Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 299 - 29 de agosto a 4 de setembro de 2005
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CPQBA transfere tecnologia para a produção de medicamento desenvolvido a partir de planta

Antimalárico: em busca
da auto-suficiência


JEVERSON BARBIERI


Mary Ann Foglio (primeiro plano), com Rodney Rodrigues, Vera Lúcia Garcia Reheder e Glyn Mara Figueira (da esq. para a dir.): trabalho iniciado em 1988 (Foto: Antoninho Perri)A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) acaba de aprovar um projeto que permitirá ao Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp, transferir importantes resultados de pesquisa obtidos com a Artemísia annua L. uma planta medicinal que produz a artemisinina, matéria-prima na fabricação de remédios contra a malária. Esses resultados serão implantados na empresa Laborgen S/A Química Fina e Biotecnológica, de Indaiatuba (SP), cuja missão será produzir a matéria-prima em larga escala. Para a coordenadora do projeto, Mary Ann Foglio, da divisão de Fitoquímica do CPQBA, essa fase da pesquisa é fundamental no estabelecimento de novas perspectivas quanto à auto-suficiência do Brasil na produção desse fármaco. “O projeto aprovado pela Finep é uma consolidação de todo trabalho realizado anteriormente. O objetivo é garantir a auto-suficiência na produção do antimalárico e, também, exportar o excedente da produção”, afirma.

Produção será em escala industrial

Mary explica que o trabalho teve início em 1988, quando o CPQBA estabeleceu um intercâmbio com o governo chinês com o intuito de trazer a Artemísia annua para o Brasil. O trabalho seguinte foi aclimatar a planta de origem chinesa às condições ambientais brasileiras, uma vez que se trata de um planta originalmente de clima temperado, de fácil crescimento, que possui altos teores de artemisinina. Nas primeiras tentativas de reprodução da espécie a partir das sementes oriundas de países de climas temperados, os resultados não foram satisfatórios. O teor de artemisinina na planta era muito baixo, inviabilizando economicamente todo o projeto.

Portanto, foi necessário o desenvolvimento, pela Divisão de Agrotecnologia do CPQBA, de híbridos capazes de produzir altos teores da substância de interesse nas condições climáticas da região sudeste do Brasil. Mary conta que paralelamente foram estudadas formas viáveis para o isolamento e purificação da artemisinina. Além disso, foi desenvolvida uma metodologia analítica validada dentro das Normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Quando se trabalha com plantas medicinais é preciso ter certeza dos teores das substâncias que estão contidos nelas. É preciso muito cuidado”, alerta a pesquisadora. Todo esse trabalho resultou em uma patente na parte de otimização de isolamento e obtenção da artemisinina. Esse trabalho foi realizado conjuntamente com a divisão de Química Orgânica Farmacêutica do CPQBA, possibilitando obter uma metodologia economicamente viável e, na seqüência, transformar a artemisinina isolada da planta em ácido artesunico através de semi-síntese.

No final de 2004, a Laborgen demonstrou interesse em estabelecer uma parceria visando o suprimento das necessidades brasileiras dessa substância antimalárica que é utilizada para tratamento da forma mais grave da doença, causada pelo Pasmodium falciparum. O projeto aprovado foi idealizado em duas fases. A primeira será adaptar os híbridos nos terrenos da empresa para observar o desenvolvimento e paralelamente iniciar o processo de extração. Como o projeto tem previsão de 3 anos, a idéia é trabalhar no primeiro ano com uma quantidade pequena, ou seja, cerca de 100 quilos de planta seca. Até o final do projeto, esse volume alcançará três toneladas. Mary explica que o objetivo é atender o mercado interno e exportar o excedente da produção. “Populações acometidas pela malária, em especial nos países da África, possuem uma demanda muito grande por esse medicamento”.

O híbrido produzido atualmente pelo CPQBA apresenta um teor de aproximadamente 1,2% de artemisinina sobre o peso seco da planta. Esse percentual, segundo a pesquisadora, é muito bom, uma vez que no caso da utilização da formulação injetável são necessárias três doses de 60mg por tratamento. “Com apenas um quilo de substância é possível fazer aproximadamente 5 mil tratamentos”, ressalta. Porém, devido à dificuldade de acessar as comunidades carentes onde se encontram as maiores concentrações de pessoas acometidas pela malária, o desejável é o desenvolvimento de outras formulações mais viáveis. Esses estudos vêm sendo realizados pela OMS em parceria com instituições de pesquisas brasileiras.

Na segunda fase, o trabalho será de isolar a substância. Mary explica que as técnicas empregadas em laboratório de química são, em geral, de cromatografia. São consideradas caras e economicamente inviáveis para produção em larga escala. “Fomos substituindo essas técnicas por processos mais simples como filtração ou cristalização e, ao mesmo tempo, diminuindo a quantidade de solventes. Isto porque grandes volumes de solventes orgânicos encarecem o processo, além da preocupação para diminuir a produção de resíduos que são gerados”. esclarece. Em escala de laboratório, o CPQBA chegou à produção de bateladas de 30 quilos de planta seca. Porém, segundo Mary, o Centro não tem capacidade nem infraestrutura para processar grandes quantidades e a participação da Laborgen será fundamental.

Outro ponto importante levantado pela coordenadora é que foram desenvolvidas metodologias de controle de qualidade desses produtos. Segundo ela, isso é vital para o sucesso do tratamento, pois doses sub-terapêuticas, além de ineficazes, podem favorecer o aparecimento de cepas de plasmodium resistentes a essa droga. Em alguns anos isso pode inviabilizar o uso desse recurso terapêutico.

Para que o projeto seja um sucesso, Mary ressalta que o CPQBA estará repassando à Laborgen a tecnologia de produção de híbridos, plantio, a tecnologia de preparação e purificação dos extratos vegetais, processos de semi-síntese e, também, a metodologia de controle de qualidade. “Queremos um produto final padronizado e com alta qualidade”, disse.

Mary ressalta a importância de uma característica fundamental para o sucesso do projeto, que é o fato de ele ser realizado por uma equipe multidisciplinar. “Isso foi muito importante”, finaliza.


Risco de contágio é ameaça
para 2,3 bilhões de pessoas

Dados oficiais do Ministério da Saúde apontam resultados positivos para as ações de controle da malária no Brasil. Em comparação aos dados de 1999, o balanço do ano de 2004 aponta redução no número de casos de malária, diminuição dos municípios de alto risco, de internações e também de óbitos. No entanto, é importante observar que nos estados que compõem a Amazônia Legal (Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), embora o número de casos tenha apresentado uma redução significativa de 1999 a 2002, caindo de aproximadamente 635 mil para 348 mil casos, ocorreu um progressivo aumento até o final de 2004, culminando com um número de casos notificados de 459 mil. Esse vertiginoso aumento, segundo informações do Ministério da Saúde, deve-se a epidemias ocorridas nas cidades de Porto Velho, Manaus e Cruzeiro do Sul, no Acre.

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a malária é a doença tropical e parasitária responsável pelo segundo maior número de óbitos ao redor do mundo, perdendo apenas para a Aids. Além disso, é considerada responsável pelos maiores problemas sociais e econômicos no mundo. Aproximadamente 40% da população mundial, cerca de 2,4 bilhões de pessoas, convivem com os riscos do contágio em mais de 90 países. O continente africano é o mais afetado pela doença, onde, anualmente, cerca de 300 milhões de pessoas são infectadas e aproximadamente 1 milhão morre em função da doença.

História – No início do século XX, a malária ocorria praticamente em todo o território brasileiro. Na década de 1940 eram estimados cerca de 8 milhões de casos por ano. As medidas de controle, incluindo o uso de DDT (diclorodifeniltricloretano), potente veneno utilizado no terceiro mundo para o controle de pragas e endemias, fizeram com que o número fosse reduzido, chegando a  50 mil em 1970. A partir de então, em razão da descoberta de ouro e dos projetos de desenvolvimento que levaram à ocupação desordenada da região amazônica, o número de casos subiu progressivamente.

Transmissão e sintomas – A malária é causada por protozoários do gênero Plasmodium e cada uma de suas espécies determina aspectos clínicos diferentes para a enfermidade. No caso brasileiro, destacam-se três espécies do parasita: o P. falciparum, o P. vivax e o P. malarie. O protozoário é transmitido ao homem pelo sangue, geralmente por mosquitos do gênero Anopheles ou, mais raramente, por outro tipo de meio que coloque o sangue de uma pessoa infectada em contato com o de outra sadia, como o compartilhamento de seringas (consumidores de drogas), transfusão de sangue ou até mesmo de mãe para feto, na gravidez. Apesar da malária poder infectar animais como aves e répteis, o tipo humano não ocorre em outras espécies (mesmo ainda sem comprovação, há a suspeita de que certos tipos de malária possam ser transmitidos, sempre via mosquito, de macacos para humanos).

A febre alta, com ou sem calafrios (tremores), é o sintoma mais marcante da malária. O paciente sente ainda cansaço, náuseas, dor de cabeça e, em alguns casos, falta de apetite. Conforme o tipo da malária, os sintomas podem aparecer em um período que varia de sete a trinta dias após a picada do mosquito. Gestantes, crianças e idosos são mais vulneráveis à forma grave da infecção. Nessa situação, correm risco de vida. As mulheres grávidas podem sofrer complicações como a malária cerebral, edema agudo do pulmão, parto prematuro e até um aborto.

O diagnóstico laboratorial precoce é a melhor forma de prevenção e controle da doença, sendo o método da gota espessa o mais utilizado no Brasil por ser simples e de baixo custo. Trata-se de um exame de sangue que visualiza em um microscópio o parasita da malária. O resultado pode ser obtido em menos de uma hora após o exame, possibilitando que o paciente seja imediatamente submetido a tratamento. Os agentes comunitários de saúde entregam os medicamentos para as pessoas doentes e as acompanham para evitar que deixem de tomá-los.  Depois, um novo exame é realizado para verificar a cura da doença. Esta é a maneira mais eficaz para combater a transmissão.

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