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Obra de professora do IFCH analisa mudanças
registradas ao longo dos mandatos de Collor e FHC


Livro demonstra como
reforma trabalhista flexibilizou
direitos e fragilizou sindicatos

MANUEL ALVES FILHO

A professora Andréia Galvão: “Misturava-se a questão dos direitos trabalhistas com a da organização sindical, como se fossem a mesma coisa” (Foto: Antoninho Perri)Empreendida sob os auspícios do neoliberalismo, a reforma trabalhista executada no Brasil entre 1990 e 2002 atuou muito mais no sentido de alterar a legislação para flexibilizar os direitos dos trabalhadores do que no de promover mudanças na organização sindical. Isso se deveu, entre outros aspectos, por causa da maior convergência dos agentes sociais em torno do primeiro tema do que em relação ao segundo. A constatação está no livro Neoliberalismo e reforma trabalhista no Brasil, de autoria de Andréia Galvão, professora do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Lançada recentemente, a obra é um desdobramento da tese de doutorado da docente.

Papel de agentes sociais é investigado

O livro de Andréia Galvão analisa os processos de discussão acerca da reforma trabalhista implementada entre os governos de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, período no qual a política neoliberal fincou raízes e floresceu no país. A autora também reflete sobre a posição assumida pelos agentes sociais envolvidos no debate, a saber: Executivo, Legislativo, centrais sindicais e organizações patronais. “A documentação que investiguei indica que, nesse período, havia muita confusão quando se falava de reforma trabalhista. Misturava-se a questão dos direitos trabalhistas com a da organização sindical, como se fossem a mesma coisa e como se os interesses em jogo também fossem os mesmos”, explica a docente do IFCH. A razão para esse tipo de equívoco, segundo ela, é o fato de os temas estarem contemplados na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Barracas na região central de Campinas: segundo a autora do livro, algumas das "medidas surgiram como panacéia para os problemas do desemprego e da informalidade" (Foto: Antoninho Perri)

Na obra, a autora procura demonstrar que os assuntos não apenas eram diferentes, como distintos eram os posicionamentos das diversas partes envolvidas. Conforme Andréia Galvão, no período analisado por ela os debates deram ênfase à dimensão trabalhista, deixando a organização sindical em segundo plano. No que toca à legislação, todo o movimento foi na direção da restrição de direitos dos trabalhadores. No governo FHC, por exemplo, foram introduzidas formas de contratação atípicas. Surgiram os contratos parciais e ampliaram-se as possibilidades de contratação por prazo determinado. Também foram inseridas no novo cenário as comissões de conciliação prévia, consideradas pela pesquisadora como formas de privatizar o julgamento dos conflitos e de inibir o acesso do trabalhador à Justiça. “Essas medidas estão relacionadas à ideologia e à política neoliberal, que as apresentavam como panacéia para os problemas do desemprego e da informalidade”, diz.

Tal discurso, prossegue Andréia Galvão, foi defendido inicialmente pelas organizações patronais, notadamente a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Posteriormente, foi incorporado pelos candidatos à Presidência, membros do Legislativo e até mesmo do movimento sindical. Por fim, foi contemplado pela legislação. A Força Sindical, considera a docente, cumpriu papel importante na adesão dos trabalhadores da sua base de representação a essa lógica. A entidade, afirma, ajudou a vender a imagem de que as mudanças seriam positivas para a classe trabalhadora, na medida em que a supressão de direitos seria compensada por outros ganhos, como a possibilidade de os empregados tornarem-se acionistas das empresas. “A própria Força Sindical sugeriu medidas nesse sentido ao governo FHC”.

Na avaliação da autora do livro, a aglutinação de forças em torno do projeto neoliberal é que criou as condições necessárias para a execução da reforma nos termos que conhecemos, marcadamente na dimensão trabalhista. “O mesmo não aconteceu com a questão da organização sindical, justamente porque havia – e ainda há – uma grande divisão entre os agentes sociais”, sustenta. Os interesses em jogo, nesse caso, são muito díspares. As organizações patronais, informa Andréia Galvão, embora se digam contrárias à estrutura sindical, são beneficiárias do modelo atual. “A estrutura em vigor assegura tranqüilidade e previsibilidade a elas. Se algo mudar, essas organizações temem que as futuras negociações possam se complicar, o que traria instabilidade à relação capital-trabalho”, esclarece.

Muitos sindicatos, destaca a pesquisadora, não demonstram vontade de que haja mudanças, visto que o sistema de representação de interesses também constitui espaço de poder. “E isso é um prato cheio para as entidades de fachada ou de pouca atuação”, diz a cientista social. Ao longo dos 12 anos tomados para análise, assinala a autora do livro, as centrais sindicais adotaram posturas diferentes em relação à reforma trabalhista, mas nenhuma foi frontalmente contra o projeto neoliberalizante. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), de acordo com ela, demonstrou alguma resistência, mas enfrentou dilemas dentro da sua própria organização, em razão da multiplicidade de tendências ali abrigadas.

Uma prova disso foi o fato de sindicatos ligados à corrente majoritária Articulação Sindical terem adotado o banco de horas antes mesmo de haver legislação nesse sentido. “Isso significou a adaptação da jornada às flutuações do mercado, o que provocou perda de direitos, visto que as horas-extras deixaram de ser pagas”, explica a docente do IFCH. A Central Geral dos Trabalhadores (CGT), segundo ela, tinha um discurso de defesa dos direitos trabalhistas, mas na prática pouco fez para evitar mudanças na legislação, até porque jamais foi uma entidade tão atuante. “Na realidade, a CGT não queria mudança alguma, nem no aspecto trabalhista nem no da organização sindical”. A Força Sindical, como já foi dito, trabalhou em favor das alterações na esfera trabalhista, mas adotou postura diferente em relação ao modelo sindical.

O motivo desse comportamento é bastante claro, no entender da professora da Unicamp. De acordo com ela, quando se discute reforma sindical, também se aventam mudanças na unicidade sindical, ou seja, no monopólio da representação, bem como no financiamento das entidades, que está baseado nas contribuições compulsórias dos trabalhadores. “A Força Sindical cresceu graças a essa estrutura. Assim, o discurso em favor das mudanças sempre foi pró-forma”. Embora não tenha analisando a continuidade da reforma trabalhista no governo Lula em sua tese de doutorado, Andréia Galvão faz considerações sobre o período na apresentação de seu livro. A especialista assinala que a gestão do petista deu um novo encaminhamento ao assunto, separando a dimensão sindical da trabalhista. E decidiu iniciar as discussões pela primeira, sob o argumento de que é preciso ter sindicatos fortes para só depois negociar direitos.

Paralelamente, porém, o governo Lula tem adotado medidas pontuais no sentido de aprofundar a flexibilização de direitos dos trabalhadores. Exemplos: o contrato do primeiro emprego, que tem duração determinada, e a contratação por pessoa jurídica, que possibilita a dissimulação da existência de vínculo empregatício. Também foram promovidas alterações na Lei das Pequenas e Microempresas, conhecida como SuperSimples. “Atualmente, uma tendência em curso é a de diferenciar os direitos entre os trabalhadores das pequenas e grandes empresas, como se fossem cidadãos de primeira e segunda categoria. Além do impacto negativo que a alternativa poderá trazer para a classe trabalhadora, esse tipo de medida também deverá contribuir para fragilizar e conseqüentemente dificultar a resistência por parte dos sindicatos”, adverte a autora do livro.

Ao avaliar as tendências do atual governo, a pedido do Jornal da Unicamp, Andréia Galvão infere que a perspectiva é de que este busque aprofundar a reforma na esfera trabalhista, deixando a questão sindical em banho-maria. “Com o recente reconhecimento das centrais sindicais e com o repasse do imposto sindical assegurado, a ânsia que alguns tinham em relação a mudanças foi aplacada. Dificilmente algo mudará nesse sentido”, pondera.

SERVIÇO

Título: Neoliberalismo e reforma

trabalhista no Brasil

Autora: Andréia Galvão

Editora: Revan/Fapesp

Número de páginas: 344

Preço sugerido: R$ 46,00

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