Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 242 - de 1º a 07 de março de 2004
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Histórias que estão no gibi
 

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Histórias que estão no gibi
Alunos da Unicamp recorrem a revistas da Biblioteca Central para dar uma pausa nos estudos

MANUEL ALVES FILHO

Aparecido Donisete Alves, estagiário de biblioteconomia: organizando um acervo de 9 mil revistas de histórias em quadrinhos

Informação extracurricular aos calouros que chegam à Unicamp dispostos a mergulhar nos livros: quando o ritmo aperta, como em época de provas, muitos veteranos refugiam-se no terceiro piso da Biblioteca Central (BC), mas sem qualquer intenção de escarafunchar novos textos, mesmo que ali estejam as coleções especiais e milhares de obras raras; na verdade, buscam outro tipo de raridade. “Os alunos colocam de lado o monte de livros e pedem gibis para aliviar o estresse”, diz Aparecido Donisete Alves, estagiário de biblioteconomia que há um ano vem organizando 9 mil revistas de histórias em quadrinhos doadas à universidade.

Dentre os eventos no campus para recepção aos calouros, a BC realizará uma exposição com as principais obras do acervo e serviços, incluindo uma seleção de HQs. A “gibiteca” foi criada em 1995, quando Jordano Quaglia Júnior, historiador formado pela Unicamp, deixou o Brasil para dar aulas de cultura brasileira na Universidade de Nova York, sem poder levar na bagagem os 6.500 gibis que juntou durante 30 anos. Reservou para si somente nove edições especiais de

Namor – O Príncipe Submarino, herói predileto.
Menino que virou professor quando cresceu, Jordano Quaglia mostrou dificuldades de aprendizado no primeiro ano de escola e, como reforço nas lições de casa, era incentivado a ler gibis em voz alta. “Fiquei viciado”, disse, ao entregar a coleção. Viciado a ponto de escolher as HQs como tema de mestrado, sendo obrigado a desistir da idéia por falta de um orientador para a dissertação. Enquanto historiador, Quaglia vê pontuadas nos quadrinhos mudanças comportamentais e sociais, bem como avanços tecnológicos e diferenças na linguagem – os balões, preenchidos em português correto há 50 anos, agora trazem um coloquial que chega a abusar nas gírias.

Assim mesmo, hoje, os gibis considerados um estímulo à leitura, permitindo o resgate de aspectos históricos, das artes gráficas e da literatura. Antes, as revistas eram tidas como hábito prejudicial para o aprendizado das crianças e, até meados do século 20, vários títulos chegaram a ser censurados na Europa e Estados Unidos, sob argumento de que as cenas de “violência e terror” estimulavam a delinqüência juvenil. Em 1954, o senado americano impôs à indústria de quadrinhos um código de ética, prevendo menos violência nas histórias e acordando a distribuição apenas de publicações que traziam na capa o selo de aprovação.

A pressão da sociedade fez desmoronar o mercado, mas ele se recuperaria na década de 1960, graças a iniciativas como da Editora Marvel, que contratou o talento de Stan Lee e Jack Kirby para lançar o Homem-Aranha, Quarteto Fantástico, Thor e o Surfista Prateado, heróis igualmente dotados de superpoderes, mas vulneráveis aos problemas existenciais e do cotidiano dos humanos.

A gibiteca da BC também oferece uma bela viagem para os ligados em artes gráficas, visto que algumas revistas ganharam status de arte, principalmente a partir da década de 1980. “Os ilustradores alcançaram tal requinte que seus quadrinhos parecem imagens virtuais. Não foi à toa que personagens como Hulk, Super-Homem, Batman, X-Men e Conan saíram do papel para as telas de cinema”, observa Aparecido Alves. Escritores e desenhistas como Niel Gaiman, Alan Moore, Frank Miller, Simon Bisley, John Byrne, Grant Morrisson, Jim Lee e Todd MacFarlane tornaram-se celebridades, a ponto de suas assinaturas ganharem, junto aos fãs de HQs, o mesmo peso que os grandes atores têm para os cinéfilos.

Raridades – A primeira versão brasileira do Pato Donald, de 1950, é apenas umas das raridades arquivadas em caixas que se destacam pela cor vermelha, em meio à sobriedade das estantes com outras coleções especiais conservadas na Biblioteca Central. Há revistas de Angelo Agostini, italiano aqui radicado e a quem se atribui a introdução das HQs no Brasil, primeiramente com “As aventuras de Nhô Quim”, publicadas em tiras na revista Vida Fluminense a partir de janeiro de 1869, e depois com gibis “em longa metragem” trazendo “As aventuras do Zé Caipora” perdido na cidade grande.

Na primeira revista da Turma da Mônica (1974), a personagem, que Maurício de Souza desenhou inspirado na filha, era magra e tinha rosto mais hexagonal. Heróis como Batman, Homem-Aranha, Hulk, Super-Homem e Fantasma passaram pelas mãos de diferentes autores e também mudaram ao longo dos anos, não só de fisionomia como de personalidade. “Certos gibis perderam bastante do lúdico e da fantasia, tornando-se impróprios para crianças”, comenta Aparecido Alves.
As caixas vermelhas guardam versões de Drácula – eternizado pelo romance de

Bram Stoker – com ilustrações que remetem a pinturas, Jim das Selvas em formato horizontal e capa dura, os Stromfs que virariam Smurfs, e mangás como o de Akira. A primeira HQ de Tarzan traz informações técnicas sobre como a publicação foi produzida. Um gibi de Lampião, pelo que se sabe, não passou do número inicial. Alunos do Instituto de Artes (IA) da Unicamp também deixaram na gibiteca criações que não tiveram seqüência.

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O gazeteiro e seu estandarte

No início do século passado, quando o menino de rua tinha ainda preservada a sua essência, chamava-se de “gibi” o molecote pretinho e descalço, que corria a cidade vendendo jornais e revistas. Em 12 de abril de 1939, o pequeno gazeteiro passou a exibir o que parecia seu estandarte, a revista Gibi, que nas décadas seguintes encantaria crianças e adolescentes com as aventuras de Charlie Chan, Flash Gordon, Homem-Elástico, Dick Tracy, Nick Holmes, Fantasma, Mandrake, Brucutu, Ferdinando, Tarzan, Hagar, Frank e Ernest, Recruta Zero e Popeye, entre outros personagens. Desde então, gibi virou sinônimo de história em quadrinhos.

Em outubro de 1974, a Rio Gráfica Editora (hoje Editora Globo) relançou a Gibi com periodicidade semanal, selecionando HQs publicadas nas décadas de 1930 e 40, inclusive de edições originais, em formato gigante de 40cm de altura e 30cm de largura. Para tristeza dos leitores, o projeto teve vida curta. A acentuada queda na tiragem, dos 160 mil exemplares iniciais para somente 35 mil (inviável para uma editora de grande porte), fez com que se anunciasse a morte da publicação para o número 40. A última capa mostra Gibi, o negrinho personagem-símbolo, indo embora carregando uma trouxa, de onde caem tiras em quadrinhos.

Na BC é possível rever esta coleção completa, cujo encanto custava 300 réis. Ferdinando, o caipira criado por Al Capp, correndo de Dayse Mae no “dia da Maria Cebola”, em que as moças solteiras perseguiam os rapazes para arrastá-los até Samuel, o casamenteiro de Brejo Seco. Mandrake, o mágico de Lee Falk, salvando Narda com um mero gesto, que fazia surgir uma fera e correr o malfeitor. Os tambores da selva anunciando as últimas proezas do Fantasma, o mascarado imortal que socava no queixo dos bandidos a humilhante marca da caveira. Flash Gordon riscando os céus do planeta Mongo em seu foguete, muito antes de “Guerra nas Estrelas”, para combater a tirania do imperador Ming, tendo no coldre uma pistola a laser e ao lado a bela Dale Arlen, que já usava mini-saia.

 

 

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