| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 313 - 20 de fevereiro a 5 de março de 2006
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Flora Brasiliensis
 

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Será lançada no dia 22 a versão eletrônica do mais
completo levantamento da flora brasileira

George Shepherd, di IB: laboratório em paredes (Foto: Antoninho Perri)Flora brasiliensis on-line

CLAYTON LEVY

Em 1817, o médico e botânico alemão Carl Friedrich Philipp von Martius desembarcou no Brasil liderando a Missão Austríaca, formada por cientistas e artistas europeus. Interessado na rica e exuberante flora tropical, a expedição percorreu 10 mil quilômetros durante três anos. Em 1820, de volta à Alemanha, Von Martius iniciou o trabalho de organização das informações, que resultou em Flora Brasiliensis, o mais completo e abrangente levantamento da flora brasileira, com a descrição de 22.767 espécies – 19.629 brasileiras e 5.689 que eram novas para a ciência da época – e 3.811 desenhos de plantas, suas flores, frutos e sementes. Cem anos depois da publicação do último dos 40 volumes, a obra acaba de ganhar uma inédita versão eletrônica, cujo desenvolvimento é encabeçado pelo botânico George Shepherd, professor do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp.

Nas duas ilustrações ao lado: Gomphrena holocericea e Gymnothrix peruviana (Fotos: Divulgação/Reprodução)Batizada de Flora Brasiliensis On-Line, a nova ferramenta tornará acessível e público o conteúdo da obra que até agora só podia ser consultada em bibliotecas especializadas. A versão eletrônica retoma e atualiza o trabalho de Von Martius, só que desta vez em larga escala e usando tecnologias de compartilhamento de dados. Um dos objetivos, segundo Shepherd, é facilitar o trabalho integrado no campo da pesquisa, permitindo uma ampla revisão da flora brasileira. “Queremos criar um ambiente colaborativo de fácil acesso, como num laboratório sem paredes”, diz o professor.

Silva Caesa, Cum Ficu Grandaeva, Ad. S. Joannem Marcum, Prov. Rio de JaneiroO Ministério do Meio Ambiente estima em 50 mil as espécies que compõem a flora brasileira, mas o número pode ser bem maior, havendo quem fale em até 70 mil. “O Brasil é um dos países mais ricos em biodiversidade e certamente ainda há muitas espécies desconhecidas”, observa o professor do IB. Segundo ele, embora tenha descrito apenas as espécies que representavam o conjunto das plantas conhecidas até meados do século 19, a obra de Von Martius continua como principal referência no estudo da flora brasileira. “Mesmo cem anos depois, o trabalho ainda é consultado no dia-a-dia para se saber o que existe no país”.

Ripae Fluvii Itahtpe, Prov. BahiensisOrçado em R$ 425,8 mil, o trabalho está sendo financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Vitae Apoio à Cultura, Educação e Promoção Social, e Natura Cosméticos. O lançamento oficial do site (http://florabrasiliensis.cria.org.br) acontece no próximo dia 22, durante a 8ª Reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP-8), que vai de 20 a 31 de março, em Curitiba.

O desenvolvimento e gerenciamento do site estão a cargo do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), com sede em Campinas. Dirigido pelo professor Vanderlei Perez Canhos, aposentado na Faculdade de Engenharia de Alimentos da (FEA) da Unicamp, o Cria já havia sido escolhido para manter o Sistema de Informação Ambiental do Biota (SinBiota), desenvolvido com o objetivo de integrar informações geradas pelos pesquisadores vinculados ao Programa Biota/Fapesp e relacioná-las a uma base cartográfica digital.

Prope Jandicuara Praedium In Districtum Ubatuba, Prov. Rio de JaneiroRico em detalhes – O trabalho, porém, conta com a colaboração de diversos pesquisadores no Brasil e Exterior. A digitalização das imagens, por exemplo, foi feita pelo Jardim Botânico de Missouri (EUA). Em alta resolução e riqueza de detalhes, os desenhos poderão ser consultados pelo nome científico de cada espécie, por volume ou página da obra. O usuário também poderá aproximar a imagem, como se usasse uma lente de aumento para observar os desenhos. Já os textos, cerca de 11 mil, todos em latim, estão em fase de digitação. Mas já é possível consultar 40% do material.

O próximo desafio do projeto será o desenvolvimento de um catálogo atualizado com os nomes das espécies da flora brasileira. Por enquanto, um estudo piloto, coordenado por George Shepherd, está atualizando a nomenclatura de um número limitado de famílias. “Os taxonomistas [que descrevem e classificam organismos] dependem de obras históricas, restritas a bibliotecas e herbários no exterior”, explica o pesquisador. “O site faz parte de um trabalho de integração de dados envolvendo muitos países, num esforço para renovar a taxonomia, derrubando barreiras que impedem o desenvolvimento da área”, completa.

Para o presidente da Fapesp, Carlos Vogt, um dos aspectos mais importantes de Flora Brasiliensis é o reconhecimento histórico internacional. “Os milhares de gêneros e espécies botânicos da flora brasileira, agora em meio eletrônico, permitirão acesso Coletiva sobre a versão digital na Fapesp. Ao lado: Paepalanthus (Dimeranthus) specious (Foto: Antoninho Perri)amplo de estudiosos e da sociedade em geral à riqueza científica e cultural da obra de Von Martius”, destaca. “O projeto conecta um dos maiores trabalhos sobre biodiversidade jamais produzidos com um dos principais programas mundiais de pesquisa em biodiversidade, o Biota-Fapesp”, acrescenta o diretor científico da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz.

Dez mil quilômetros com traçados milimétricos

Roteiro da viagem de Von Martius e de Von Spix destacado em vermelhoO trabalho de Von Martius resultou em 15 volumes, constituídos por 40 partes ou tomos com 130 fascículos. O último volume foi publicado em 1906, anos após a morte do autor, em 1868. O trabalho é uma das mais belas e importantes traduções da união entre ciência e arte. Traços milimétricos expõem com incrível riqueza de detalhes as nuances da flora tropical, abrangendo o cerrado, a caatinga e as florestas Amazônica e Atlântica.

A missão liderada por Von Martius desembarcou no porto do Rio de Janeiro em 15 de julho de 1817. Acompanhava a arquiduquesa Leopoldina, que viera ao Brasil para casar-se com o então príncipe D. Pedro. Acompanhado por zoólogos, desenhistas e pintores, o botânico percorreu 10 mil quilômetros em três anos. Nesse período registrou suas observações e recolheu mais de 20 mil espécies de plantas.

O roteiro da viagem começou nas imediações da Corte do Rio de Janeiro. Em seguida, continuou para São Paulo e Minas Gerais. A expedição cruzou a Bahia, seguindo para Pernambuco, Piauí e Maranhão. De navio, seguiu para Belém, no Pará, e subiu o rio Amazonas até o Solimões. Dali, o zoólogo Johann Baptiste von Spix continuou pelo Amazonas até os limites do Peru, enquanto Von Martius seguiu pelo rio Japurá até a fronteira com a Colômbia. Os dois se reencontraram e continuaram a viagem pelo rio Madeira.

De volta à Europa, Von Martius foi nomeado curador do Jardim Botânico e professor da Universidade de Munique. Presenteou o herbário da cidade com 6,5 mil amostras e publicou, com Spix, os três volumes de Viagens ao Brasil. Sua grande obra, porém, foi Flora Brasiliensis, que coordenou à frente de uma equipe de 65 especialistas em botânica. O legado permanece até hoje como o único e mais completo levantamento da flora brasileira.

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