Edição nº 560

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 06 de maio de 2013 a 12 de maio de 2013 – ANO 2013 – Nº 560

As fronteiras da regularização fundiária

Tese mostra que ações não têm sido capazes de garantir o direito
à moradia e mitigar a segregação socioespacial


Seu Tião reside em uma das mais antigas e maiores favelas de Campinas, a Vila Brandina, iniciada na década de 1960. Aos poucos, viu a comunidade ladeada por shopping center, condomínio de luxo, hipermercado. Suas informações, assim como sua história de lutas e conquistas desde a década de 1980 contribuíram para a construção da tese de Cristiano Silva da Rocha Diógenes. A pesquisa, defendida no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, revela a ineficácia das ações de regularização fundiária, as quais se resumiam a iniciativas pontuais e promessas não cumpridas. Na verdade, segundo Rocha, as ações não previam uma regularização e serviam com paliativo. Os títulos de concessão de moradia, por exemplo, não eram hereditários, o que levou algumas famílias a perderem o direito de morar em caso de falecimento do beneficiado.

Rocha faz sua análise de dentro do ambiente da Vila Brandina, onde passou quatro anos na companhia de pessoas da comunidade, como seu Tião. Lá, realizou um minicenso que permitiu identificar as ações ineficazes responsáveis pela segregação socioespacial persistente em uma região que se valorizou sobremaneira no município de Campinas.

Apesar de toda a infraestrutura ao redor, o pesquisador observou problemas como a grande distância entre a população e o posto de saúde autorizado a atendê-la, localizado no distrito de Sousas. Além disso, levantou problemas quanto à circulação de ônibus. “Não há, por exemplo, uma linha de ônibus direta para o posto de saúde.” Para situar, a Brandina está próxima ao Shopping Iguatemi. Essas observações detalhistas da realidade serviram para um estudo dos limites das políticas de regularização fundiária na cidade. A partir de várias experiências selecionadas, sua tese é de que as políticas de regularização fundiária não têm sido capazes de garantir a efetivação do direito à moradia e o combate à segregação socioespacial. “Há, na Vila Brandina certa ausência de Estado. As creches são comunitárias e os principais agentes de apoio são as ONGS e voluntários que se dispõem a ajudar”, reforça Rocha. O único local em que se percebe a presença do Estado é na escola, mas, ainda assim, diante da vulnerabilidade, algumas crianças encontram-se fora dela.

Seu Tião e outros moradores participaram na década de 1980 do Movimento Assembleia do Povo, que teve como um dos representantes o ex-prefeito de Campinas Antônio Costa Santos, o Toninho, arquiteto e urbanista assassinado em setembro de 2001. Entre as informações compartilhadas com o pesquisador, ele fala sobre a insegurança de moradia da população que habita a Vila Brandina. “Eles não têm segurança de poder permanecer, pois não há certeza de que o terreno os pertence”, acrescenta Rocha. O movimento, segundo o pesquisador, foi um dos principais no Brasil. A segregação espacial é evidente, pois a vila ficou cada vez mais enclausurada com o crescimento de condomínios fechados.

O movimento, conforme Rocha, não teve outro representante tão comprometido como Toninho. Depois de sua morte, muitas ações foram esquecidas, sejam do ponto de vista da urbanização ou de riscos ambientais. Ele lembra que outras áreas de Campinas, como a Avenida Orosimbo Maia, também se localizam em áreas de fragilidade ambiental, pela proximidade do leito de rio, e foram regularizadas. “Quando o assunto é favela, percebe-se certo descaso”, reflete.

Os limites relacionados à regularização fundiária podem ser pensados sob três aspectos diferentes. Em relação à legislação, Rocha constata que os limites estão nos instrumentos disponíveis tanto no âmbito federal quanto no Estatuto da Cidade. Assim como o Plano Nacional de Regularização Fundiária, eles não comportam instrumentos de regularização imediata, mas só remetem aos Planos Diretores as possibilidades de resolução. Isso é um problema para Campinas, por exemplo, em que o Plano Diretor remete a outros instrumentos, como os Planos Locais de Gestão. Estes últimos seriam importantes não fossem as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), pois não basta demarcar a área de regularização fundiária, é preciso que todo o processo seja levado adiante, nas várias dimensões elencadas: a jurídica, a urbanística, a registral e a socioambiental, argumenta Rocha. “A Zeis deveria ser autoaplicável, ou seja, quando demarcada, já deveria fixar metas e prazos para regularização.”

O segundo limite dos Planos Locais de Gestão encontra-se na demora em ser efetivados. Ele acrescenta que, em 2006, o Plano Diretor encaminhou para os Planos Locais grande parte dos instrumentos de regularização, mas até 2012 nenhum plano havia sido aprovado pela Câmara de Vereadores e entrado em vigor. As consequências da morosidade dos processos são o retardamento da efetivação da regularização fundiária e a defasagem de estudos relacionados aos Planos, já que alguns, embora já estejam prontos, ainda aguardam aprovação.

Além da questão da saúde e do sistema de transporte, há descuido também com a coleta e a destinação de resíduos sólidos. Como há um número importante de catadores no local, Rocha acredita que deveria haver mais galpões de armazenamento e ao menos um galpão de reciclagem onde esses membros poderiam desenvolver suas atividades, minimizando os impactos ambientais negativos e ampliando os positivos. Ele explica que, por ter ruas estreitas, comunidades como a da Vila Brandina não permitem a passagem de caminhões de coleta de lixo por todos os locais.

O principal limite a ser superado, em relação à urbanização de áreas irregulares, é o da segregação institucionalizada, praticada pelo próprio Estado. “É inconcebível que em uma área irregular, rodeada por áreas com oferta diversificada de serviços, equipamentos e outras urbanidades, sofra com uma pavimentação de baixíssima qualidade, com carência de serviços de coleta de lixo e limpeza de vias públicas.” Segundo Rocha, a cidade como direito será materializada na vida de seus habitantes.

Outro limite a ser superado é o que diz respeito ao registro cartorial. A tese demonstra que em Campinas poucos assentamentos em Campinas chegaram à etapa da entrega de títulos, seja de propriedade ou de concessão. O número de moradias com registro regularizado é praticamente insignificante. A Vila Brandina luta há mais de 30 anos para regularizar a área. “E não é apenas uma questão formal, já que o registro garante muito mais que a posse do imóvel. Garante o direito de permanência, à dignidade, o direito de ter reconhecido o direito à moradia, e o mais importante, o reconhecimento à vida de quem de fato ocupa o espaço segundo sua função social.”

Para Rocha, é fundamental que o sistema de registros seja desburocratizado, facilitado e agilizado. Os processos de regularização, seja por usucapião ou da Concessão do Direito de Uso para Fins de Moradia, precisam ser mais ágeis, contar com uma vara específica no Poder Judiciário, com flexibilização no sistema cartorial e não apenas com isenção de taxas, segundo Rocha.


Sem políticas públicas

Existe insuficiência de políticas públicas de habitação no Brasil, na opinião de Rocha. Para ele, é preciso que haja um cessar da necessidade de ocupar áreas irregulares, mas o montante de recursos destinados para construção de novas moradias não tem sido suficiente para atender a demanda atual e nem mesmo as futuras. Ele acrescenta que a despeito de todas as políticas de fiscalização adotadas pela Prefeitura de Campinas, novos assentamentos surgiram, novas casas foram construídas e o adensamento continua muito superior ao da cidade formal. “A política de fiscalização não pode ser confundida com a de prevenção de ocupação de áreas de risco, pois uma política de prevenção pressupõe investimento em construção de moradias para aqueles que não podem pagar, ou só podem pagar pouco.”

O plano Minha Casa Minha Vida, do governo federal, ainda não mostrou resultados efetivos mesmo porque é muito mais uma política de financiamento que habitacional, segundo Rocha. Além disso, o número previsto para construção de moradias, principalmente para famílias que ganham até três salários mínimos, faixa de renda com grande parte do déficit habitacional e da precariedade de moradias, é muito baixo.

Mesmo diante de tantos desafios revelados durante a pesquisa, a política de regularização fundiária é necessária. Não apenas do ponto de vista urbanístico e legal, mas principalmente do ponto de vista social e espacial. “É preciso integrar, definitivamente, a população que mora em áreas irregulares à cidade regular, à cidade formal. A cidade como direito só pode ser materializada a partir da regularização e do acesso pleno a ela, o que as famílias de baixa renda ainda não podem usufruir. A regularização fundiária é um avanço conquistado pelos movimentos sociais da luta por moradia, mas é preciso mais. É preciso avançar na busca da efetivação do direito à moradia, à permanência e à cidade.”



Publicação

Tese: “Avanços e limites na regularização fundiária em Campinas: Vila Brandina, o estado de um lugar”
Autoria: Cristiano Silva da Rocha Diógenes
Orientação: Claudete de Castro Silva Vitte
Unidade: Instituto de Geociências (IG)