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O MCT e os fundos setoriais

ANTÔNIO MÁRCIO BUAINAIN

A concepção, aprovação e implantação dos fundos setoriais de CT&I foi uma obra de engenharia política tão engenhosa quanto complexa. Trata-se de uma experiência de como transformar vontade e decisão política em realidade, sobre a qual vale a pena refletir.

Os elementos que justificaram a criação dos FS foram a necessidade de: 1) reforçar a política de C&T e dotá-la de novos instrumentos para intervir em uma realidade cada vez mais complexa e responder aos velhos e novos desafios na área de CT&I; 2) agregar o I de inovação à sigla C&T; 3) aumentar a dotação de recursos públicos para CT&I; 4) elevar a participação do setor privado no financiamento do sistema e nas atividades de P&D em geral; 5) reduzir as disparidades regionais em CT&I e 6) fortalecer o sistema nacional de inovação, criando e promovendo os fluxos entre agentes/instituições do sistema, notadamente entre empresas e instituições de pesquisa. Não se tratava, portanto, de uma simples operação orçamentária, que poderia ter sido resolvida por decisão presidencial de realocar recursos orçamentários para CT&I, mas de alavancar recursos novos, sustentáveis e crescentes, e ao mesmo tempo responder aos desafios mencionados acima. A própria concepção, modo de gestão e operação dos fundos deveriam criar mecanismos e incentivos para mobilizar recursos, formar parcerias estratégicas, atrair investimentos privados em P&D, fortalecer o SNI etc.

O setor privado, já pressionado pela elevada carga tributária, posicionava-se contrário a qualquer iniciativa que implicasse em novos encargos. A solução, construída politicamente no Congresso Nacional, emergiu de um longo e paciente processo de convencimento e construção de maioria parlamentar multipartidária baseado em sólida interlocução política e técnica com o MCT. Uma vez estabelecido o consenso sobre a necessidade de mecanismos de promoção da inovação, a discussão voltou-se para as fontes de financiamento e modo de operação. No lugar de novos impostos, que se dissipam no fundo comum e cuja alocação é desvinculada da fonte, definiu-se que os fundos seriam financiados por diferentes setores produtivos, com recursos oriundos de diversas fontes, como royalties, compensação financeira, licenças, autorizações etc. Esta forma de financiamento permite reverter parte dos recursos em benefício do desenvolvimento dos setores produtivos que contribuem com os fundos, sendo portanto mais aceitável para as empresas. A visão da inovação como processo sistêmico e a necessidade de reduzir as desigualdades regionais determinaram que 20% dos recursos fossem destinados a financiar a infra-estrutura geral de pesquisa da universidade pública – instituição central do SNI – e que entre 20 e 40% fossem aplicado nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

No sentido de forjar compromissos entre os setores público e privado, desenhou-se um mecanismo de gestão compartilhada para os fundos, entregando a tarefa de orientar e dirigi-los a comitês gestores presididos pelo MCT e integrados por representantes da Finpe, CNPq, setor privado, comunidade científica, outros ministérios e instituições públicas. A partir das políticas de CT&I, cuja definição é prerrogativa exclusiva do MCT, cabe aos comitês gestores definir as diretrizes básicas, linhas de ação e alocação de recursos dos fundos. Em pouco tempo as reuniões dos comitês transformaram-se em um foro privilegiado de debates de alto nível sobre questões relevantes para o País e para auscultar vontades, problemas e prioridades da sociedade civil; em mecanismo de busca de entendimento e construção de consenso tanto entre as várias esferas do governo como entre os setores público e privado; em instrumento para forjar parcerias estratégicas, gerar novas idéias e propostas de ação conjunta envolvendo instituições públicas e privadas. Na prática, o papel dos comitês transcendeu os limites de ação de cada fundo, e os debates e sugestões originados nas reuniões constituíram-se em insumos relevantes para alimentar o aprimoramento e a definição de novas políticas de CT&I.

A partir das definições das políticas do MCT e das orientações dos comitês gestores, a operação dos fundos ficou a cargo da Finep e do CNPq e a coordenação das atividades de apoio técnico aos comitês foi atribuída a secretarias técnicas instaladas no CGEE, configurando, assim, uma divisão de trabalho e um modelo de gestão voltado para promover a integração entre MCT e suas agências. Sob a liderança do MCT, as secretarias técnicas, coordenadas por especialistas de indiscutível nível técnico e acadêmico, contribuíram direta e significativamente para colocar em marcha os fundos setoriais, constituindo-se, em pouco tempo, em lócus privilegiado de debate e trabalhos técnicos sobre assuntos de interesse dos fundos.

As secretarias funcionaram como instância de interlocução técnica entre os vários agentes e de coordenação, conciliação e integração das diferentes demandas oriundas do MCT e suas agências, contribuindo para transformá-las em propostas concretas de ação; participaram da regulamentação dos fundos, apoiaram a criação de programas especiais em várias áreas, coordenaram a preparação de documentos técnicos que subsidiaram a definição de diretrizes e as decisões dos comitês; apoiaram as agências na identificação de oportunidades e até mesmo na formulação de ações e propostas para a apreciação dos comitês gestores. Desde o início do ano as secretarias técnicas foram, na prática, desmobilizadas, e finalmente o MCT tomou a decisão de recriá-las no próprio Ministério.

Não se discute a decisão do MCT. Surpreende, no entanto, que após quatro meses da nova administração, nenhum dos secretários técnicos, profissionais e cidadãos que participaram ativamente no processo de dar vida real aos fundos, tenha sido chamado sequer para um papo de botequim com as novas autoridades. Por que simplesmente ignorar a experiência que se acumulou no período anterior e desperdiçar as competências técnicas das secretarias dos fundos? Na pior das hipóteses, apropriar-se dessa experiência permitiria aos novos gestores inovar pelo menos nos erros: evitaria a repetição de erros já cometidos e abriria espaço para que novos fossem perpetrados.


Antônio Márcio Buainain, professor do Instituto de Economia da Unicamp, foi secretário técnico do Fundo Verde-Amarelo de CT&I.

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