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Dissertação mostra descaso com os recursos
hídricos subterrâneos do norte do Estado do Rio

Poluentes ameaçam
mananciais de aqüíferos
batizados pela Unicamp



JEVERSON BARBIERI



Marinaldo Gomes dos Santos, autor da dissertação: mapa aponta as áreas críticas (Fotos: Antoninho Perri)Em maio de 2003, na edição de número 212, o Jornal da Unicamp publicou reportagem sobre o trabalho de pesquisadores do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, que delimitaram e batizaram quatro aqüíferos de grande porte em Campos dos Goytacazes, norte do Estado do Rio de Janeiro. Na oportunidade, a coordenadora da pesquisa, professora Sueli Yoshinaga Pereira, ressaltou a importância do fato. Demonstrou, porém, uma grave preocupação com relação à preservação ambiental dos recursos hídricos daquela região.

A professora apontou o crescimento acelerado da região, devido à exploração petrolífera, bem como a intervenção humana, principalmente com o uso de agrotóxicos, como possíveis fontes de contaminação do meio ambiente. Para determinar com precisão as cargas potenciais de poluição, um novo trabalho de pesquisa, também sob a orientação de Sueli, foi desenvolvido por Marinaldo Gomes dos Santos, engenheiro agrimensor formado pela Universidade Federal de Viçosa (MG), que resultou na dissertação de mestrado intitulada Mapeamento da vulnerabilidade e risco de poluição das águas subterrâneas dos sistemas aqüíferos sedimentares da região de Campos dos Goytacazes-RJ, apresentada no último dia 26 de agosto, no IG.

Estudo vai nortear políticas públicas

A professora Sueli Yoshinaga Pereira: preocupação com a preservação ambientalNa primeira parte do trabalho, o pesquisador elaborou um mapa com o objetivo de determinar as áreas críticas, consideradas de alta vulnerabilidade, e os riscos iminentes de poluição do sistema de aqüíferos da região. A superfície territorial delimitada para esse estudo, que é de 1.248 km2, compreende o aqüífero Barreiras, responsável pela alimentação do rio Paraíba do Sul, principal manancial da região, o aquífero Deltaico, cuja reserva estimada é de aproximadamente 12 milhões de metros cúbicos, e o aqüífero Emborê. Trata-se da parte sedimentar do município, onde se situam as principais áreas urbanizadas, as atividades de cana-de-açúcar e também as maiores transformações ambientais detectadas.

Como há um grande volume de informações envolvidas e um complexo nível de processamento de imagens e geração de diversos mapas temáticos, foi adotado o Sistema de Informações Geográficas (SIG) como plataforma para o desenvolvimento dos trabalhos. Este sistema mostra-se o mais apropriado para trabalhos desta envergadura, como também fornece bases digitais que podem ser atualizadas continuamente.

Os mapas produzidos conseguiram mostrar um cenário da situação ambiental da região, com ênfase ao recurso hídrico subterrâneo, fornecendo subsídios para uma elaboração de políticas públicas para preservação, proteção e uso racional deste manancial. A região apresenta uma grande sensibilidade à contaminação das águas subterrâneas, com classificações que variam de Alta a Extremamente Alta.

Apesar do tempo escasso e da carência de alguns dados, o cadastro das cargas potenciais pôde constatar, claramente, um grande descaso com os recursos hídricos subterrâneos, não havendo um gerenciamento de uso e proteção desses mananciais. Para as cargas de potencial poluidor oriundo das drenagens, adubação química, lixão, saneamento in situ, fertirrigação, cemitérios e postos de combustíveis, não há nenhum programa consistente para o monitoramento e controle de possíveis contaminações das águas subterrâneas da área estudada.

Isso leva a casos como o do cemitério de Campo da Paz, que, devido ao alto nível freático e à condutividade hidráulica, faz com que, em períodos chuvosos, os caixões aflorem na superfície, havendo a contaminação direta do lençol freático pelo necrochorume, resíduo líquido de alta potência poluidora formado a partir da decomposição de matéria orgânica do corpo humano. Há também o cemitério do Caju, o maior da região norte-fluminense com uma grande produção de necrochorume, localizado às margens do rio Paraíba do Sul, responsável por recarregar o aqüífero Deltáico.

A falta de conhecimento da população e ao mesmo tempo a necessidade de água para o consumo, aliado ao caótico sistema de abastecimento público de água, levam a uma enorme utilização de poços tipo cacimba, os quais ficam a poucos metros de profundidade. Isso leva a uma captação da água do lençol freático que possivelmente já se encontra comprometido por contaminação de nitrato, fruto da grande quantidade de fossas sépticas na área urbana.

O lixão, que há mais de 50 anos vem contribuindo para a degradação do meio ambiente, reforça a situação de fragilidade em que se encontram os recursos hídricos subterrâneos de Campos. Além disso, existem postos de combustíveis sem licença de funcionamento, em péssimo estado de conservação e uma grande proliferação de novos estabelecimentos.

Nas áreas rurais, o uso intenso da fertirrigação, adubação nitrogenada e aplicação de herbicidas de comprovado risco fecha o cenário de grave situação na questão das cargas potenciais de contaminação.

Através dos mapas de vulnerabilidade e das cargas potenciais, gerararam-se o mapa das áreas de risco e as matrizes de risco. Em geral, o risco de poluição para as águas subterrâneas do sistema aqüífero sedimentar da região de Campos é considerado alto. Há casos de contaminação das águas subterrâneas por salinização na região próxima à Lagoa Feia, que necessita de maiores estudos.

O engenheiro explica que os aqüíferos ainda não apresentam sinais de poluição, porém, se nada for feito, muito em breve essas reservas naturais de água poderão estar seriamente comprometidas. “O custo de tratamento de aqüíferos poluídos é muito alto, o investimento não é compensador”, acrescenta.

O Brasil possui um quinto das reservas mundiais de água potável e, por esse motivo, tem atraído o interesse de empresas multinacionais na exploração desse recurso natural.

O grande objetivo dessa pesquisa é fornecer subsídios para as secretarias de Meio Ambiente da prefeitura de Campos e do governo do Estado do Rio de Janeiro para que políticas públicas possam ser implementadas com a finalidade de, em primeiro lugar, evitar um desastre ao meio ambiente com a poluição das enormes reservas naturais de água existentes no local e, em segundo lugar, evitar que recursos naturais sejam explorados por empresas multinacionais, o que, com certeza, será realizado a um alto custo para o público consumidor.

Principais cargas potenciais de poluição


Monocultura – A predominância da cultura da cana-de-açúcar em praticamente toda a região é um dos fatores de alta incidência de carga poluidora e isso ocorre de diversas formas. A adubação química do solo para o plantio e a aplicação de herbicidas em grande quantidade para combater as ervas daninhas da plantação são os primeiros itens considerados cargas potenciais. A cana gera subprodutos como açúcar e álcool. Para cada litro de álcool extraído, são produzidos 13 litros de vinhaça, líquido composto basicamente por potássio, nitrogênio e fósforo, que é devolvido à plantação através do processo de fertirrigação. Outro fator preocupante é o alto índice de nitrato, composto altamente cancerígeno principalmente para crianças, encontrado na água do rio Paraíba do Sul, decorrente da poluição industrial, cuja concentração é de 20mg/litro, quando o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de 10mg/litro.


Lixão – Existe uma área industrial bem próxima ao rio Paraíba do Sul, que abriga um lixão a céu aberto, cuja vida útil está bem próxima do final. A decomposição desse lixo é altamente tóxica, invade o solo e atinge a água.


Saneamento in situ – Grande parte da população é da área rural e, nesses locais, a utilização de fossas sépticas e poços é bastante comum. A elevação do lençol freático atinge essas fossas, mantendo contato direto com essa fonte poluidora.


Drenagem – As grandes enchentes provocadas pelo rio Paraíba do Sul na década de 1940, causando cheias de grandes proporções, geraram a necessidade de uma solução urgente. Para tanto foram construídos aproximadamente 1.500 km de canais de drenagem que, ao longo dos anos, ficaram completamente abandonados. Os canais tornaram-se depósitos de resíduos que, em contato com a água, acabam por poluir o meio ambiente.


Postos de combustíveis - Possíveis vazamentos de combustíveis de tanques subterrâneos, em decorrência do enferrujamento do reservatório em contato com a água do solo, tornam-se fontes altamente poluidoras.


Refinaria de Petróleo – Está em discussão à construção de uma refinaria de petróleo na área industrial de Campos, bem próxima ao rio Paraíba do Sul. Os ecologistas apontam para o perigo de vazamento e, conseqüentemente, de um desastre ecológico de graves proporções.


Cemitérios – A região de Campos possui, no total, 22 cemitérios, alguns dos quais são centenários. Na área delimitada da pesquisa existem 9 cemitérios, dos quais 2 são de grande porte: Cemitério do Caju e o Cemitério Campo da Paz. É muito comum o lençol freático subir e ter contato com o cadáver em decomposição. Um cadáver, que pesa aproximadamente 70kg, produz cerca de 30kg de necrochorume. Além disso, esse mesmo cadáver produz aproximadamente 2 kg de nitrogênio que, em contato com as substâncias do solo, transforma-se em nitrato.

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