| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 338 - 25 de setembro a 1 de outubro de 2006
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Sanitarista escreve livro ambientado em universidade fictícia, nos tempos atuais

Romance parodia
sociedade contemporânea

CARMO GALLO NETTO

Gastão Wagner e a polêmica em torno do cérebro e da mente: "O nosso comportamento é determinado pela genética ou resulta das relações familiares e sociais?" (Foto: Antoninho Perri/Reprodução)No saguão da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), freqüentemente utilizado para manifestações artísticas, em uma parede se lê a frase de André Malraux: “Talvez uma das funções mais importantes da arte consista em conscientizar os homens da grandeza que eles ignoram trazer em si”. Numa sala do segundo piso do mesmo prédio, mais exatamente no Departamento de Medicina Preventiva e Social, o professor Gastão Wagner de Sousa Campos, médico sanitarista, abre sua alma de artista. Escrevendo novelas e romances, ele procura despertar a consciência para os problemas que acometem as sociedades modernas. O que faz com espírito lúdico.

O médico Gastão Wagner aborda certos paradoxos da sociedade atual

Em seu mais recente romance, Cérebro mente, Gastão Wagner brinca com estudiosos que se dividem em dois grupos: os que atribuem o comportamento humano a funções biológicas, à constituição e ao funcionamento de cada cérebro, e os que consideram esse comportamento oriundo da mente, que resulta da interação do indivíduo com o ambiente. Ao utilizar no título um jogo de palavras, “Cérebro/mente” (o livro inicialmente se chamaria “Torre de Babel”), o autor traz à tona uma das grandes contradições da pós-modernidade: o excesso de informações. “Elas mais confundem do que esclarecem”, diz.

“Eu vinha comentando com o escritor e médico Moacyr Scliar, que também atua na área de saúde pública, minha intenção de explorar num romance alguns paradoxos da tragédia contemporânea. Um deles é este excesso de informações nas publicações, na Internet e na mídia em geral. Essa profusão dificulta a seleção e não conduz, necessariamente, ao conhecimento”, explica Wagner. Ao mesmo tempo, o autor considera a questão muito ligada à área da medicina, da psiquiatria, envolvendo uma polêmica antiga sobre cérebro e mente: “O nosso comportamento é determinado pela genética ou resulta das relações familiares e sociais? Resolvi montar uma história em torno disso. A ilustração da capa, que mostra um grupo familiar envolvido pelo cérebro, já sugere essa dicotomia”, observa.

O livro conta a história do neurologista e professor Lógicus da Silva e do seu meio-irmão René de Toledo e Camargo, nomes que remetem ao positivismo. Cientista renomado, Lógicus acredita ter descoberto o “fator frontal” – particular conformação cerebral que dota seus portadores de grande capacidade empreendedora e de previsão do futuro. Para estudar o comportamento desses portadores, o médico constrói um projeto que promove a interdisciplinaridade ao nível máximo. O meio-irmão, por sua vez, aplica a descoberta do “fator frontal” à administração de empresas e cria o método de “reengenharia emocional”, com a pretensão de utilizar fundamentos neurocientíficos na gestão de pessoal.

As peripécias acontecem no Instituto de Neurociência (INC), hospital-laboratório de uma universidade. A vida acadêmica serve de pano de fundo. “No meio de tudo isso, um detetive perplexo, Vigil Dedalus, tenta esclarecer uma morte misteriosa. Mas o acúmulo de informações, o efeito ‘torre de Babel’, embaralha as investigações. O mesmo efeito tolhe a pesquisa cientifica. Além disso, como o cérebro mente e faz trapaça, policiais e cientistas vêem-se desnorteados”, conta Gastão Wagner.

O autor explica que quis usar a literatura para expor os dilemas da ciência contemporânea, entre os quais o fato de se atribuir à genética o lenitivo para muitos dos males. Daí a brincadeira do título: cérebro/mente. “Preocupam-se com a mente os que valorizam o social, o subjetivo. O cérebro é mais valorizado pelos geneticistas, médicos, positivistas. A determinação genética existe, mas não de forma absoluta. A “torre de Babel” pós-moderna é virtual, as informações são acumuladas em arquivos eletrônicos e, no romance, os personagens não sabem o que fazer com o volume de informações. Eles acabam enganados por seus cérebros, mas isso já faz parte do suspense...”, interrompe o médico.

Humor – Gastão Wagner recorre a preceitos da filosofia clássica (Sêneca, por exemplo, é um dos autores mencionados) para alertar “que se deve aprender a procurar, selecionar, focar e analisar as informações com objetividade. O livro diverte, é de leitura fácil e estimula as pessoas à reflexão”, afirma o autor, como base nas opiniões de quem já leu o romance.

O humor está sempre presente na obra, assim como a compreensão pelo ser humano, como ressalta na contracapa o professor Jorge Coli, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp: “Os personagens são desenhados com contornos firmes. Não têm ações de fato espontâneas e naturais. Têm reações: um dos motores melhores é o ressentimento. Nesse livro, o caráter cáustico bem presente não vem desprovido de uma generosidade terna. As ações se encadeiam numa lógica rigorosa e perfeitamente enlouquecida. Mistura constante de humor e de mal-estar no mundo que brota destas páginas”. As ilustrações de Cérebro mente são de Daniel Braga Campos, que estudou Artes na USP e é filho do autor.

Saúde e letras – Gastão Wagner formou-se em Medicina na UnB, universidade concebida por Darcy Ribeiro: “Era uma grande universidade multidisciplinar em que se aprendia medicina e se adquiria uma visão geral do mundo”. O gosto pela literatura o levou a freqüentar boa parte do curso de Letras. A atuação na saúde pública conduziu o médico aos ensaios e a vários títulos que assina como autor ou co-autor.

Este é o quarto romance de Gastão. Equivoco, uma história alegórica da esquerda brasileira na segunda metade dos anos 1970, narra o drama de um pai comunista à procura do filho desaparecido. Calidoscópio retrata uma cidade interiorana dividida entre resistir ou render-se aos encantos da modernização da sociedade brasileira no final dos anos 1950. Tomar a Terra de Assalto é um livro em que as esquerdas, no paraíso, anseiam tomar a Terra.

Gastão Wagner já arquitetou o próximo romance. Vai abordar as utopias, dificuldades e experiências na política e na gestão pública de sua própria geração. Pessoalmente, o autor acumula dois anos como secretário da Saúde em Campinas, no governo do prefeito Antonio Costa Santos, e mais dois anos como secretário executivo do Ministério da Saúde. “Se grande parte da minha geração foi cooptada e colonizada e se integrou às instituições, não se pode negar sua influência nas mudanças que vieram posteriormente. O mundo depois dela não é o mesmo. É um tema que dá literatura”, finaliza.

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