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Jornal da Unicamp - Março/Abril de 2000


Páginas 10-11

EXTENSÃO
Religião e Revolução

Em palestra na Unicamp, Frei Betto procura mostrar aos jovens
do MST que o cristianismo é libertador

LUIZ SUGIMOTO

"
Odeio todos os deuses!" A afirmação de Marx, lembrada por um jovem militante sem-terra, não era provocação a Frei Betto. Os 953 participantes do 2º Curso sobre Realidade Brasileira sediado pela Unicamp, vindos de assentamentos e acampamentos do MST de quase todo o país, ouviram atentamente a aula do teólogo dominicano sobre "A utopia de uma nova sociedade", e agora queriam saber dele como Cristo guiaria seus seguidores até um mundo mais igualitário.

O ceticismo religioso predominante na maior parte da esquerda marca também a vida desses jovens, que ostentam boinas de Che Guevara com orgulho e vêem no guerrilheiro cubano e em Carlos Marighela seus deuses da luta armada. A religião é apenas mais um aspecto obscuro, frente à indefinição de pensamentos refletida em um banner pendurado no ginásio, onde se viam, lado a lado, as figuras de Lênin, Olga Belinário, Che, Mao, Marx e Engels, próximas a outro cartaz, com uma citação de Dom Hélder.

"Não dava para unir religião e revolução na época de Marx, porque a Igreja estava toda do lado da opressão", admitiu Frei Betto. "Eu também odeio os deuses do sistema capitalista. Sigo o Jesus da libertação e não o do banqueiro, do latifundiário. Só posso invocar o Pai Nosso se o pão é nosso, não só meu".

Frei Betto explicou que a idéia de socialismo vem da Bíblia e é anterior a Cristo, desde que o povo hebreu passou a se organizar em comunidades, em assentamentos, ao longo da caminhada para a Terra Prometida. O religioso lembrou que Jesus e sua comunidade significaram o primeiro grande ato de socialismo. "O cristianismo cresceu porque todos os desamparados que chegavam à comunidade, ali recebiam direitos: ‘de cada um, segundo a sua capacidade, e a cada um, segundo a sua necessidade’, é o lema do socialismo".

Aos compenetrados militantes, Frei Betto advertiu que "jamais faremos revolução nesse país se não assumirmos nossas raízes cristãs". E, ele próprio, participante da luta armada, relembrou: "Tínhamos armas, dinheiro (tomado dos bancos) e ideologia, mas fracassamos por um detalhe: não tivemos apoio do povo. Sem respaldo popular, a luta não leva a lugar algum. É preciso congregar os valores positivos do povo e um deles é a religiosidade. A linguagem religiosa chega à população muito mais rapidamente que a linguagem política. Logo, é fundamental perceber a dimensão da fé popular", ensinou.

Agradecendo o presente que recebeu de um militante, um livreto, o teólogo atentou que ali estava impressa a imagem de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, que, por ser uma santa negra, foi a escolhida dos oprimidos. E insistiu que o cristianismo é libertador, mesmo que muitas vezes a fé tenha servido de arma para os opressores. "Os demônios também crêem".

Até o próximo verão

O certificado de conclusão do Curso sobre Realidade Brasileira recebido por quase mil jovens sem-terra, após dez dias de aulas e debates com professores ilustres, não servirá apenas para ser emoldurado e pendurado na parede: é uma carta-compromisso de que tudo o que foi aprendido será repassado aos companheiros de assentamento em seus Estados.

"Educação, para nós, não significa apenas escolaridade, mas formação de cidadãos conscientes da responsabilidade de mudar o Brasil, de uma juventude que nunca seja dominada", afirmou João Pedro Stédile, líder nacional do MST e um dos palestrantes do curso. "Devemos dominar o conhecimento e formar quadros com maior qualidade que os da burguesia", completou Gilmar Mauro, coordenador estadual do Movimento, na cerimônia de entrega do certificado.

Por preconizar a formação do espírito crítico, o próprio MST vem se encarregando de oferecer educação nos assentamentos, em quatro frentes: a educação infantil, a de 1º grau, a de jovens e adultos, e, uma quarta, por meio de cursos propiciados pela abertura das universidades. Atualmente são 100 mil estudantes e 1,5 mil professores em 1,5 mil assentamentos no país.

A polêmica alimentada na mídia durante o primeiro curso para os sem-terra na Unicamp, em julho do ano passado, acabou contribuindo para que outras universidades cedessem seus espaços para os jovens militantes, a exemplo das federais de Juiz de Fora e do Pará.

Outras instituições, como a Unijuí (RS) e Estadual do Mato Grosso, já oferecem cursos superiores de pedagogia para turmas do MST. Aqui na Unicamp, entre 9 de março e 18 de abril, pequenos produtores rurais assentados estão passando por um curso de capacitação para gestão de cooperativas. O terceiro curso para jovens já está confirmado pelas pró-reitorias de Desenvolvimento Universitário e de Extensão e Assuntos Comunitários: será no início de 2001, devendo se repetir em todo verão.

Tempo para o lazer

Metade dos sem-terra presentes à Unicamp tem entre 14 e 20 anos de idade, o que em nada afetou a disciplina que já se tornou marca do MST, seja numa invasão, manifestação ou evento cultural. A disciplina imperava desde a concentração matinal - na entoação de cânticos do Movimento - até a hora de recolher, depois da limpeza completa do Ginásio Poliesportivo.

"Trouxemos um maior número de adolescentes em relação ao curso anterior, mas a seriedade nos estudos e no cumprimento das outras atribuições foi a mesma", orgulhava-se Adelar Pizetta, coordenador da Escola Nacional "Florestan Fernandes", responsável pela seleção dos participantes.

Essa austeridade fez parecer bastante oportuna a advertência de Frei Betto durante sua palestra, a respeito da importância do lazer na vida do militante. "Sem lazer você acaba se desumanizando. O lazer ajuda a oxigenar o espírito e a quebrar distâncias entre as pessoas. Não devemos ter pudor em festejar, em comemorar as alegrias".

Bom conselho, mas desnecessário. Via-se muita seriedade durante as aulas sobre história e situação da agricultura no Brasil, reforma agrária e movimentos camponeses, política de dominação via drogas, desafios na construção de um projeto popular, a vida de lutadores históricos e direito da propriedade. Contudo, a cada intervalo os jovens sem-terra cantavam em coro suas músicas favoritas e todas as noites, como qualquer adolescente, vibravam com shows e espetáculos teatrais.

Na ato de encerramento, eles protagonizaram um espetáculo belo e sensual. Começaram recitando poesias em que a palavra "tesão" servia como mote e terminaram com um show de expressão corporal, em que casais simulavam refregas de amor.

Os sem-terra também fizeram arte ao produzir um painel multicolorido e carregado de significados, sob orientação do artista plástico Dan Baron, do País de Gales: de um lado, marcas dos pés de cada participante; de outro, peças das próprias roupas. Os jovens do MST são singelos.

Cultura não é inteligência

A escola está em crise, porque nada é mais cartesiano e newtoniano do que a escola. Se os paradigmas da modernidade entram em crise, a escola também entra em crise. E por que a escola entra em crise? São Tomás de Aquino tem uma frase que gosto muito: "A razão é a imperfeição da inteligência". Ou seja, a inteligência vem de intus leggere (ser capaz de ler dentro). Há pessoas analfabetas que são sumamente inteligentes. Inteligir uma situação não depende propriamente de cultura, depende de sensibilidade, de intuição, daquilo que a Bíblia chama de sabedoria. E hoje constatamos que a escola nos torna cultos, mas não nos torna necessariamente inteligentes.

Passei 22 anos nos bancos escolares, e a escola nunca tratou dos temas limites da vida, nunca falou de experiências pelas quais passamos, se não por todas, pelo menos pela maioria, nunca falou de doença, nunca falou de fracasso, nunca falou de ruptura de laços afetivos, nunca falou de dor, nunca falou de morte, nunca falou de sexualidade e, se falou de religião, nunca falou de espiritualidade. Ou seja, temos uma escola tipicamente cartesiana, barroca. É como aqueles anjos das igrejas de Minas Gerais e da Bahia, que só têm cabeça, o resto é uma massa disforme.

Nossa escola cartesiana acha que devemos saber como são os conceitos da física, mas saímos da escola sem saber consertar automóvel, televisão, geladeira, pregar botão na camisa, cozinhar um ovo, fazer café. Não somos preparados para prestar primeiros-socorros, para fazer coisas absolutamente triviais do nosso cotidiano, porque a escola separa a cabeça das mãos, não nos abarca na totalidade, na formação do ser como tal para a vida. Ela dá instrumentos de compreensão e modificação da natureza, que constituem a cultura, mas não propriamente de uma interação com a natureza.

(Palestra de Frei Betto na Federação do Comércio do Estado de São Paulo, em 20/11/97)


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