| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 396 - 26 de maio a 1° de junho de 2008
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Ex-ministro de Minas e Energia e ex-presidente
da Petrobrás, Shigeaki Ueki analisa o setor energético


‘Vivemos hoje o
terceiro choque do petróleo’

ÁLVARO KASSAB

O consultor e empresário Shigeaki Ueki, ex-presidente da Petrobras, durante palestra que abriu na Unicamp as comemorações do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil (Foto: Antoninho Perri)O consultor e empresário Shigeaki Ueki, ex-ministro de Minas e Energia (1974-1979) do governo Geisel e ex-presidente da Petrobras (1979- 1985), abriu no último dia 20 as comemorações, na Unicamp, do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, com a palestra “Energia – perspectiva sobre petróleo, gás natural e outras fontes de energia no Brasil”. Segundo ministro nissei do Brasil – o primeiro foi Fábio Yassuda, no governo Médici – Ueki analisa, na entrevista que segue, o setor energético do país.

Jornal da Unicamp – Na condição de um dos responsáveis pela implantação do Proálcool, a que o senhor atribui as críticas à produção de biocombustíveis?

Shigeaki Ueki – Trata-se de uma pergunta difícil de ser respondida. A primeira crítica que deveria ser feita seria contra a elevação muito alta do preço do petróleo. Foi justamente essa alta que gerou a busca por alternativas, entre as quais os biocombustíveis – como o etanol, o biodiesel etc. Assim, a crítica deveria ser endereçada aos produtores de petróleo...

Por outro lado, ultimamente, o dólar ficou enfraquecido, e todas as commodities atreladas à moeda sofreram uma alta muito grande. Como os países pobres precisam importar alimentos, representantes de órgãos internacionais e ecologistas resolveram adotar um discurso solidário, e as críticas recaíram sobre os produtores de etanol. Mas, me parece, elas foram mais agudas contra os produtores norte-americanos, que usam milho para produzi-lo. O preço do milho, que é matéria-prima para a cadeia, praticamente dobrou. Conseqüentemente, subiu o preço da carne bovina, do frango, do porco e de muitos alimentos, inclusive no Brasil. Houve, portanto, uma combinação do aumento do preço do petróleo e dos alimentos.

Acredito que o presidente Lula respondeu muito bem às críticas. Na realidade, nós estamos usando uma parte pequena do nosso território para a produção do etanol e, ao mesmo tempo, do açúcar, que é um alimento importante – somos o maior produtor mundial, exportando o produto para vários países. Na minha maneira de ver, essas críticas são absolutamente improcedentes.

JU – Há quem veja o dedo de especuladores nas críticas. O senhor acha essa tese fantasiosa?

O consultor e empresário Shigeaki Ueki, ex-presidente da Petrobras, durante palestra que abriu na Unicamp as comemorações do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil (Foto: Antoninho Perri)Ueki – Não é fantasiosa. Eu acredito que exista especulação. Lógico que quem perdeu dinheiro vai especular, sem dizer daqueles que querem lucrar. O mercado futuro é muito poderoso. O volume movimentado é muito maior que o do mercado físico, mesmo nas áreas do petróleo e do milho.

JU – Quando ministro, o senhor enfrentou duas graves crises no setor petrolífero. Hoje, o preço do barril bateu em 130 dólares. Há que aposte em 200 dólares o barril até o final do ano. Na condição de consultor da área, que cenário o senhor descortina?

Ueki – Acho que o preço do petróleo pode chegar a esse patamar de 200 dólares se acontecer algum fato grave num país exportador importante. O consumo é muito grande, ninguém tem capacidade de estocar petróleo em grande quantidade. Então, se na fonte de produção de um país exportador houver algum problema – um conflito bélico, o rompimento de um oleoduto ou um incêndio em um porto etc –, o preço pode disparar. Mas se subir de uma forma muito acentuada, não será por um período muito longo. Vivemos hoje o terceiro choque do petróleo.

JU – O senhor acha que a tendência é de estabilização ou recuo?

Ueki – Acredito que há uma grande possibilidade de o preço recuar. A economia mundial, que crescia a 5%, pode cair para um patamar de 3%. Se isso ocorrer, não há como sustentar o preço do petróleo nas alturas. Da mesma forma, portanto, que existe a possibilidade de chegar a 200 dólares, é grande a chance de despencar abaixo dos 100 dólares, sobretudo se cair o consumo no mercado mais importante, que é constituído pela Europa, Estados Unidos, Japão e China.

JU – Afora as questões mercadológicas, que avaliação o senhor faz das fontes energéticas que podem substituir o petróleo?

Ueki – Em razão dos preços, acredito que o mundo inteiro vai procurar fontes alternativas para reduzir essa dependência. Entre essas fontes, está a energia nuclear. Muitos países, por exemplo, estão retomando seus programas nucleares. Esse tipo de energia é responsável, hoje, por 17% da eletricidade no mundo. A França, para ficar num exemplo, tem 70% de sua energia elétrica gerada por meio de energia nuclear. Trata-se de um país que praticamente não queima petróleo nem gás natural. Acredito também que alguns combustíveis que estavam condenados, como o carvão mineral, também serão utilizados.

JU – E as fontes alternativas?

Ueki – Outras fontes, como a eólica e a solar, não chegam a ter um peso significativo. Pode ser que amanhã, com uma tecnologia mais avançada, elas ocupem um espaço maior.

JU – E os biocombustíveis?

Ueki – Há uma produção mundial bastante significativa, principalmente nos Estados Unidos e no Brasil. Os dois países, juntos, já produzem etanol em quantidade excepcional. Trata-se de uma contribuição muito significativa, sobretudo porque o etanol substitui a gasolina.

Infelizmente, temos que considerar que o nosso país ainda é relativamente pobre. Nossa média de consumo de energia está abaixo da média mundial. Nosso consumo per capita está na faixa 1,2 mil quilos de petróleo por habitante/ano. Isso dá sete barris per capita. Países como Portugal e Espanha, por exemplo, já consomem o triplo dessa quantidade. Para efeito de comparação, a Argentina consome dez barris. Se compararmos com os Estados Unidos, a diferença é muito maior. Lá, consome-se cerca de 50 barris per capita. A energia, nesse contexto, é um parâmetro muito interessante para medir a qualidade de vida de um povo.

Outro aspecto importante é o fato de o petróleo, por ser a fonte mais importante de energia, funcionar como indexador. Se o preço do petróleo sobe, eleva-se também o preço do carvão mineral, do gás natural e assim por diante. Isso tudo leva em conta o custo de transporte e a forma de energia consumida. Quando o petróleo era barato, o peso da energia na economia mundial girava em torno de 5%. Se você tivesse um PIB de 1 trilhão de dólares, como é o caso do Brasil de hoje, o setor energético tinha um peso de 50 bilhões de dólares.

JU – E hoje?

Ueki – Com o aumento do preço do petróleo hoje, o peso da energia está chegando a 10%. No mundo de hoje, por exemplo, o PIB gira em torno de 50 trilhões de dólares – conseqüentemente, a energia tem um peso de 5 trilhões de dólares. É por causa da energia, portanto, que sobe o preço dos alimentos. Até eles chegarem na gôndola do supermercado, o caminho é longo no que diz respeito ao consumo. Vem daí a importância da energia hoje no mundo.

JU – A Petrobras se tornou a sexta maior empresa do mundo em valor de mercado. Nesse contexto, que avaliação o senhor faz das jazidas descobertas no país. O que elas podem representar estrategicamente para o país?

Ueki – Na minha opinião, a Petrobrás ainda vai encontrar mais reservas de petróleo. A bacia onde foram encontradas as jazidas têm 200 quilômetros de largura por 200 quilômetros de comprimento... Essas descobertas são da maior importância para o Brasil. Se nós hoje temos subconsumo de petróleo, no futuro essa realidade vai mudar. Para termos a qualidade de vida dos japoneses e dos europeus, precisaremos de mais ou menos quatro vezes mais de energia do que aquela que consumimos hoje. No futuro, precisaremos de muito mais. Quando um país alcança um determinado patamar de crescimento, a demanda por energia fica estabilizada.

JU – O Brasil é ou não auto-suficiente?

Ueki – É em termos de volume, mas não em valor. Isto porque nós exportamos petróleo bruto, mas importamos derivados. Por outro lado, podemos dizer que somos auto-suficientes porque somos exportadores de aço e de alumínio, cujo consumo energético é muito alto. Agora, se pegarmos apenas o petróleo e o carvão, ainda somos dependentes, embora numa porcentagem muito pequena. Quando eu era ministro, dependíamos quase 80% das importações. Hoje, essa dependência está na casa dos 10%. Entretanto, vamos repetir: trata-se de uma auto-suficiência com consumo doméstico baixo, em razão da nossa pobreza. Por isso a importância dessas novas descobertas. Com elas, podemos enfim dizer que Deus ficou brasileiro...

Quem é

Paulista de Bastos, Shiegeaki Ueki nasceu em 15 de agosto de 1935. Formou-se em Direito, em 1959, pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Foi assessor do Ministério da Indústria e Comércio durante o governo do Castelo Branco. Em 1969, foi nomeado diretor de Comercialização da Petrobras, sendo responsável por toda a área de relações internacionais da empresa. Assumiu a presidência da Petrobras Distribuidora e passou a integrar os conselhos de empresas subsidiárias e associadas. Foi empossado ministro de Minas e Energia em março de 1974 e, em 1979, presidente da Petrobras, onde ficou até 1985. Voltou à iniciativa privada e atua como consultor no setor energético.

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