Edição nº 560

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 06 de maio de 2013 a 12 de maio de 2013 – ANO 2013 – Nº 560

Tese revê papel da burguesia de SP na gênese da educação profissional

Estudo resgata conjuntura política e social da primeira metade do século 20

O resgate histórico pode contribuir para conhecer o passado, entender o presente e delinear o futuro. É nesse contexto que se situa a tese desenvolvida por Eraldo Leme Batista, licenciado em Ciências Sociais e História, que analisa o contexto histórico, social e político que levou à introdução da educação profissional no Brasil, revelando o pensamento da burguesia industrial no início do século XX. O trabalho, apresentado à Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, foi orientado pelo professor José Luís Sanfelice.

O interesse do autor pela educação profissional decorreu do fato de tratar-se de um tema recorrente quando se discutem a formação do trabalhador, sua qualificação e o mercado de trabalho tanto nos sindicatos, como nas empresas, indústrias e governos. Interessou-se em descobrir, então, a origem do projeto da educação profissional no Brasil, quais suas motivações iniciais, como ocorreu seu desenvolvimento. Foi quando se deu conta de que a grande fonte de informações primárias era a Revista IDORT – publicada pelo Instituto de Organização Racional do Trabalho, organismo criado em 1931 pela burguesia industrial paulista interessada em formar mão de obra especializada para atender às necessidades de uma indústria ainda incipiente que emergia já desde o início do século. A revista, criada para divulgar as ideias e ações do Instituto, lançada em janeiro de 1932 em São Paulo, chegava mensalmente aos seus associados e aos diretores de empresas vinculadas a ele. A tese faz uma ampla contextualização das condições políticas e sociais da época, das preocupações que moviam a elite industrial, das reinvindicações operárias, do papel do Partido Comunista e dos movimentos sociais na luta de classes, além das posições conservadoras da Igreja Católica e de movimentos de extrema direita, como o integralista, liderado por Plínio Salgado. Com efeito, nas décadas de 20 e 30 a classe trabalhadora, influenciada pelos movimentos anarquistas, socialistas, e principalmente comunistas, alarmavam a burguesia nacional em decorrência do seu alto grau de organização, mobilização e enfrentamento. A elite industrial buscava alternativas para barrar esses movimentos valendo-se de leis de expulsão do país de operários estrangeiros que lideravam as lutas dos trabalhadores, além de apoiar o aumento da repressão sobre os movimentos organizados.

Por meio da educação profissional, pretendiam disciplinar, doutrinar e formar trabalhadores dóceis e que não tivessem ideias “estranhas”, assim consideradas as vinculadas ao Partido Comunista ou mesmo às organizações dos trabalhadores. A partir da educação profissional buscavam formar um operário nacional que substituísse os trabalhadores politizados. Tratava-se de um grupo industrial bem articulado e organizado e que se propunha a pensar um projeto para a sociedade brasileira do progresso. Para Eraldo, as ideias do nacional-desenvolvimentismo surgem nesse período. O escopo era o de como desenvolver uma sociedade capitalista de fato, que até a década de 30 tinha características essencialmente agrárias.


Fundamentos

Além de servir como veículo para todas as ideias e ações gestadas no IDORT sobre educação profissional, a revista dava guarida a artigos publicados nos EUA e na Europa sobre o tema da racionalização do trabalho, pois esta também era uma das preocupações do Instituto, inspirado nas concepções de Taylor e no fordismo. Daí a preocupação com a padronização, eficiência, redução do tempo de produção de mercadorias e disciplina. Uma das primeiras preocupações evidenciadas na revista era a da formação de um trabalhador especializado, em um contexto social de maioria de população analfabeta. Era preciso facilitar o ingresso dos jovens na educação básica e profissional em um período em que se desenvolvia o parque industrial paulista. A educação pública passou então a ser defendida por intelectuais liberais.

Complementava esta preocupação a formação de um trabalhador nacional, desvinculado de ideias incômodas, “esquisitas”. De fato, a maioria dos trabalhadores qualificados provinha de culturas europeias, de centros mais desenvolvidos e politizados e pertenciam a grupos anarquistas e comunistas. Eram trabalhadores que não aceitavam a exploração que ocorria na fábrica em uma época em que ainda não havia uma regulamentação do trabalho – a CLT foi promulgada por Vargas em 1942.

Tratava-se de um período histórico em que crianças e mulheres realizavam longas jornadas diárias no chão das fábricas. Em decorrência, multiplicavam-se manifestações e greves que paralisavam a produção, particularmente devido à capacidade de mobilização de lideranças oriundas da Europa. Muitas destas lideranças dos trabalhadores foram perseguidas, presas e extraditadas para seus países de origem. Havia necessidade, então, de substituir esse trabalhador “incômodo” por um brasileiro bem formado e adaptado, dócil, disciplinado.

Outra questão levantada na pesquisa é o da preocupação inicial do IDORT com o investimento maciço na educação e formação de trabalhadores ferroviários, o que determinou a criação da escola ferroviária Sorocabana, além das escolas de formação de trabalhadores ferroviários em São Paulo, Jundiaí, Rio Claro, criando-se posteriormente o Centro de Formação dos Trabalhadores Ferroviários. O autor explica: “Tratava-se de uma categoria grande, constituída por muitos trabalhadores especializados estrangeiros, que se mobilizava, protestava, fazia greve e que paralisava o único meio de transporte da época: o trem”.

A paralisação da rede ferroviária comprometia o escoamento da produção interna e particularmente da agrícola para o porto de Santos, além do transporte de equipamentos e maquinários. Urgia substituir o grande contingente de trabalhadores ferroviários vinculados aos movimentos anarquistas e comunistas.

É a partir desse processo de experiências com formação dos trabalhadores, que se iniciara nos primórdios do século XX, que se estrutura uma proposta de educação profissional, que dará origem, em 1942, à fundação do Senai.

Mas mais que isso, o IDORT tinha entre seus principais objetivos pensar um projeto de sociedade, um projeto capitalista, o que o leva a se constituir na principal referência da elite no período. “Constatei que o IDORT não se dedica apenas à organização racional do trabalho, mas tinha um projeto pedagógico, de formação profissional e de organização social não só para a classe trabalhadora, mas para toda a sociedade”, esclarece o autor.

A influência do Instituto vai além da educação profissional, se estende para educação escolar regular, que se oficializa nessa época, e chega até à universitária. Na mesma época é gestada a fundação da USP, destinada a formar a intelectualidade paulista. Mais tarde surge a Escola de Sociologia e Política, destinada a formar quadros gerenciais para a indústria.


Contexto

Era um período efervescente em que sindicalistas anarquistas e comunistas promoviam protestos e greves na luta por melhores salários, redução da jornada de trabalho e melhores condições de trabalho. Esse descontentamento se aprofunda em 1929 com a grande crise do capitalismo mundial e a quebra da Bolsa de Valores nos EUA, que afeta seriamente a economia e a classe trabalhadora. Neste período ocorrem importantes movimentos na sociedade brasileira, como a “Revolução” de 1930, o Movimento Constitucionalista de 1932 e o Estado Novo (1937-1945). O autor analisa as motivações e consequências desses acontecimentos na sociedade brasileira da época. De outro lado, a economia agrária exportadora, alicerçada principalmente na exportação de café, cria condições para o acúmulo de capital destinado ao desenvolvimento industrial no país. Muitos fazendeiros e produtores de café, também eram, muitas vezes, comerciantes, políticos e mantinham relações com bancos estrangeiros. O capitalismo brasileiro desenvolve-se também atrelado ao capital internacional através de empresas estrangeiras encarregadas de construir, manter e explorar as várias redes ferroviárias necessárias ao escoamento da produção. Em decorrência, as paralisações constantes das fábricas e das ferrovias não atendiam aos interesses dos produtores nacionais e nem dos investidores estrangeiros interessados em recuperar o capital investido no país. Conquanto o governo Vargas promovesse políticas em prol da industrialização, exercia paralelamente controle sobre os sindicatos, reprimia anarquistas e comunistas e intensificava o discurso de uma sociedade harmônica, sem classes, com todos do mesmo lado, sem patrões e operários, mas sim empregados e empregadores. Os sindicatos deveriam defender a conciliação de classes e zelar pela harmonia de interesses entre capital e trabalho.

 

Ttrajetória

Filho de agricultores no município de Kaloré, região do Vale do Ivaí, interior do Estado do Paraná, Eraldo mudou-se do Paraná para Hortolândia, em São Paulo, aos 23 anos, à procura de trabalho. Trabalhou como servente de pedreiro em Hortolândia e metalúrgico em Campinas. Iniciou a alfabetização aos dez anos e concluiu o ensino secundário na cidade de Jandaia do Sul, a 30 km da sua cidade de origem, onde passou a residir com os irmãos, todos trabalhando e estudando por incentivo dos pais, que continuavam sitiantes e os visitavam nos finais de semana. Durante os estudos universitários manteve-se como metalúrgico e depois como professor secundário substituto e hoje é docente em universidade da região. Na metade final dos cinco anos dedicados à tese contou com financiamento do CNPq, o que lhe permitiu em tempo integral compulsar publicações disponíveis nas bibliotecas e no Arquivo Edgard Leuenroth da Unicamp, arquivos do Senai e da PUC-São Paulo.

O interesse de Eraldo pelo mundo do trabalho manifestou-se já por ocasião do mestrado, também realizado na Unicamp, em que estudou as mudanças, decorrentes da terceirização, no mercado de trabalho brasileiro na década de 90.



Publicação

Tese: “Trabalho e educação profissional nas décadas de 1930 e 1940 no Brasil: análise do pensamento e das ações da burguesia industrial a partir do IDORT”
Autor: Eraldo Leme Batista
Orientador: José Luís Sanfelice
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
Financiamento: CNPq

Comentários

Comentário: 

Não li a tese do professor acima, mas gostaria muito.
Não sei se ele fez uma abordagem atual da EPT no que tange os recentes criados INstitutos Federais de Educação (IFETS - antigos CEFETS). Como servidor do IFF - RJ estamos na vanguarda da educação profissional na atualidade. Temos uma preocupação premente com a formação de nossos alunos que, não só o ingresso na Universidade é uma possibilidade para eles, mas também sua inserção críticica no mundo do trabalho. Apenas para pontuar...

Comentário: 

Grande Eraldo! Parabéns pelo trabalho!!! Otima reportagem!