Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 299 - 29 de agosto a 4 de setembro de 2005
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Especialistas traçam o panorama atual
e as perspectivas de futuro para as pesquisas na área

Livro do IE ajuda a elucidar
questões fundamentais
na área de biotecnologia

JEVERSON BARBIERI

O professor José Maria da Silveira, do Instituto de Economia: articulação entre esmpresas, universidades e centros de pesquisa (Foto: Antoninho Perri)Uma obra cuja finalidade é auxiliar na elucidação de questões fundamentais para a área estratégica de biotecnologia no Brasil. Assim é o livro Biotecnologia e Recursos Genéticos: Desafios e Oportunidades para o Brasil, escrito por especialistas de diferentes áreas da biotecnologia, cujos capítulos abordam desde o panorama atual até o futuro das pesquisas na área. José Maria da Silveira, professor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp e um dos organizadores da edição, ressalta que a mensagem principal do livro é a importância de estimular e promover variadas formas de articulação entre empresas, universidades e centros de pesquisa.

Área é marcada por questões polêmicas

Silveira, que é também coordenador do Núcleo Interno de Estudos Agrícolas (NEA) do IE, explica que os capítulos iniciais discutem as tendências futuras da biotecnologia, área que engendra questões polêmicas. O artigo de abertura aponta a biotecnologia como realidade de mercado, mas que não se limita aos transgênicos, enquanto os textos seguintes discutem ações estratégicas. “O livro mostra claramente que existe um horizonte estratégico de longo prazo formulado pelas grandes empresas que orienta suas ações no presente. Os críticos do papel cumprido pelas multinacionais da área partem de uma perspectiva apenas teórica e abstrata, defendem o estabelecimento de filtros tecnológicos, que começariam já na etapa de pesquisa. Querem colocar filtros em algo que está apenas começando”, observa.

Um capítulo escrito por Ana Lúcia Assad e José Gilberto Aucélio mostra, segundo o professor, que antes de criticar o efeito da tecnologia é preciso estar atento para a importância da estratégia pública, evitando a desarticulação entre áreas, a falta de continuidade dos programas, problemas que marcam as ações de C&T&I no Brasil nas últimas décadas. Ainda com base no capítulo sobre tendências, o coordenador do NEA considera erro grave impedir pesquisas em biotecnologia, inclusive no campo da transgenia. “Um erro muito maior é não saber dar alternativas para que essas pesquisas tenham um objetivo estratégico para o país. Ter visão estratégica implica conhecer como as tecnologias se desdobram, demandam novos produtos, serviços e instituições. É também avaliar suas implicações no campo social e da distribuição de renda. Fazer prospecção tecnológica é uma tarefa permanente que está apenas no começo no Brasil e que deve incluir desde aspectos econômicos até ambientais, sociais e aqueles relacionados à capacitação e aprendizado tecnológico das empresas e organizações de pesquisa”, defende.

Outro equívoco, na opinião de José Maria da Silveira, está em pretender a redistribuição de renda por via tecnológica de maneira imediata, como se existisse um cenário extremamente favorável para aquela tecnologia identificada de “caráter social”. Ele argumenta que a difusão e adoção de tecnologias configuram processos bastante complexos, que se tornam mais virtuosos quando existem mecanismos de coordenação entre os agentes interessados. “Daí a crescente importância das economias de rede. Só que redes implicam exclusão: há os que são incluídos e os excluídos. O erro é pressupor que o excluído é sempre o mais pobre e que a tecnologia é um instrumento necessariamente voltado para a concentração de riqueza. O livro enfatiza o papel das organizações na configuração de processos que combinem conhecimento, tecnologia e desenvolvimento”, acrescenta o professor.

O professor do IE atenta para o fato de que cenário redistributivo está associado ao processo histórico, à forma como a economia evoluiu, sendo determinado pela atuação do sistema financeiro, afetado pela resistência dos grupos de interesse em repartir a renda. Logo, existem vários mecanismos para melhorar a distribuição da riqueza que não passam diretamente pela tecnologia. “Por outro lado, um país que vai perdendo competitividade não tem nenhuma chance de fazer redistribuição de renda. Fazer redistribuição de renda na miséria não resolve nada”, afirma Silveira, lembrando que a biotecnologia agrícola atinge uma área de extrema importância para o desenvolvimento do país, que é o agronegócio.

Bioindústria – Há capítulos relacionados a bioindústria, no intuito de oferecer parâmetros para outros estudos no futuro próximo, avaliando-se o avanço em cima de bases mais concretas. O texto, adianta Silveira, já mostra que avanços foram alcançados. Ele chama atenção para o papel crucial das chamadas organizações-chave nas várias áreas de desenvolvimento biotecnológico. Cito o Instituto Butantan, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Nas condições brasileiras, apoiar-se unicamente na transferência tecnológica do gerador de tecnologia – por exemplo, uma grande empresa estrangeira – é insuficiente e de certa forma o Brasil já superou esta fase. Cair no erro da maioria dos países latino-americanos, que praticamente destruíram organizações públicas, compromete inclusive nossa capacidade de absorver tecnologia, quanto mais de gerar coisas novas”, avalia.

Silveira ressalta, também, a importância de promover ações articuladas. Acha que a distribuição de recursos por parte do governo federal de forma extremamente pulverizada significa a morte de um processo de C&T&I. “Atualmente a ciência, de partida, é prima-irmã de algum tipo de monopólio. Cabe inovar do ponto de vista institucional para melhor aproveitar o impulso derivado da busca de lucros de monopólio. O Projeto Genoma, como mostra o estudo elaborado por Maria Ester Dal Poz, da Unifesp, é um exemplo de que foi possível (e ainda é), ao mesmo tempo, articular agentes de diferentes capacitações como empresas, universidades, instituições e organizações de alta competência, e também criar um ambiente competitivo entre elas”, observa.

Mais uma questão que deve ser levada em conta, segundo o pesquisador, é que até hoje ninguém fez dinheiro de forma substancial com informação da bioinformática ou da genômica. “No entanto, os Estados Unidos moveram uma máquina de dinheiro especulativo impressionante para a biotecnologia, que não estourou como a bolha da internet. Se não estourou é porque possui certa solidez, ao contrário do que pensam algumas pessoas. Isto mostra que o futuro já está sendo levado em conta nas análises econômicas. Trata-se de trazê-lo para as questões sociais e ambientais, tendo análises sólidas e metodologias adequadas como base”, avalia o professor.

A aposta nos recursos naturais microbiológicos

O livro organizado pelo professor José Maria da Silveira fornece uma perspectiva ampla para o aproveitamento de recursos naturais microbiológicos, a partir do texto apresentado por especialistas de renome na área. O capítulo discute principalmente o que pode ser feito para a flora microbiana. Na visão dos pesquisadores, o grande potencial na exploração microbiológica, um campo de potencial ainda desconhecido. “Quando se fala em biodiversidade, as informações limitam-se à quantidade de animais e espécies que habitam nossas matas, como se do casco do tatu fosse sair um novo fármaco. O exemplo do veneno de cobra é repetido milhares de vezes, por falta de um número substancial de casos de sucesso. Há uma mistificação enorme nesse campo, mesmo o “saber popular” erra muito. Da natureza aos produtos comercializáveis, há um longo caminho que demanda inclusive instituições adequadas e inteligentes”, alerta Silveira. Segundo o professor, o estudo de Wanderley Canhos e Gilson Manfio permite visualizar o quanto este processo exige método, recursos e capacidade de armazenar e divulgar adequadamente a informação obtida.

Com relação à infra-estrutura em biotecnologia no Brasil, o livro apresenta um minucioso e inovador inventário conduzido por Sonia Coury, da Embrapa. O organizador da obra comenta que à medida que a biotecnologia se desenvolve, mais ela se afasta da idéia de bancada, de artesanato, de laboratório pequeno. Ele afirma que a biotecnologia está se tornando uma indústria. “Quando se começa a fazer biotecnologia, se começa também a ter equipamentos de biotecnologia, desde os mais sofisticados, como seqüenciadores de nucleotídeos, até os mais simples como termocicladores, que vão se tornando comuns. Enquanto a Coréia tem uma indústria de equipamentos e de insumos para biotecnologia, nós praticamente não temos nada”, critica.

O pesquisador observa que este fato pesa bastante na balança comercial da ciência e tecnologia, tornando a ciência muito cara e errática. Cria-se uma espécie de ciclo de importação, que depende do câmbio, pois os equipamentos utilizados pelos pesquisadores vão ficando cada vez mais velhos e defasados, até que surja oportunidade de nova importação. Acrescente-se que a rotina de utilização de reagentes importados é caríssima. “A tarefa de desenvolver a biotecnologia não é só de desenvolver produtos finais. É, também, desenvolver produtos intermediários, ter biotecnologia para biotecnologia”, ressalta.

Biossegurança – A situação da infra-estrutura e da falta de regulação em biossegurança difere em muito do avanço feito em formação de recursos humanos. No livro, essa questão recebe um tratamento bastante cuidadoso pelos pesquisadores Mario Batalha, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), e Maria Beatriz Bonacelli, do Grupo de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação (Geopi), do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. Os autores mostram que, nesse ponto, o Brasil avançou e fez a diferença em relação à maioria dos países em desenvolvimento, o que cria uma responsabilidade ainda maior para os formuladores de política, a fim de facilitar e incentivar os negócios em biotecnologia.

O livro conta, ainda, com um excelente trabalho metodológico conduzido pelos especialistas em prospecção tecnológica do Geopi/Unicamp, liderados por Sergio Salles, aplicado ao caso da biotecnologia. Mesmo sem tratar profundamente de todas questões de regulação, são dedicados dois capítulos aos vínculos entre direitos de propriedade intelectual e outros temas, como biossegurança, biodiversidade e acordos multilaterais. Colaboram no capítulo a advogada Adriana Vieira e o professor Antonio Marcio Buainain, do Instituto de Economia. “Não é possível enfrentar todas as tarefas. O grande desafio é desenvolver um mapeamento por onde deve seguir as pesquisas. É preciso prospectar áreas onde existe viabilidade de competição. Esse é um trabalho que a Embrapa faz muito bem. Um espaço estratégico é a área de energia renovável, em especial o biodiesel”, finaliza Silveira.

Serviço
Biotecnologia e Recursos Genéticos: Desafios e Oportunidades para o Brasil
Organização: José Maria Silveira, Maria Ester Dal Poz e Ana Lúcia Assad
Edição: Instituto de Economia (IE) da Unicamp, em parceria com a Finep
Distribuição gratuita

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