Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 299 - 29 de agosto a 4 de setembro de 2005
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Na rota da prostituição infantil
 


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ARTIGO

Uma agenda para a promoção da inovação

Sergio Salles Filho
Maria Beatriz Bonacelli

O Brasil, nos últimos 10 anos, assistiu a um processo de mudança no seu quadro institucional de promoção e de execução de atividades de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I). Esse processo tem, basicamente, cinco indicadores principais que se interlaçam: a) ampliação da percepção pública sobre a importância do desenvolvimento científico e tecnológico no cotidiano das pessoas; b) ampliação dos investimentos em C,T&I com aumento da participação relativa do setor privado; c) alteração no espírito e nos rumos da política pública de C,T&I; e) aumento dos indicadores de produção científica e de formação de recursos humanos qualificados para P&D; e f) maior importância relativa da temática de C,T&I na agenda política do país.

Esses cinco elementos estão bastante interligados e é difícil estabelecer relações de causalidade entre eles. Tampouco pode-se identificar com precisão onde este movimento iniciou-se: de um lado o setor público vem promovendo políticas mais agressivas e consistentes (por exemplo, criando novas e diversificadas fontes de financiamento para as atividades de C,T&I), por outro lado o setor privado, pressionado por requisitos de competitividade, tem igualmente dado mais atenção ao tema. O fato é que hoje o ambiente é muito mais rico e intenso do que o que se vivia há poucos anos atrás.

Este fenômeno não é exclusivo do Brasil. Vários levantamentos mostram que em todo o mundo há incremento do investimento privado em C,T&I com a formação de organizações privadas (muitas vezes sem fins lucrativos); aumento da oferta de recursos públicos competitivos e redução concomitante de dotações orçamentárias para as organizações públicas de C,T&I; ampliação das competências institucionais para alavancagem de recursos financeiros; políticas diferenciadas para o desenvolvimento científico e tecnológico que acirram a concorrência entre as organizações, públicas e privadas; busca por modelos jurídicos alternativos que dêem a máxima flexibilidade possível, justamente em decorrência do cenário competitivo; e finalmente, redefinição da divisão de tarefas entre os atores que freqüentam os sistemas de C,T&I.

Diante desse cenário, os países mais desenvolvidos têm nos institutos e centros de pesquisa (ICPs) um dos pilares importantes do sistema de inovação – estes são peça central, cujo conhecimento e competências têm efeito multiplicador em toda a sociedade. Por conta disso, as políticas públicas adotadas em diferentes países, mas mais notadamente nos países europeus, para a promoção dos institutos de pesquisa procuram levar em conta as diferentes missões destes, as diferentes lógicas de gestão e operação, a natureza e o exercício das funções sociais, entre outros aspectos diferenciadores. Essa diversidade permite melhores condições de alavancagem de todo o sistema de C,T&I, proporcionando efeitos de transbordamento com implicações abrangentes.

Se a participação das instituições de pesquisa já foi muito importante em décadas passadas, ela é hoje ainda maior. Em sua maioria são instituições criadas para apoiar atividades estratégicas dos países e hoje são peças-chave no esforço de ampliação dos gastos totais com C,T&I, contribuindo para que a União Européia atinja a meta de 3% de investimento do PIB em 2010.

Embora passando por um momento de transição, com ampliação das características sistêmicas do ambiente de C,T&I, o Brasil aproveita pouco o potencial de criação de oportunidades derivadas da atuação e do desempenho de alto nível de muitos de seus ICPs – as políticas para estes são ainda restritas e fragmentadas; há uma miríade de ações, às vezes favoráveis, às vezes desfavoráveis, demonstrando um cenário de baixa governança. O que se pergunta é como proceder para que os ICPs ampliem seu potencial inovativo, assim como um novo compromisso social que os qualifique como organizações imprescindíveis não apenas ao desenvolvimento científico e tecnológico, como também sócioeconomico, à sustentabilidade ambiental e à participação ativa na definição e execução de políticas públicas, como é o caso da Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior.

Vários ICPs vêm implementando políticas internas de capacitação gerencial. A gestão de organizações de C,T&I não é tarefa simples. Tem pontos semelhantes e pontos específicos em relação ao gerenciamento de empresas e mesmo em relação à gestão pública (administração direta e indireta). As características intrínsecas das atividades de P&D, por exemplo, requerem um compromisso por parte dos esquemas gerenciais que permita acompanhamento e controle dentro de um ambiente de liberdade de ação de um trabalho que tem natureza essencialmente criativa. Os limites entre controle e liberdade de ação são tênues e específicos às atividades. Há atividades mais ou menos controláveis, mais ou menos previsíveis, mais ou menos rotinizadas.

Historicamente, a maior parte dos ICPs no Brasil, mormente públicos e mesmo privados sem fins lucrativos, não foi criada com preocupações de profissionalização da gestão. O ambiente crescentemente competitivo, bem como o descompromisso financeiro dos órgãos de governo para com essas instituições desde meados dos anos 1980, levou a que muitas delas partissem para um movimento voluntário de profissionalização de seus ambientes gerenciais. Embrapa, Fiocruz, IPT, Butantan, dentre outros, fizeram nos últimos 10 a 15 anos a “lição de casa” e hoje têm modelos de gestão bastante competitivos. Instituições mais novas, já criadas no espírito competitivo, desenvolveram competências gerenciais relativamente fortes.

Uma agenda voltada à capacitação gerencial dos ICPs no Brasil para as próximas décadas deve, portanto, considerar os seguintes fatos estilizados:

Fato estilizado 1

O sistema de C,T&I está se abrindo. Os ICPs são parte de um sistema de C,T&I cuja complexidade é crescente, diversificando as interfaces e os interlocutores. Simultaneamente, a incorporação da inovação como objetivo nobre de um sistema articulado, trouxe consigo um outro contingente de atores que antes não participava do mundo da C,T&I. O cenário hoje é, portanto, mais diversificado e heterogêneo do que jamais foi e impõe a ampliação de capacidades relacionais, aquelas necessárias ao aprofundamento das relações da instituição com os demais atores do sistema.

Fato estilizado 2

Percepção pública e controle social da C,T&I. Há maior percepção por parte da população sobre os benefícios e os riscos associados ao desenvolvimento científico e tecnológico. C,T&I estão cada vez mais na grande imprensa, inclusive televisiva, o que amplia o interesse sobre as atividades exercidas dentro de laboratórios de pesquisa, o que faz com que o ICP tenha que, cada vez mais, comunicar-se com seu entorno leigo. Esse tipo de relação pode ser objetivamente construída, particularmente por meio de uma estrutura profissional de comunicação social.

Fato estilizado 3

Novas e ampliadas demandas. Há demanda crescente no sistema por conhecimento, o que se traduz no aumento da demanda por projetos de P&D, serviços técnico-especializados e formação e capacitação. Sistemas de qualidade na atenção a clientes e parceiros; capacidade de formação e participação em redes de pesquisa e serviços; conhecimento e habilidade para lidar com estabelecimento de direitos de propriedade, entre outras competências, passam a ser críticos para o desempenho dos ICPs com o seu entorno.

Fato estilizado 4

Um sistema de C,T&I cada vez mais competitivo e cooperativo. Há um movimento aparentemente contraditório entre cooperar e competir. Coopera-se para se obter escala e força de negociação (exigências de ambientes competitivos). Compete-se por que os recursos (humanos, financeiros e o espaço político institucional) são limitados e as competências crescentes (outra exigência de ambientes competitivos). Ressaltam-se as capacidades relacionais, mas também para formular e negociar projetos, vender serviços, administrar recursos financeiros próprios, se comunicar com a sociedade e participar de redes especializadas em suas mais diversas formas – P&D, prestação de serviços, formação de quadros, dentre outros. Otimizar os macro processos de uma organização é uma tarefa permanente.

Fato estilizado 5

C,T&I na agenda política do País. A capacidade de articulação junto às instâncias políticas do executivo e do legislativo é parte do processo competitivo no qual os ICPs estão inseridos. O progresso da ciência no Brasil passa hoje pelo Congresso Nacional. Como conseqüência, uma organização de pesquisa precisa ter habilidade e competências para acompanhar de perto o que se passa nas casas legislativas. Parte de seu futuro, inclusive orçamentário, tem origem em instâncias legislativas e executivas dos governos nos seus três níveis.

Fato estilizado 6

Recursos são escassos. Alavancar recursos financeiros é função obrigatória de ICPs, públicos ou privados. Há recursos competitivos que se pode captar e há capacidades de venda de serviços e produtos tecnológicos que podem ser fontes importantes de recursos financeiros. Para ambos são necessárias competências específicas. Além de um bom corpo de pesquisadores, é preciso um bom quadro gerencial para administrar projetos e recursos, lidar com clientes e com parceiros, conhecer e buscar, objetivamente, as fontes de recursos, dentre outros.

Fato estilizado 7

Recursos humanos qualificados são necessários e caros. Manter e renovar quadro de mestres e doutores é tarefa árdua. ICPs públicos têm mais dificuldade em renovar, dado que o ingresso se dá, geralmente, por meio de concursos públicos, instrumento pouco freqüente no cenário estrangulado das contas públicas. ICPs privados têm mais dificuldade de manter quadros qualificados em quantidade e por tempo suficientes. Desenvolver estratégias para captação, renovação e manutenção de talentos é tarefa das mais importantes numa atividade que depende essencialmente das capacidades dos recursos humanos envolvidos.

Fato estilizado 8

Políticas fragmentadas, instáveis e genéricas. Os ICPs são heterogêneos, as políticas também, mas sem qualquer coerência entre uma coisa e outra. Embora as políticas e os instrumentos de fomento e de acompanhamento não possam prever todos os tipos de situações, é possível estabelecer algumas categorias que facilitem o entendimento e a formulação de instrumentos e de mecanismos de apoio e fomento. Por exemplo, atuar no setor saúde é muito diferente de atuar no setor aeronáutico - são mercados diferentes com lógicas inovativas diferentes.

Localizar-se em São Paulo tem implicações distintas de se localizar em Manaus, pelo menos no que diz respeito à capacidade de atrair e fixar recursos humanos qualificados. Um ICP típico de P&D é diferente de uma instituição típica de serviços de certificação e normalização, pois uma se estrutura com a lógica da pesquisa (incerta, de longo prazo e sujeita à criatividade) e outra sob uma lógica de mercado (de curto prazo, responsiva e mais competitiva). Um ICP ligado à administração pública diret a tem contornos legais e político institucionais que uma instituição privada sem fins lucrativos não tem (por exemplo, para assinar contratos e convênios, administrar recursos financeiros e contratar e demitir pessoal).

O que esses fatos estilizados mostram é a emergência de um ambiente extremamente dinâmico para o futuro dos ICPs no Brasil. O País ressente-se de uma estratégia para aproveitar o enorme potencial de seus ICPs. Após um período realmente difícil para as instituições públicas, entre meados dos anos 80 e final dos anos 90, quando algumas foram inclusive fechadas pelos governos federal e estadual, o País ingressou, nos últimos anos, em uma nova trajetória, na qual os espaços voltaram a se ampliar e os ICPs têm agora um cenário mais alentador, mas ainda incerto e arriscado. A diretriz colocada pela política do laissez faire e pela concorrência acirrada entre os ICPs é clara: capacitar-se estratégica e gerencialmente ou enfrentar dificuldades que podem levar ao encerramento de atividades.

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Excerto de artigo elaborado para Reunião Preparatória da III Conferência Nacional de C,T&I 2005

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Sergio Salles Filho e Maria Beatriz Bonacelli são professores do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp.

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