Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 299 - 29 de agosto a 4 de setembro de 2005
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Bióloga aperfeiçoa método para separação de compostos
com solventes que substituem o perigoso benzeno


Técnicas para melhor
avaliar o frescor do pescado



LUIZ SUGIMOTO


A bióloga Judite Lapa-Guimarães faz demonstração de análise sensorial em laboratório da FEA: compostos podem servir como índices químicos de qualidade e frescor  (Foto: Antoninho Perri)Olhos brilhantes e salientes, escamas bem aderidas à pele, guelras de intensa cor vermelho vivo, carne firme de consistência elástica, odor lembrando o de plantas marinhas, são algumas características que um bom apreciador confere antes de comprar um pescado fresco. A subjetividade desta análise sensorial, no entanto, coloca até mesmo as pessoas treinadas em situações de dúvida quanto ao frescor do peixe. Daí, a necessidade de se dispor de técnicas de laboratório para assegurar a qualidade do produto, como métodos microbiológicos e físico-químicos. “As análises microbiológicas são importantes para assegurar a baixa contaminação microbiológica ou mesmo ausência de bactérias patogênicas, mas os resultados são demorados e o custo elevado, o que tem incentivado o desenvolvimento e emprego de métodos químicos, geralmente mais rápidos e objetivos”, explica a bióloga Judite Lapa-Guimarães, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp.

Métodos químicos são rápidos e objetivos

Há vinte anos trabalhando na FEA, onde começou como técnica em alimentos, Judite Guimarães acaba de concluir pesquisa de doutorado sobre determinados compostos – aminas biogênicas, aminas voláteis, triptofano livre e uréia – que podem servir como índices químicos de qualidade e frescor de pescado. A tese foi orientada pelo professor Pedro Eduardo de Felício, da FEA, e como a parte experimental se desenvolveu na Suécia, houve co-orientação da doutora Jana Pickova, da Universidade de Ciências Agrárias da cidade de Uppsala. “Estudei duas espécies de peixe capturadas principalmente no Atlântico Norte e bastante comercializadas na Suécia: o Gadus morhua, que processado torna-se o legítimo bacalhau do Porto, e o Melanogrammus aeglefinus, conhecido como hadoque. Também trabalhei com lulas (Illex coindetii) e sépia (Sepia officinalis), mas com amostras enviadas por pesquisadores portuguesa, já que esses moluscos são pouco comuns no Mar Báltico”, esclarece.

As espécies eram de outros mares, mas os resultados do estudo servem para estabelecer parâmetros de qualidade para grupos de pescado, incluindo os nossos. Para uma melhor compreensão do objetivo de sua pesquisa, a bióloga lembra que em 1997 o Ministério da Agricultura divulgou portaria estabelecendo limites para a presença de dois compostos no pescado comercializado fresco: as bases nitrogenadas voláteis (BNV), englobando substâncias como amônia e trimetilamina, que dão o odor ao pescado e devem apresentar teor máximo de 30 miligramas por 100 gramas do produto. E da histamina (HIS), substância relacionada com processos alérgicos, capaz de levar pessoas mais sensíveis ao choque anafilático, e cuja concentração está limitada em 100 miligramas por quilo para algumas espécies como atuns e sardinhas.

O controle desses compostos não é rotineiro em entrepostos como a Ceasa ou em cooperativas de pescadores, que estão na ponta de uma cadeia de produção confiável e engrenada. Contudo, análises de laboratório são importantes para a indústria pesqueira envolvida com importação e exportação. “Acontece que os valores previstos na legislação são muito genéricos, estabelecidos para o pescado fresco de modo geral, quando existem grandes diferenças entre espécies e grupos, como moluscos, crustáceos, peixes de água doce ou peixes de água salgada. Por exemplo: enquanto lulas geralmente são rejeitadas para consumo quando o teor de bases voláteis é inferior a 30 mg/100g, o cação, mesmo estando fresco e adequado para consumo, já apresenta teor elevado de bases voláteis devido a características próprias de sua carne. O nosso trabalho visa, justamente, determinar os limites mais precisos de compostos por grupos ou espécies”, ressalta a pesquisadora da FEA.

Técnica – O pescado é altamente perecível devido à sua composição biológica. As alterações são causadas por enzimas endógenas, principalmente nos primeiros dias de armazenamento refrigerado, e depois pela atividade bacteriana, que tem papel predominante na deterioração. “A atividade enzimática pode alterar a concentração de certos compostos. A detecção das alterações progressivas dessas substâncias no músculo do pescado, durante o armazenamento, é o primeiro requisito para considerá-las como potenciais índices de frescor”, afirma Judite Guimarães. Assim, compostos como BNV, trimetilamina, aminas biogênicas, nucleotídeos, uréia e triptofano livre têm sido propostos como índices químicos de frescor para o pescado, podendo ser efetivos ou não, o que depende da espécie, da microbiota contaminante e das condições de armazenamento.

Uma das propostas na tese de doutorado era verificar a possibilidade de utilizar aminas biogênicas como índice de frescor para lulas e as duas espécies de bacalhau. Aminas biogênicas englobam substâncias como histamina, tiramina e putrescina, presentes em baixas quantidades nos alimentos e necessárias para as funções fisiológicas do homem e outros animais, mas que podem provocar efeitos tóxicos se consumidas em quantidades elevadas. “Um problema da técnica sugerida para separação e determinação de aminas biogências por cromatografia de camada delgada, era o uso de benzeno, solvente muito tóxico e comprovadamente cancerígeno. Eu mesma não estava disposta a desenvolver o trabalho se tivesse que recorrer a esse solvente”, recorda.

Deu-se, então, que Judite Guimarães desenvolveu um sistema de solventes baseado em clorofórmio, éter dietílico e trietilamina, que permitiu a separação de nove aminas biogênicas, sendo que a nova técnica mostra potencial para emprego em outros tipos de alimentos. “Já publicamos esse trabalho e recebi muitos contatos de pesquisadores interessados na metodologia. Imagino que ela atenda a uma demanda por técnicas de análise química mais seguras”, supõe. Outro objetivo da pesquisadora foi estudar aquelas espécies de pescado armazenadas em gelo, avaliando-as periodicamente para determinar os teores dos compostos químicos.

Resultados – De acordo com a bióloga, nenhum dos índices químicos que estudou foi adequado para avaliação do frescor de bacalhau e hadoque. Por outro lado, as bases nitrogenadas voláteis e o triptofano livre foram considerados bons índices de frescor para lula e sépia. As aminas biogênicas não foram úteis como índice de qualidade para a sépia, enquanto a uréia e a trimetilamina podem servir como índices de deterioração para esta espécie, sendo que a trimetilamina é sugerida para atestar o frescor de lulas. “No caso das espécies de peixes, os resultados de estudos publicados são contraditórios. BNV e aminas biogênicas são consideradas úteis ou inadequadas como índices de frescor por pesquisadores diferentes. Já em relação às espécies de lula e sépia, o teor de triptofano livre parece se correlacionar muito bem com o grau de frescor, e nós já tínhamos obtido o mesmo resultado com Loligo plei, a lula mais capturada e comercializada no Brasil. A técnica colorométrica para determinação deste composto é muito mais rápida e simples e pode ser implementada em qualquer laboratório de controle de qualidade que tenha espectrofotômetro, que é um equipamento básico”, recomenda.

Uma ressalva feita por Judite Guimarães, é que técnicas como a de cromatografia são muito utilizadas no âmbito da pesquisa, estabelecendo com precisão os limites para a presença de compostos, o que é importante inclusive para corrigir parâmetros da legislação. No âmbito do mercado, porém, é mais viável a adoção de técnicas simples, porém específicas, que determinem os compostos separadamente.

Quanto dura o peixe mantido em gelo

A bióloga Judite Lapa-Guimarães faz demonstração de análise sensorial em laboratório da FEA: compostos podem servir como índices químicos de qualidade e frescor  (Foto: Antoninho Perri)

A tabela acima mostra a duração aproximada de peixes brasileiros armazenados em gelo. Ela foi elaborada pelo professor Emilio Contreras, a partir da avaliação de especialistas, análises sensoriais, químicas e, em alguns casos, microbiológicas. Em geral, a maioria das espécies, incluindo os peixes cartilaginosos, podem ser preservados em gelo por um período entre uma e duas semanas. Os peixes pequenos são de vida útil mais curta, cerca de uma semana. Entre os peixes marinhos, aqueles que têm o corpo achatado lateralmente (pargo, linguado) suportam mais tempo de armazenamento. Os peixes tropicais de água doce, especialmente os de corpo achatado, pele grossa e escamosa, chegam a três semanas de vida útil, enquanto as espécies sem escamas ou com escamas pequenas se deterioram mais facilmente.

Quando é retirado da água, o peixe morre rapidamente por asfixia e tem início uma série de alterações físicas, químicas e biológicas que levam à deterioração. As técnicas de captura também influem neste processo, pois até mesmo o estresse do peixe (por exemplo, ao tentar escapar da rede) podem favorecer a proliferação microbiana. No decorrer dos dias, o pescado vai apresentando muco opaco sobre as escamas que se soltam facilmente; olhos turvos com pupilas branco-leitosas; guelras pálidas ou escuras; carne amolecida, cinzenta, sem brilho e sem elasticidade; e cheiro desagradável de amônia, tornando-se impróprio para consumo.

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