| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 396 - 26 de maio a 1o de junho de 2008
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Alimentos e biocombustíveis

Antonio J. A. Meirelles

O professor Antonio J. A. Meirelles, da FEA.Após um período de avaliação, em geral, muito positiva, os biocombustíveis passaram a ser questionados de forma bastante intensa, com a ênfase colocada no possível conflito entre a produção de energia e de alimentos. A conseqüência direta da disputa pelo mesmo espaço de produção seria a elevação dos preços de diversas matérias-primas agrícolas, com impacto imediato no custo de alimentação dos setores menos favorecidos da população. Com menor repercussão, mas igualmente relevantes, outros questionamentos vem sendo levantados, associados seja ao impacto negativo sobre o meio ambiente de uma expansão acelerada da agricultura, seja aos riscos de uma especialização nacional em produtos primários.

Dilemas como estes, pelo menos no caso brasileiro, deveriam ser analisados à luz de uma experiência de mais de 30 anos na produção de bioetanol. Apesar dos equívocos que se possa atribuir ao Pró-Álcool, o certo é que o êxito obtido parece hoje inegável. Baseado, desde seu início, no binômio Alimentos e Energia, o Pró-Álcool aumentou a flexibilidade da produção sucro-alcooleira, viabilizando uma enorme ampliação das escalas de produção e um rápido processo de incorporação, aperfeiçoamento e desenvolvimento de tecnologias. O resultado foi a expansão da produção de açúcar a uma taxa anual de 4,6% e a de álcool a 9,5% nos últimos 36 anos.

Se colocarmos o total de açúcar e de álcool produzidos no país em uma base única, expressa na forma de álcool hidratado equivalente por hectare de área plantada, pode-se estimar que a produtividade agroindustrial do setor sucro-alcooleiro cresceu, desde o início do Pró-Álcool, a uma taxa anual de 3,8% (vide Nastari, 2005). Este índice é o resultado de significativos ganhos de eficiência produtiva: ganhos na quantidade de cana por hectare, de 53 toneladas em 1977 para 80 em 2003, no teor de açúcar contido nesta cana, de 9,5% para 14%, no rendimento da extração, de 88% para quase 98%, no tempo de fermentação do caldo, que caiu a quase ¼ do valor vigente no início do período, e no teor final de álcool no vinho, o qual praticamente duplicou durante estes quase 30 anos (vide Amorim e Lopes, 2005).

A expansão da produção sucro-alcooleira deslocou outras culturas agrícolas ou ocupou terras utilizadas anteriormente pela pecuária, mas, apesar de todo seu crescimento, a lavoura canavieira ocupa atualmente cerca de ¼ da área utilizada pela soja, menos da metade daquela ocupada pelo milho e pouco menos de 10% do total de área atualmente cultivada no país. Por sua parte, este total corresponde a cerca de 20% dos mais de 300 milhões de hectares considerados como agricultáveis no território nacional. Desta forma, o espaço ocupado pela cana para o fim exclusivo de produção de bioetanol corresponde a menos de 1% da terra agricultável nacional, já que a produção de açúcar e de álcool divide, de forma aproximadamente igual, a quantidade total de cana cultivada. À luz destes dados não parece muito provável um conflito entre alimentos e combustíveis pela terra agrícola nacional.

Por outro lado, a expansão da produção de biocombustíveis terá outro tipo de efeito na economia brasileira: ao ampliar significativamente a escala do negócio agroindustrial e reduzir os custos unitários de produção, aquela expansão deverá viabilizar economicamente a produção de diversos outros bioprodutos para alimentar vários segmentos industriais. A recente parceria entra grandes empresas químicas e usinas tradicionais para a produção do “plástico verde” (polietileno derivado do etanol) indica uma trajetória cada vez mais provável para vários bioprodutos.

A combinação da produção de óleos vegetais e biodiesel deverá não só repetir o sucesso do binômio açúcar e álcool, como também ampliar o leque de possíveis bioprodutos a serem gerados de matérias-primas agrícolas (vide Schuchardt et al., 2001). A transformação das unidades agroindustriais em biorrefinarias, capazes de produzir uma gama variada de insumos renováveis e se constituindo em um segmento industrial de base biotecnológica, é uma possibilidade colocada no horizonte de nosso desenvolvimento econômico.

De fato, pela disponibilidade de terras agricultáveis, por possuir uma agroindústria já madura, por ter uma mão-de-obra especializada com capacidade comprovada de desenvolver tecnologias agrícola e industrial próprias, por possuir um setor produtor de bens de capital para a agroindústria já desenvolvido, e pelos mais de 30 anos de experiência acumulada com a produção conjunta de alimentos e biocombustíveis, o Brasil parece ser na atualidade o país que reúne as melhores condições para viabilizar uma trajetória deste tipo.

Não há dúvida de que tal evolução aumentará a pressão sobre a agricultura, requerendo uma contínua elevação de sua produtividade, mas os benefícios que gerará no longo prazo não estão somente associados ao desenvolvimento econômico, tecnológico e social, como também à garantia de uma maior sustentabilidade deste desenvolvimento, do ponto de vista ambiental, já que tal evolução significará transitar para uma economia crescentemente baseada em recursos renováveis.

Vale, por fim, mencionar que a elevação dos preços de diversas commodities agrícolas, observada nos últimos anos, está, por um lado, associada a um aspecto positivo da evolução recente da economia mundial: a saber, a incorporação de enormes contingentes populacionais, em particular na China e Índia, mas também no Brasil e em outros países de desenvolvimento, a melhores padrões de consumo. Por outro lado, aquela elevação foi também ocasionada pela própria política de barreiras alfandegárias e de subsídios à agricultura, inclusive para a produção de biocombustíveis, praticada na União Européia e nos Estados Unidos. Trata-se de uma política que, sem dúvida, inibe o desenvolvimento agrícola nos países tropicais, exatamente onde ainda há grandes estoques de terras não utilizadas, e que acaba por dificultar que a exitosa experiência agroindustrial brasileira se dissemine por outros países latino-americanos e africanos.

Antonio J. A. Meirelles é professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp (FEA).

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