Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 242 - de 1º a 07 de março de 2004
Leia nessa edição
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Artigo: crescimento e emprego
Trabalho: virado do avesso
Juniores: um grande negócio
Os melhores talentos
A vida acadêmica pulsando
Unicamp: ensino e pesquisa
Unicamp: do sonho à realidade
Biogás: potencial energético
Painel da semana
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Teses da semana
Estudantes latino-americanos
Histórias que estão no gibi
 

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Crescimento e emprego:
perguntando ao governo

CLAUDIO SALVADORI DEDECCA

O problema de geração de emprego ocupou a arena principal das eleições de 2002 em todos os níveis de governo. Não faltaram motivos para justificar a relevância do tema. Após mais de 20 anos de desempenho insatisfatório da economia brasileira, a sociedade almejava com vigor um período de crescimento com geração de emprego e elevação dos níveis de renda.

O primeiro ano do Governo Lula não conseguiu sinalizar caminhos para a retomada sustentada da economia. A situação crítica de instabilidade trilhada a partir do final de 2002 exigia uma política que garantisse, por um lado, a reconquista da capacidade de monitoramento da economia e, por outro, que recompusesse as condições mínimas para o crescimento sustentado do país. Analistas mais cautelosos consideravam ser impossível crescer em 2003. Acreditavam que a política deveria restabelecer as condições de monitoramento da economia, buscando fazê-la sem provocar um agravamento das condições de emprego e renda no país.

Passado esse primeiro ano, pode-se afirmar que a política econômica obteve, mesmo que considerado relevante, êxito parcial. Mais uma vez, cabe ter uma postura cautelosa em relação aos seus resultados. As principais conquistas foram o controle da inflação, o restabelecimento do fluxo de capitais externos e o superávit comercial. As duas primeiras podem ser creditadas à política econômica, enquanto a última tem sua raiz no mercado interno contraído e na situação favorável da economia internacional. Quanto aos aspectos negativos cabe ressaltar a manutenção de uma taxa de juros real elevada que continuou alimentando o caráter financeiro de valorização da riqueza no país, a valorização cambial em um contexto de reservas de moeda estrangeira relativamente baixas e a necessidade de um superávit com contração do gasto público sem precedentes.

Os efeitos sociais dessa política foram o crescimento do desemprego com redução dos níveis de renda real e constrangimento exacerbado da capacidade de gasto das políticas sociais. A queda da renda per capita foi Il grande finale dessa ópera.
No final de 2003, governo e sociedade começaram a perguntar se o ano de dificuldades tinha valido a pena e se ele havia criado as condições para o crescimento a partir de 2004. As expectativas de 2002 se fazem ainda mais presentes nesse início do ano. O governo afirma ser possível atendê-las, sob o argumento que a estabilidade econômica criou as condições para o crescimento sustentado da economia brasileira a partir desse ano. Contudo, são parcos os sinais de recuperação econômica sustentada.

A dúvida sobre a possibilidade de um crescimento sustentado é reconhecida pelo próprio governo, quando este defende uma redução lenta da taxa de juros, necessária para o monitoramento da situação de estabilidade econômica relativa, e estima uma taxa máxima de crescimento de 3,5% para 2004.
Essa taxa de crescimento, sem uma redução mais rápida da taxa de juros, somente poderá estar associada a uma redução do nível de endividamento do Governo Federal, se os gastos públicos continuarem sendo mantidos sob custódia. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -

IPEA, o gasto efetivo do Governo Federal cresceu 3% a.a., entre 1995 e 2001, enquanto o gasto financeiro teve um incremento de 21% a.a. Um baixo crescimento com taxa de juros elevada caracterizou esse período, situação que foi reforçada pela política econômica no ano de 2003 e que não deve ser modificada significativamente em 2004. Desse modo, é possível prever crescimento máximo de 3,5% e um aumento semelhante para o gasto público, desde que as condições externas não sofram maiores alterações.
Frente a esse quadro, cabe perguntar: é possível esperar uma melhora significativa do mercado de trabalho? Haverá uma recomposição apreciável da renda, em especial dos salários?

Infelizmente, a resposta é não. Poderá haver uma descompressão do mercado de trabalho e alguma recuperação dos níveis de renda. Entretanto, esse movimento não deverá ser suficientemente vigoroso para causar uma queda acentuada do desemprego com aumento expressivo do emprego formal, em condições de recompor o poder de compra dos trabalhadores. Cabe agora explicitar o porquê desse prognóstico.

Um crescimento do PIB de 3,5%, com um aumento da população brasileira de 1,7%, deverá permitir uma elevação de 2% da renda per capita em 2004. Esse mesmo crescimento deverá viabilizar um incremento máximo do emprego formal de 1,5% contra um crescimento da População

Economicamente Ativa, ao redor de 2,4%. Isto é, o crescimento do emprego formal será insuficiente para induzir uma redução do desemprego, necessitando-se, portanto, de um aumento trabalho informal, geralmente observado em períodos de recuperação econômica.

Esses elementos mostram a fragilidade da recuperação econômica esperada para o emprego e a renda. As condições econômicas continuam ainda limitadas para permitir um crescimento a uma taxa que gere um volume de empregos compatível, ao menos, com aquela de incremento da População Economicamente Ativa. Qualquer modificação positiva do quadro atual do mercado nacional de trabalho exige um crescimento do produto superior a 5% a.a., por um período prolongado. Ademais, a recuperação do poder de compra dos trabalhadores depende de uma taxa de crescimento desse porte associada a um aumento virtuoso da produtividade. Isto é, não assentado em mecanismos espúrios como a terceirização de atividades.

Apresentadas essas observações, cabe refletir se o quadro atual da economia tem condições de ir lastreando um crescimento mais intenso ao longo de 2004 e nos anos seguintes, que pudesse gerar empregos em volume ponderável e viabilizar uma recuperação da renda mais robusta nos próximos anos.

Apesar da grande expectativa em relação a um crescimento mais acelerado, não existem sinais que ela venha ocorrer proximamente. Confirmado o prognóstico do governo sobre a efetividade da política econômica, uma elevação da taxa de crescimento depende de um incremento do investimento privado e público e da recuperação da renda dos trabalhadores.

Como apontado anteriormente, é muito difícil que uma recuperação do PIB de 3,5% possa gerar um aumento mais significativo da renda per capita. Face o caráter desigual de nossa distribuição de renda e o baixo peso da renda do trabalho no PIB, inferior a 30%, o crescimento esperado para 2004 não deverá ter um impacto positivo sobre os salários e o rendimento do trabalho autônomo.

Portanto, a aceleração da taxa de crescimento depende da recuperação do investimento, que nos últimos 20 anos não tem conseguido superar a taxa anual de 15%. O aumento do investimento é necessário mesmo que o crescimento continue sendo induzido pelas exportações, dado a situação de esgotamento da capacidade produtiva em vários setores de nosso parque industrial e a crescente precariedade do sistema de infra-estrutura. Ademais, é preciso que o investimento público seja revigorado tanto nos setores de apoio à atividade econômica, como naqueles voltados para a política social.
Será que as condições para elevação da taxa de investimento encontram-se já estabelecidas?

Analisemos um pouco essa situação tanto para o setor privado como para o público.
As decisões de investimento privado, tomadas em 2004, deverão, em sua maioria, se traduzir em aumento de capacidade produtiva somente daqui algum tempo. Portanto, elas dependem da existência de expectativas positivas em relação ao comportamento da economia no próximo ano, as quais ainda não estão delineadas nesse momento. Além disso, a recuperação do investimento exige disponibilidade de financiamento de longo prazo e taxas de juros compatíveis com os níveis de rentabilidade esperados.

Essas condições ainda não se encontram estabelecidas.
Pode-se afirmar que, como no passado, essa sinalização para o setor privado depende da retomada dos investimentos do setor público e de suas linhas de financiamento de longo prazo. Analisando as contas públicas, nota-se um baixo nível de investimento do governo nas áreas de habitação, transporte e saneamento, que recomposto poderia servir de sinalizador para o investimento do setor privado.
Contudo, esse papel do governo somente poderá ser exercido se sua capacidade de gasto expandir acima do crescimento do produto, o que dependeria de uma maior disponibilidade de recursos. Esses poderiam ter origem em um aumento da carga fiscal ou na redução do superávit e dos custos de manutenção da dívida pública. Essa situação não se encontra no horizonte da política econômica atual, que coloca sob sistemático garrote a capacidade de gasto do setor público.

Portanto, cabe perguntar: existe alguma outra brecha para recuperar o investimento público nos marcos da política econômica atual? Cabe ao governo responder por ser ele o principal defensor da política. Até o presente momento, ele não apresentou pistas claras pelas quais o investimento público poderia se elevar, respeitando-se os fundamentos da atual política econômica. Nada foi colocado à sociedade além da proposição Parceria Público-Privada – PPP, a qual depende ainda de discussão e aprovação no Congresso Nacional.
Portanto, continua presente a pergunta colocada no início desse ensaio: é possível esperar uma melhora expressiva das condições do mercado nacional de trabalho a partir de 2004?

A resposta positiva depende da capacidade do governo sinalizar claramente as pistas para uma trajetória de crescimento mais acelerado. Como se procurou apontar nessas notas, não há evidências que o governo tenha condições de apresentá-las prontamente. E, desse modo, cabe ao governo dizer à nação quais os instrumentos da política atual que podem consolidar as expectativas adequadas para a recuperação do investimento necessária para a aceleração da taxa de crescimento. Sem que isso ocorra, não haverá melhora significativa do mercado nacional de trabalho e nem da renda. O desafio está com o governo e cabe a ele mostrar a sociedade que sua política é suficientemente eficaz para dele dar conta.


Claudio Salvadori Dedecca é professor do Instituto de Economia da Unicamp

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