em uma adoção plena ocorrida em 1991, pela primeira vez no país em relação a uma menor. Uma querela criminal iniciada em 1996 determinou que existiu um plano sistemático para o roubo de bebês por motivos políticos. Por causa disso estão no cárcere os militares de máxima responsabilidade.

Cremos que o Direito e a Justiça não podem caminhar à margem de uma realidade tão dolorosa como é o tema das crianças desaparecidas e nascidas em cativeiro. É necessário que incorporem o problema de maneira tal que os benefícios das reformas alcancem as crianças vítimas destes delitos, e a comunidade infanto-juvenil em seu conjunto.

Aspecto psicológico

Nossos psicólogos dizem que de todas as palavras que a criança ouve, existe uma que vai ter importância fundamental: seu nome.

Já ao nascer, o nome contribui de uma maneira decisiva para a estruturação das imagens do corpo. Seu nome é a primeira e última palavra relacionada com sua vida, para ele e com os outros. Nome que é desejo e lei. É história e lugar para o sujeito. Por isso a gravidade que representa privar do nome e substituí-lo por outro.

Manter algo clandestino, ocultando-o para que outros não saibam dele, é sinistro. E o sinistro é uma variedade do terror que remonta ao antigo, ao familiar. Remete ao que se denomina "o segredo de família". A criança convive com algo que ignora, num presente inquietante. Os executores do sinistro, os que mantêm o segredo são, de certa forma, insensíveis aos efeitos do horrendo. Eles mesmos são o sinistro logrando para si a impunidade que pretendem.

É preciso entender que as conseqüências do seqüestro de crianças afetam a sociedade em seu conjunto. A sociedade que, particularmente no setor infantil, está vendo ser destruído o sistema de resguardo e proteção que o Estado tem o dever de oferecer para um desenvolvimento são e harmônico.

O desaparecimento de uma só criança por parte do Estado determina uma fratura nas estruturas de segurança que esses pequenos requerem.

Outras conquistas

A criação da Conadi (Comissão Nacional pelo Direito à Identidade), que está submetida à Subsecretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Direitos Humanos, deu-se a pedido das Avós da Praça de Maio em 1992. São suas funções: zelar pelo cumprimento dos artigos 7, 8 e 11 da Convenção Internacional pelos Direitos da Criança; receber requerimentos e denúncias das Avós da Praça de Maio, assim como casos apresentados diretamente; procurar jovens espontaneamente, solicitando intervenção da Conadi ao suspeitar serem filhos de desaparecidos; investigar também os novos casos de desaparecidas grávidas que não foram denunciados anteriormente.

A equipe de Saúde Mental foi criada no início dos anos 80 e tem oferecido atenção terapêutica aos menores restituídos e a suas famílias; em alguns casos de restituição em sede judicial, um representante da equipe foi incluído no dispositivo. Vem assessorando juizes intervenientes, assim como a assessores de menores e a Tribunais de Família.

Tem-se criado formas de intervenção diante de fatos inéditos, bem como aportes teóricos. Existem solicitações em diferentes situações onde a temática da identidade está em jogo, não só em nível nacional como internacional.

Atualmente se está levando adiante a iniciativa de criar um Centro de Atenção de Direito à Identidade, Serviço de Saúde Mental, gratuito e aberto à comunidade, por convênio a ser firmado entre a Associação "Abuelas", a Faculdade de Sociologia da Universidade de Buenos Aires e a Subsecretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e Direitos Humanos, com o objetivo de comprometer as instituições do Estado ativamente nesta temática. O Centro incluirá a atenção a situações onde o Direito à Identidade esteja em jogo, além de assistir aos prejudicados nesta questão pelo terrorismo de Estado. O Centro terá a área de docência, com um seminário de formação permanente, e a área de investigação, onde os cursantes e profissionais da carreira de sociologia e afins terão acesso à prática e a uma formação altamente qualificada em nossa temática.

Está se construindo um Projeto de Investigação "Reconstrução da Identidade dos desaparecidos, Arquivo biográfico das Avós da Praça de Maio" que vem sendo finalizado de acordo com convênio firmado entre nossa Instituição, o Instituto Gino Germani de Ciências Sociais da Universidade de Buenos Aires e a Faculdade de Ciências Sociais. Trata-se de reconstruir e preservar a história das famílias com membros desaparecidos e crianças apropriadas, através de entrevistas com familiares e, dentro do possível, com amigos dos desaparecidos.

Estamos recolhendo em diversas publicações as diferentes áreas desta experiência, assim como o produto dos Encontros Internacionais dos anos 1992 e 1997.

A restituição

Na situação de apropriação as crianças foram arrancadas dos braços de seus pais, sem palavras e com violência real. Arrancadas de sua identidade e de sua história pessoal e familiar, foram submetidas a uma dupla situação traumática: a desaparição de seus pais e a própria desaparição, submergindo em um processo de ocultação e alienação. Nesse tipo de ato se ignorou toda lei, a transgressão se fez lei e a perversão a modalidade de vínculo.

Agora, nem o ato da restituição, nem o contexto em que se realiza, nem o processo de afiançamento repetem nenhuma das circunstâncias da situação traumática. Não há arrancamento nem silenciamento, já que, com palavras e a lei e o amor, a criança recupera uma relação genuína e continente que uma e outra vez vemos que se estabelece de imediato, com a força de um reencontro revelador, com a profundidade que outorga o reconhecimento e que lhe permite a vivência protegida de integrar e recompreender o que percebe e o que pensa, o que afeta e valoriza, abrindo-lhe o caminho para sentir-se e saber-se ela mesma e o acesso à sua própria verdade de sujeito. É uma situação nova, reparadora.

Ato psiquicamente marcante, com base na articulação de verdade e justiça. Seu significado mais pleno é deixar de ser desaparecido.

A restituição tem um caráter libertador da profunda vulnerabilidade do sinistro encrustado no psiquismo infantil, opera, justamente, o develamento do núcleo traumático, reduzindo sua eficácia latente ou sintomática e, simultaneamente, "o restabelecimento da ordem de legalidade familiar" que o situa na possibilidade de unificar significações de si mesmo de outro modo perdidas.

A restituição descobre a eficácia do reencontro com a origem, o convoca e o reintegra, mais além do momento, das separações ou das vicissitudes posteriores.

Assim, também, a restituição da última das crianças desaparecidas produzirá um efeito direto na comunidade infantil, em ordem com a recuperação de princípios e segurança que a sociedade e o Estado têm o indubitável dever de oferecer.

Cada criança adotada de boa fé durante os anos de terror saberá que sua origem e história pessoal não estão marcadas pela ação repressiva.

A partir da perspectiva ética direcionada para o futuro, do fortalecimento da convivência cidadã e da plena vigência dos Direitos Humanos e em particular da infância, a Restituição constitui a devolução da sociedade a si mesma como Defesa da Vida, Busca da Verdade e cumprimento da Justiça Plena.

Abuelas de Plaza de Mayo – 2000


© 1994-2000 Universidade Estadual de Campinas
Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP
E-mail:
webmaster@unicamp.br