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Economia fluminense
Combate à exploração sexual
Para o MÍNIMO voltar a
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Oportunidades
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Exercícios na água
Língua de sinais
Ilha dos hemafroditas
 

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Para o MÍNIMO voltar
a ser GRANDE



ÁLVARO KASSAB

Abertura do Seminário Salário Mínimo e Desenvolvimento, realizado nos últimos dias 28 e 29: Unicamp contribui para a formulação de políticas públicas (Fotos: Antoninho Perri)O salário mínimo é importante para o crescimento da economia, cumpre um papel fundamental na distribuição de renda e deve ser recuperado a médio prazo. Essas foram, em linhas gerais, as principais conclusões tiradas do Seminário Salário Mínimo e Desenvolvimento. O encontro reuniu na Universidade, nos últimos dias 28 e 29, três dezenas de representantes da academia, do governo e de sindicatos. Mais que organizar e sediar o evento, o Instituto de Economia (IE) da Unicamp dá uma importante contribuição para que o tema volte a ser prioritário na formulação de políticas públicas.

As teses expostas no encontro serão publicadas em livro que vai subsidiar a agenda da Comissão Quadripartite do Salário Mínimo, instituída por decreto pelo governo federal e que deve ser instalada na próxima semana. Nesta e nas próximas duas páginas, cinco professores que participaram do seminário fazem uma análise do peso do salário mínimo hoje na sociedade brasileira. Cláudio Dedecca (IE-Unicamp), José Dari Krein (IE-Unicamp), Lena Lavinas (UFRJ), Paulo Baltar (IE-Unicamp) e Tarcísio de Araújo (UFPe/ABET) concordam num ponto: a retomada da elevação do salário mínimo contribuiria para a construção de uma sociedade mais justa.



Lula prometeu na campanha que duplicaria o valor real do mínimo ao longo do mandato. Isto é factível?

Cláudio Dedecca – Não haveria nenhuma possibilidade de duplicar o salário mínimo, por vários motivos. Em primeiro lugar, porque o mínimo vinha sendo depreciado há muito tempo. Reverter esse movimento não seria fácil, mesmo porque seria necessária uma ampla discussão sobre o assunto. Em segundo lugar, o país está há 20 anos estagnado. Isto significa uma situação de deterioração, de perda de qualidade em termos de desempenho econômico. É necessário, portanto, articular a recuperação do salário mínimo ao desempenho da economia em termos de aumento da produtividade e de aumento de emprego. É totalmente diferente discutir hoje a recuperação do mínimo, se comparado à década de 70, quando a economia vinha crescendo e as condições eram muito favoráveis. Hoje, a conjuntura reduz a possibilidade de tornar factível essa proposta que o presidente Lula havia defendido. Reduz a tal ponto, que ele prontamente abandonou a promessa da campanha.

Platéia acompanha debate durante o Seminário Salário Mínimo e Desenvolvimento, no Auditório Zeferino Vaz, no Instituto de Economia da Unicamp: encontro reuniu docentes, pesquisadores, sindicalistas e representantes do governo Tarcísio de Araújo – Você não pode querer resolver, em economia, todas as coisas com um único elemento. Não acredito que, com o salário mínimo, serão solucionados os problemas de distribuição de renda. De fato, se você quiser duplicar o valor do salário mínimo, corre o risco de gerar mais desemprego e maior informalidade no mercado de trabalho. Isto teria de estar combinado a outras medidas. É importante destacar, nesse contexto, as diferenças regionais. Uma coisa é você falar em São Paulo e Rio Grande do Sul, outra é falar em Nordeste, onde o salário mínimo tem um peso muito maior.

Paulo Baltar – Não há dúvida de que é importante elevar o salário mínimo, embora não seja apenas uma questão de fixar seu valor nominal. Outras coisas precisam ser feitas para garantir o poder de compra do salário. Antes, pensávamos sobretudo na cesta básica e em alguns alimentos e produtos. Hoje, depois da privatização, os preços dos serviços de utilidade pública ficaram tão importantes quanto à cesta básica para o cotidiano das pessoas. Por outro lado, associado ao baixo salário mínimo, temos no Brasil uma diversidade de remuneração do trabalho muito grande. É importante, portanto, a recuperação do ponto de vista de uma política que oriente um estreitamento dessas diferenças de remuneração. Não se trata apenas de elevar o salário mínimo, que por si só já é uma tarefa difícil, dura e necessária. Porém, não sei se é a melhor solução fixar um prazo de quatro anos para dobrar o valor do mínimo. Teremos reações contrárias e sistemáticas a uma política de recuperação. E não é só da parte de alguns empregadores, mas também de famílias, já que uma elevação vai afetar a remuneração de trabalhos de serviços pessoais e domésticos. É, portanto, uma tarefa difícil depois que o mínimo caiu a um nível tão baixo. É mais difícil restaurar o valor do salário do que ter de brigar para impedir essa queda. É fundamental, para uma política de redução das diferenças de rendimento do trabalho, conceber, junto com outras medidas, uma política sistemática e firme de elevação. Sem ela, não acredito que se consiga reduzir as diferenças.

Lena Lavinas – Queria lembrar que, informalmente, usa-se no Brasil a linha de meio salário mínimo per capita mensal, como linha de pobreza. Isto está inclusive instituído como parâmetro para a concessão de benefícios, como a LOAS, por exemplo. Uma família pobre com quatro membros, em média, vai ser colocada quase na linha da pobreza. Portanto, o salário mínimo per capita é um salário de indigência se levarmos em conta o parâmetro usado no Brasil.

O senhor (a) concorda que o mínimo perdeu visibilidade, deixou de ser bandeira da maioria dos sindicatos e cada vez mais é visto como mero elemento indexador?

Cláudio Dedecca: "Na briga por emprego, a estrutura salarial foi desvalorizada como um todo"José Dari Krein – A partir do momento que o salário mínimo deixou, por seu valor muito baixo, de ser referência de remuneração das categorias mais estruturadas, a luta principal dos sindicatos passou a ser em torno da recuperação do poder de compra dos salários em relação à inflação passada, menos em relação à recuperação do mínimo. Tanto que os sindicatos foram introduzindo progressivamente uma luta em torno do piso da categoria profissional, distinta do piso do salário mínimo. Em São Paulo, por exemplo, as categorias mais bem-estruturadas estão bem acima do salário mínimo. Estudo feito pelo Cesit em 2004 mostra que a categoria menos remunerada tinha 1.6 de salário mínimo. Por outro lado, algumas das categorias mais estruturadas se beneficiam de uma certa forma de serviços mais baratos, proporcionados exatamente pelo baixo valor do mínimo. Então não há, da parte desses setores, um grande interesse na elevação do salário mínimo, já que isso implica em aumento dos seus gastos com serviços pessoais. A bandeira em torno do mínimo sempre foi das centrais sindicais, mas não tem o poder de mobilização no conjunto do movimento sindical. É uma bandeira que está sempre presente no 1º de Maio, mas há poucas mobilizações efetivas em torno da elevação do salário mínimo, o que é um problema. Uma elevação significaria também uma redução do leque de rendimentos, criando solidariedade entre os trabalhadores no sentido de criar um padrão de remuneração que resulte numa condição de vida melhor do conjunto do assalariado. A desestruturação do mercado de trabalho também deixou o sindicalismo mais fragilizado. Num processo de crise acentuada, a tendência geral é a de preservação do emprego. Cabe ressaltar, nesse contexto, o papel da CUT e de outras centrais sindicais, que em dezembro mobilizaram os sindicatos por meio de uma marcha nacional que resultou na incorporação, no orçamento, de um valor do salário mínimo acima daquele proposto pelo governo, que era de R$ 283,00.

Paulo Baltar: "Com o nosso grau de heterogeneidade, não podemos jamais abrir mão de uma política distributiva"Cláudio Dedecca – O outro problema é que, de 1990 para cá, você tem um efeito de esmigalhamento progressivo do mercado de trabalho formal – que já era problemático e heterogêneo –, sobretudo nas categorias mais importantes, onde estão os sindicatos. Isso provocou o deslocamento para um segundo plano da bandeira principal, que era a questão da renda. A grande bandeira passou a ser a defesa do emprego. Tanto é que a perda salarial, nos últimos 14 anos, foi muito violenta. Esse é um elemento relevante para entender porque o salário mínimo foi rebaixado. O emprego virou um elemento-chave. Um exemplo é a categoria dos bancários: em 1990, tinha 1 milhão de trabalhadores; no final da década, este número caiu para 400 mil... Em cada dez, sobraram quatro...Na indústria, de um modo geral, aconteceu algo parecido. Tudo isso deslocou o debate do salário para a questão do emprego.

Paulo Baltar – A desestruturação, a redução e a informalização do emprego colocaram a classe trabalhadora na defensiva. Acredito que, se implementada uma política de governo que sinalize com toda a clareza um comportamento sistemático de aumento, você resgata a visibilidade do salário mínimo. Isto, provavelmente, vai relativizar essa idéia de levar o salário mínimo como indexador. Na medida que o salário mínimo recuperar de fato o seu valor, vai deixar de ser um indexador fácil. Qualquer barganha de piso salarial de categoria que queira se referir ao mínimo, caso ele esteja em processo de elevação, o empregado vai ter uma resistência e a negociação vai ser duríssima. Duvido que se mantenham essas referências com tanta facilidade como se mantêm hoje devido à banalização do salário mínimo como objeto de política. Caso esse objeto seja recuperado, muda o caráter do salário mínimo e vai aparecer toda a sua importância em termos de orientação para as diferenças das faixas salariais.


Num cenário marcado pela ortodoxia da política econômica, em que medida a elevação do mínimo pode alavancar o crescimento e a atividade produtiva?

Lena Lavinas: "Estamos aprendendo a conviver com esse nível mínimo de sobrevivência"Paulo Baltar – Não acho que o objetivo do salário mínimo seja a recuperação da atividade econômica. Os salários em geral, sim, podem ter um papel importante. O salário mínimo é um balizador importante das diferenças salariais e uma defesa dos mais baixos níveis de remuneração. E tornou-se, no Brasil, devido à sua desvalorização, uma referência para uma linha de pobreza, que em princípio se refere aos não-trabalhadores. O salário mínimo pode ser parte de um processo mais sistemático de retomada de crescimento, mas ele não é, por si só, um instrumento de ativação da economia. A própria recuperação do salário mínimo pressupõe um melhor desempenho da economia. O que pode ser um ativador da economia é o comportamento da massa salarial como um todo.

Cláudio Dedecca – Temos um achatamento da estrutura salarial hoje que está batendo quase em 40% do mercado de trabalho, o que significa que se o mínimo for elevado, você vai influenciar uma boa parte da estrutura salarial. Outro lado importante é a contribuição efetiva para a recuperação. Um aumento de renda significa gasto imediato, em especial na região Nordeste. Passa a ser um elemento alimentador do processo de expansão, porque fortalece o aumento da atividade produtiva. O aumento deste ano, por exemplo, terá um impacto grande. Voltando à pergunta anterior: como você teve de brigar por emprego, a estrutura salarial foi desvalorizada como um todo, concentrando muito hoje em torno do mínimo. De tal modo que, se for elevado o salário mínimo, você altera a massa de salários. Acho que terá um efeito importante.

José Dari Krein: "É preciso garantir ao trabalhador uma condição de sobrevivência mais digna"Lena Lavinas – Acho que estamos tentando ver em que medida o mínimo pode ser um mecanismo regulador do mercado de trabalho, porque de alguma maneira ele perdeu essa função. Acho que é possível resgatar, como disse o Baltar, se houver realmente uma política de recuperação. Existem hoje propostas na mesa. Isto pode ser uma política pública importante. Trata-se de um mecanismo de redistribuição, mas que recupera a dimensão de mecanismo regulador que se perdeu. O achatamento é absolutamente dramático. Isto gera a segmentação – quem ganha em torno do mínimo hoje é o trabalhador pobre, e sabemos que o número de trabalhadores pobres, no Brasil e na América Latina, é muito alto. Na verdade, os pobres não são aqueles que estão fora do mercado de trabalho, mas sim aqueles que trabalham, que ganham muito pouco e têm um número grande de dependentes.

Paulo Baltar – E isso no capitalismo é gravíssimo. Quando não é possível distinguir o trabalhador do pobre, como está ocorrendo agora, acontecem coisas muito desagradáveis. A história está repleta de casos.

Lena Lavinas – De cada 10 trabalhadores, sete são pobres. Destes, cinco são pobres porque têm alta razão de dependência de salário baixo.

Até que ponto o aumento do salário mínimo pode atenuar os efeitos da desigualdade social e colaborar para uma distribuição de renda mais justa?

Tarcísio de Araújo: "É preciso pôr o salário mínimo numa cesta mais ampla"Lena Lavinas – Sempre que vem qualquer aumento do salário mínimo, argumenta-se imediatamente que ele é alto, colocando em xeque os demais mecanismos redistributivos que temos como, por exemplo, as aposentadorias. No Brasil de hoje, segundo dados, 65% de todos os benefícios pagos pelo INSS são na quantidade de um salário mínimo. Isto equivale a 37% do valor de todos os benefícios pagos. Trata-se realmente de um nível muito baixo. A maior parte das pessoas que ganha benefícios nesse país, previdenciários ou assistenciais, juntando todos os benefícios, recebe o valor de um salário mínimo, como as aposentadorias rurais LOAS. Dois terços recebem um salário mínimo. Então, qual é a discussão hoje: não pode aumentar o salário mínimo, porque, se aumentar, vai gerar déficit na Previdência...Sabemos que o sistema da seguridade social tem uma fonte de financiamento hoje que é superativária, não é deficitária.

Se pegarmos todas as receitas, o que se discute é a desvinculação do mínimo, mesmo com todas as fontes que alimentam o financiamento da seguridade social, que não é apenas, em nenhum lugar do mundo, a contribuição direta dos trabalhadores ativos para os inativos, que tem recursos fiscais e uma série de outros impostos e taxas que entram nesse financiamento. O que é grave é que não só se achatou o mínimo a níveis nunca dantes vistos – essa dinâmica de desvalorização do salário mínimo é histórica, é uma tendência grave dos últimos anos –, mas também se observa que uma pequena recuperação real de 18% nos últimos 10 anos faz com que todos queiram desvincular as aposentadorias e os benefícios assistenciais do salário mínimo. É alegado que isto estaria gerando déficit, o que não é verdade, já que ele ainda não existe. Pode ser que ainda venha a existir.

Os idosos com mais de 60, 65 anos no Brasil não são mais que 15 milhões, ou seja, menos de 10% da população. O problema do Brasil não é este, é outro. É uma primeira questão importante: o aumento vem caindo e mesmo assim se quer desvincular benefícios futuros. Só que as pessoas pobres que contribuem com base em um salário mínimo, contribuem com 20% do mínimo. E sabemos que vem crescendo o número de contribuintes que chamamos de “outros contribuintes”, que são os individuais, que não são os empregados. Esse número vem crescendo um pouco – donas de casa, domésticas, o pessoal que tem mais instabilidade contribui nessa categoria. E contribui por um salário mínimo. Ou seja, estão pagando 20% e se quer que lá na frente se desvincule.

Isto é extorsão: as pessoas contribuem com base em um salário mínimo e o risco de que se desvincule o salário mínimo, que tem um mecanismo distributivo dado o grau de desigualdade nesse país, pode ocorrer a qualquer momento. Este é o maior risco que a gente tem com a recuperação real do mínimo. Na verdade, estamos criando um monstro: argumenta-se que não se pode valorizar o salário mínimo porque isso vai gerar déficit geral dentro da sociedade, nós não sabemos como vai funcionar e vai colocar em xeque o sistema previdenciário... Sabemos que o país não tem um sistema de proteção social. Noventa por cento das transferências de renda no país são previdenciárias, ou seja, só recebe alguma coisa quem contribuir.

Isto não é um sistema de proteção social, é outra coisa. Não há dinâmica redistributiva dentro do sistema de proteção social. O mais grave é que esse mecanismo que nós vimos nas áreas rurais com a previdência, com a LOAS, joga hoje 1% dos idosos com mais de 65 anos para abaixo da linha da indigência. Por quê? Porque hoje temos mais ou menos 900 mil idosos que recebem uma LOAS, um salário mínimo mensalmente, pois vivem em famílias muito pobres. Estamos aprendendo a conviver com esse nível mínimo de sobrevivência. Vivenciamos um impasse redistributivo gravíssimo.

Cláudio Dedecca – Trata-se de uma contradição. Se o mínimo não fosse tão desvalorizado, não haveria nenhum problema em elevá-lo. Nunca neste país teve tanta gente ganhando em torno de um salário mínimo, apesar de ser o valor mais desvalorizado. De tal modo, que se você elevar o salário mínimo, o efeito sobre a distribuição de renda deve ser brutal. Segundo o IBGE, em torno de 30% da renda do Brasil é proveniente da renda do trabalho. Essa renda é distribuída de modo profundamente desigual. A mediana hoje no Brasil está em torno de R$ 500. Isto significa o seguinte: se você elevar o mínimo para R$ 500, você joga abaixo do salário mínimo 50% da população ocupada, o que gera um efeito distributivo brutal.

Tarcísio de Araújo – Concordo com Paulo Baltar. É preciso pôr o salário mínimo numa cesta mais ampla. O Brasil nunca teve essa tradição. Até porque, para ter efeito distributivo, é preciso haver crescimento econômico. Por decreto, você não vai resolver se não tiver outras condições.

José Dari Krein – A política mais eficiente de distribuição de renda realizada no Brasil no período recente, foi feita pela Constituição de 1988 ao garantir ao conjunto dos trabalhadores rurais o valor da aposentadoria de um salário mínimo e de vincular o salário mínimo à LOAS. Esta não foi uma decisão de nenhum governo da década de 90. Ele simplesmente foi implementado pela aprovação da Constituição de 1988.

Esse é um dado objetivo que mostra a importância do chamado salário mínimo na distribuição de renda desse país. O que foi feito na década de 90 foi a implementação desse princípio constitucional e a busca de recursos para financiar a seguridade. Também foram previstas, na Constituição, o Cofins e a CPMF, todas as chamadas contribuições sociais, introduzidas na década de 90, o que fez aumentar enormemente muito a capacidade de arrecadação do governo federal, para financiar a Previdência Social. Parte desses recursos hoje não é destinada à Previdência, mas sim para garantir o superávit primário e o pagamento da dívida. Aí está a distorção.

Lena Lavinas – Antes, as mulheres recebiam 50% do salário mínimo; o Funrural era 50% do salário mínimo. A maior injeção de renda que houve nesse país, que permite que muitos velhinhos hoje mantenham famílias, foi justamente a conquista de 1988. O salário mínimo tem que ser o patamar mínimo, que fez subir o Funrural, e equiparou a renda entre homens e mulheres. Isto é muito importante. O fato de a mulher ter a garantia do salário mínimo nacional é fundamental: 51% de todas as aposentadorias são pagas às mulheres. O mínimo é, portanto, um parâmetro muito importante que permitiu que se reduzissem as desigualdades entre homens e mulheres

Paulo Baltar – Nós temos uma distribuição muito dispersa, desigual. E isso tem se observado em países com uma homogeneidade muito maior que a nossa e até em alguns países desenvolvidos. O mercado de trabalho tem provocado um aumento de diferenças de remuneração que tem forçado a se discutir nesses países, como a Inglaterra, de se ter um tipo de regulador. Agora, com o nosso grau de heterogeneidade, não podemos jamais abrir mão de uma política distributiva. Não estou dizendo que seja simplesmente decretar o valor do salário mínimo. Você parte de toda uma política de voltar o país a crescer e de um modo mais igualitário e de permitir uma vida melhor para todos os brasileiros. Nesse contexto, o salário mínimo é fundamental.

Num mercado de trabalho marcado pela informalidade e pela falta de oferta de vagas, qual a importância da reposição do valor de compra do mínimo? A medida geraria mais empregos?

Cláudio Dedecca – Foi vendida a idéia de que o desemprego é algo inevitável, de que o crescimento será baixo. A tal ponto que Fernando Henrique, apesar de toda a sua cultura, cunhou o termo “inimpregáveis”. O debate sobre salário mínimo é indissociável da volta do crescimento do país e da geração de empregos. Debater o salário mínimo é necessariamente discutir o crescimento do país, é debater a geração de empregos. Porque a base do salário mínimo é o aumento de renda da população, mas trata-se de um aumento de renda para gastos que está associado à atividade econômica, às necessidades básicas da sociedade e portanto tem que discutir a volta do crescimento. Não é à toa que no governo atual há uma forte resistência da área econômica para discutir o salário mínimo. Sabe-se que debater uma política de elevação do mínimo é debater uma política mais consistente de volta do crescimento, com redução da desigualdade, com melhora da geração de empregos. Esses últimos governos não querem discutir o assunto, está fora da centralidade do debate político nacional. Esse é um ponto fundamental.

Paulo Baltar – Na discussão da informalidade, o problema na verdade é a ilegalidade. É você ter um contrato de trabalho que foge ao especificado na legislação trabalhista do país. Se observarmos a proporção dos empregos celetistas e estatutários no Brasil, deve estar por volta de 45%. Esse aumento reflete no empregado sem carteira e no trabalho por conta própria. Alguns trabalhos por conta própria proliferaram nos últimos 15 anos, com cooperativas, consultorias. A informalidade/ilegalidade não quer dizer, necessariamente, baixa remuneração. Ela perpassou todo o espectro de trabalhos. Você tem hoje muitos engenheiros que trabalham em sistema de cooperativa, não têm contrato de trabalho assinado.

Nota-se também o contrário. Por exemplo, nos trabalhos de subcontratação, de terceirização, de limpeza, de segurança, para grandes organizações, têm aumentado a formalidade por exigência do contratante. Porque se houver algum problema, ele não tiver um vínculo estabelecido, o problema recai naquele que contratou o serviço. Se por um lado se nota informalização entre as remunerações mais altas, por outro, nos mais baixos, tem se notado um movimento na direção oposta, de formalização. Por isso, a discussão do salário mínimo e da formalização/informalização tem que levar em conta esse ponto.

Existe uma tendência geral à informalidade, que perpassa as baixas remunerações e pega todo o espectro do trabalho e deve ser enfrentada em prol da civilidade das relações entre os brasileiros. Outra coisa é a questão do mínimo e do efeito do mínimo que possa provocar em termos dessa formalidade/informalidade. Houve, na década de 90, uma queda do emprego na grande empresa muito forte e um aumento do emprego na pequena empresa e do trabalho autônomo. E, dentro da pequena empresa, aumentou o grau de informalidade nas relações de trabalho. Então, por trás desse problema da formalidade/informalidade está o tamanho da empresa e as condições de operação desses empregadores, além do aumento que houve de prestação de serviço às famílias, às pessoas e do trabalho doméstico em particular, que revertendo tendências que já vinham desde a década de 40, de redução do peso do emprego doméstico remunerado no total da força de trabalho urbana, voltou a crescer nos anos 90.

São várias coisas que precisam ser feitas para tentar melhorar a situação do trabalho. Assim como se tem que cuidar da cesta básica, é preciso vigiar a formalização das relações de trabalho. Fazem parte dessa agenda por uma situação social mais adequada para esse país, à qual requer uma resposta da economia que seja compatível com essa melhora. Resposta no sentido de possibilitar os bens que são necessários para elevar o padrão de vida de todas essas pessoas, para dar condições para aqueles que não possam trabalhar tenham um nível de vida mais digno e que permita o desenvolvimento pessoal e profissional. Tudo isso requer uma agenda a ser implementada pelo poder público ao nível da produção e da regulação do mercado.

Lena Lavinas – A atividade que mais cresceu nos anos 90 foi a do emprego doméstico remunerado. E mais o grave é que nós sabemos que houve uma reversão do hiato educacional entre homens e mulheres, que hoje são globalmente mais formadas que os homens. Então, há um contra-senso: as pessoas são mais formadas e onde mais cresce a participação das mulheres no mercado de trabalho é no que há de menos qualificado, que é o emprego doméstico remunerado.

Cláudio Dedecca – Nos anos 90, se abandonou o papel do Estado de vigia da formalidade, muito embora nem sempre isso tenha funcionado no país. Isto permitiu que se corroesse um grau de formalidade que já era frágil. Quando o governo abre mão da formalidade no mercado de trabalho, não há dúvida – a informalidade vai campear largamente, como acontece hoje nos Estados Unidos.

José Dari Krein – Há um estudo que mostra que, mesmo na ilegalidade, a referência da remuneração é o salário mínimo. O empregador concede inclusive alguns direitos trabalhistas – férias, 13º etc – só que sonega todas as contribuições vinculadas à folha de pagamento, que são fontes de financiamento de políticas públicas. A segunda questão é que, na década de 90, falou-se muito que a excessiva rigidez da legislação trabalhista explicava a questão da informalidade. Apostou-se, inclusive, em contratos mais flexíveis, em baratear e facilitar o processo de admissão. O resultado não foi o esperado. Pelo contrário, sinalizou para o conjunto da sociedade que o Estado não queria mais lidar com esse ônus. Todas as experiências recentes mostram que o grau de flexibilidade não tem nada a ver nem com o nível de emprego nem como o nível de informalidade. A questão fundamental é a seguinte: que tipo de sociedade e de mercado de trabalho se quer construir? Um papel mais ativo do salário mínimo significa dar um grau de civilidade maior ao mercado de trabalho, garantindo ao elo mais frágil dessa relação, que é o trabalhador, uma condição de sobrevivência mais digna. A defesa da proteção social, com a elevação do mínimo, tem a ver com uma questão política. Que tipo de país queremos construir? É isso que precisava ser sinalizado com mais intensidade na nossa história recente.



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