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Unicamp participa de estudo mundial com
medicamentos para portadores da doença degenerativa

Remédio em dose dupla
contra esclerose múltipla


LUIZ SUGIMOTO


O professor Benito Damasceno, responsável pelo Ambulatório de Esclerose Múltipla do Hospital das Clínicas: "A droga previne e reduz a destruição progressiva das fibras nervosas" (Foto: Antoninho Perri)A esclerose múltipla é uma doença degenerativa, sem cura, que atinge principalmente os adultos jovens entre 20 e 40 anos de idade. A incidência é maior em mulheres (na proporção de 3 por 1), na raça branca e em países do Hemisfério Norte, onde o índice é de 100 doentes por 100.000 habitantes a cada ano. No Hemisfério Sul, a incidência cai acentuadamente para 1 a 5 doentes por 100.000 habitantes, não se sabe o porquê. Tampouco se sabe a causa da doença, que é auto-imune, estando no grupo da artrite reumatóide. A esclerose múltipla não é letal, mas sua progressão pode acarretar, nos casos graves, em paralisia de membros ou perda da visão. Manifesta-se em surtos, com sintomas que levam horas ou dias para aparecer, persistindo por dois a quatro meses e desaparecendo gradualmente. A repetição desses surtos é que determina a gravidade de cada caso.

Primeiras drogas foram introduzidas em 1993

Até recentemente, não havia qualquer medicamento que tratasse de fato a esclerose múltipla. Somente a partir de 1993, foram introduzidos os interferons-beta e mais tarde o acetato de glatirâmer, as primeiras drogas capazes de diminuir o número de surtos e a intensidade dos sintomas. Os interferons são proteínas naturalmente produzidas no corpo. Eles existem também nos tipos alfa e gama, mas apenas o beta teve eficácia comprovada no tratamento da esclerose múltipla, embora sem curar definitivamente a doença. É um medicamento que modula o sistema de defesa imunológico do organismo, reduzindo a auto-agressão desencadeada por linfócitos e anticorpos contra a bainha de mielina das fibras nervosas e, conseqüentemente, diminuindo as inflamações e lesões do cérebro e medula espinhal.

Agora, a mesma empresa farmacêutica que produziu o interferon-beta injetável patrocina uma pesquisa mundial, com o objetivo de avaliar a eficácia do medicamento ao se utilizar o dobro da dose convencional. Apesar do sucesso do tratamento com as medicações atuais em muitos pacientes, outros continuam apresentando surtos, perdendo sua capacidade de movimento e indo à cadeira de rodas. Se ficar comprovado sua melhor eficácia, sem maiores efeitos colaterais indesejáveis, a dose dupla significará uma nova alternativa de tratamento. O estudo envolverá 2.100 pacientes voluntários em países de todos os continentes, sendo Brasil e Argentina na América do Sul. A avaliação se dará em centros de referência ligados a universidades e, no caso brasileiro, à Unicamp, USP e outras instituições. Durante dois anos, 840 pacientes serão medicados com o interferon-beta de 250 microgramas (a dose convencional), 840 com o interferon-beta de 500 microgramas, e 420 com o acetato de glatirâmer (20 miligramas).

A doença – “Teremos, no mínimo, dez pacientes do Hospital das Clínicas da Unicamp participando do estudo”, informa o professor Benito Damasceno, responsável pelo Ambulatório de Esclerose Múltipla e também por este projeto de pesquisa na Universidade. Livre-docente do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), Damasceno descreve o que se conhece sobre a doença. “As fibras nervosas do cérebro e da medula espinhal são envolvidas por uma capa de gordura, chamada bainha de mielina. Os glóbulos brancos e os anticorpos que estes produzem destroem a bainha em vários lugares ao longo da fibra, dificultando a transmissão nervosa. Os sintomas da doença, portanto, dependem de quais fibras sejam danificadas”, explica.

Segundo a literatura – e variando conforme as fibras desmielinizadas –, os sintomas mais comuns da esclerose múltipla são a perda da visão em um ou ambos os olhos, visão dupla, as parestesias (dormências e formigamentos), fraqueza dos membros e dificuldade para caminhar, incoordenação motora e desequilíbrio, tonturas e zumbidos, tremores, dores, fadiga e alterações no controle da urina e fezes. Estes sintomas geralmente duram semanas a meses, e depois melhoram. Já foram registrados sintomas mais raros, como distúrbio grave da memória e do comportamento, afasia (dificuldade de expressão ou compreensão), convulsões, movimentos involuntários dos membros, cefaléia e dificuldade para engolir.

Benito Damasceno afirma que 85% dos casos apresentam surtos de sintomas que regridem, às vezes completamente, graças à capacidade de regeneração das células que produzem e reconstroem a bainha de mielina – os oligodendrócitos. “Mas, ao se repetirem, os surtos deixam sintomas basais que vão se acumulando, com a degeneração das próprias fibras nervosas. É isto que provoca a invalidez motora ou visual definitiva. Os casos graves são de pacientes com surtos repetidos no primeiro e segundo anos de manifestação da doença. Considerando a esclerose múltipla que afeta os movimentos, aquilo que começou com uma fraqueza nas pernas, pode colocar essas pessoas numa cadeira de rodas com o passar dos anos”, adverte o professor da FCM.

Tratamento – Os interferons-beta mostraram-se eficazes para melhorar o curso natural da doença. Se, em período de cinco anos, o paciente teria oito surtos ou mais, quando medicado sofreria pelo menos um terço deles, além de ver diminuir a intensidade dos sintomas, o que significa prorrogar o momento futuro em que ele se tornaria inválido e caminharia apenas com o apoio de um bastão ou sobre cadeira de roda. “Minha experiência à frente do ambulatório do HC aponta que muitos que usaram interferons-beta ficaram sem novos surtos durante quatro ou cinco anos de acompanhamento. Apesar de não curar, a droga previne e reduz a destruição progressiva das fibras nervosas. Essa destruição pode ocorrer silenciosamente, mesmo quando a ressonância magnética não mostra novos sintomas ou novas lesões”, assegura Damasceno.

O efeito do medicamento é comprovado inclusive na ressonância magnética, que é realizada preventivamente a cada ano. “Muitas vezes, a pessoa não apresenta novos sintomas sensoriais, motores ou visuais, mas traz novas lesões – as chamadas lesões mudas, visíveis na imagem do exame. O acúmulo progressivo dessas lesões costuma resultar em déficit cognitivo ou fadiga acentuada, mesmo que a pessoa não tenha mais paralisia ou deficiência visual, acabando por prejudicar sua memória”, diz o neurologista.


Lei garante medicamento
que pobre não pode pagar

O gasto mensal de um paciente com esclerose múltipla varia de R$ 2.300 a R$ 5.700 com o interferon-beta ou acetato de glatirâmer. Multiplicando esses valores por 12 meses do ano e somando os custos dos exames periódicos de ressonância magnética, sangue, potenciais evocados visuais e líquor, chega-se a uma pequena fortuna mesmo para os olhos da classe média. “Os pobres não teriam a mínima esperança de fazer o tratamento”, afirma o professor Benito Damasceno, da Unicamp, que integra um comitê de especialistas formado pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo para elaborar os critérios e racionalizar a distribuição desses medicamentos pelo Sistema Único de Saúde.

A Portaria nº 97, assegurando o acesso ao diagnóstico e tratamento da esclerose múltipla, foi publicada em março de 2001, mas demorou mais de um ano para que as drogas fossem efetivamente fornecidas. “Antes, centros de atendimento como os da Unicamp eram obrigados a administrar recursos escassos para atender a esta população, mas muitas pessoas ficaram sem tratamento, condenadas à cegueira ou paralisia”, admite Damasceno. Os pacientes encaminhados por neurologistas passam por uma reavaliação nos centros de referência, visto que doenças similares são eventualmente confundidas com a esclerose múltipla, e medicamentos podem ser ministrados para doentes que já atingiram estágios irreversíveis, implicando em desperdício de recursos.

Na opinião do professor da Unicamp, persistir com o uso destas drogas em pacientes em cadeiras de rodas, ao invés de trocar por outras drogas apropriadas para este estágio da doença, significa apenas submetê-los a novos incômodos causados pelos efeitos colaterais. “Os efeitos colaterais dos interferons geralmente não são sérios e entre os mais comuns estão os sintomas gripais (moleza no corpo, dor de cabeça, prostração, dor muscular e nas juntas), para os quais receitamos rotineiramente analgésicos e antitérmicos. E, como se trata de injeções subcutâneas aplicadas dia sim e dia não, há reações na pele, como vermelhidão e, raramente, feridas que deixam cicatrizes”, explica Damasceno.

Do ponto de vista médico, o tratamento é por tempo indeterminado, mas o paciente tem o direito de interrompê-lo depois de alguns anos sem surtos. “Também evitamos os interferons para quem traz um passado depressivo e para mulheres grávidas ou que pretendam se engravidar, pois ocorreram casos de aborto espontâneo e ainda não é devidamente conhecido o efeito deletério no feto. Mulheres em idade fértil que necessitam de interferon devem usar algum método anticoncepcional”, finaliza o pesquisador.

Principais sintomas

Pessoas na faixa de 20 a 40 anos de idade, especialmente mulheres, devem procurar um neurologista diante dos seguintes sintomas:

  • distúrbios visuais, como embaçamento ou perda da visão de um olho, de forma progressiva por dias, semanas ou meses, com melhora gradual;
  • fraqueza muscular ou paralisia de um ou mais membros, superiores ou inferiores, que persiste por dias, semanas ou até meses, melhorando posteriormente;
  • parestesias (formigamentos, dormência ou queimações) nos membros ou no tronco, que persistem por dias, semanas ou até meses, melhorando posteriormente;
  • instabilidade ao caminhar ou movimentos trêmulos dos membros;
  • movimentos involuntários dos olhos, dificuldades de articulação da fala e de deglutição;
  • alterações das funções sensoriais relacionadas a tato, dor, posição etc;
  • perda do controle da micção, com incontinência urinária;
  • alterações nas funções cerebrais relacionadas com humor e capacidade intelectual.

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