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Em campos, jorra algo mais que petróleo

Pesquisadores da Unicamp delimitam e batizam
quatro aqüíferos cuja importância era desconhecida

MANUEL ALVES FILHO

Pesquisadores da Unicamp delimitaram e batizaram quatro grandes aqüíferos na região do município de Campos dos Goytacazes, no norte fluminense. O trabalho, que demandou dois anos de pesquisa e rendeu uma dissertação de mestrado, constitui importante ferramenta para a gestão das águas subterrâneas em uma região onde o abastecimento da população tem se tornado cada vez mais crítico, sobretudo após a recente contaminação por poluentes industriais do rio Paraíba do Sul, principal manancial da região. Só para se ter uma idéia do potencial representado pelos aqüíferos estudados pelos cientistas da Universidade, basta saber que a reserva total do mais promissor deles, batizado de Quaternário Deltaico, é de 11,7 bilhões de metros cúbicos. Em apenas um poço, é possível captar uma média de 140 metros cúbicos por hora, volume suficiente para abastecer uma cidade de 13,5 mil habitantes.

Embora a coordenadora da pesquisa, professora Sueli Yoshinaga Pereira, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, afirme que o trabalho não foi propriamente uma descoberta dos quatro aqüíferos, o tamanho, a importância e a viabilidade econômica dos reservatórios eram até então desconhecidos. De acordo com ela, já se sabia que a região de Campos dispõe de recursos hídricos subterrâneos significativos. Mas até então, explica, essas reservas não haviam sido delimitadas. "Como Campos é uma importante bacia petrolífera, nós dispúnhamos de vários dados sobre a composição geológica, mas poucas informações a respeito da hidrogeologia, principalmente em relação à parte continental, onde estão os aqüíferos. O que nós fizemos foi buscar mais detalhes a esse respeito".

A professora Sueli Yoshinaga Pereira, coordenadora da pesquisa: dois anos de estudoCom a ajuda da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), que já produz a partir de vários poços perfurados no norte fluminense, e de instituições de pesquisas e universidades daquele Estado, os pesquisadores da Unicamp delimitaram e batizaram os aqüíferos Fraturado, Terciário Formação Barreiras, Terciário Formação Emborê e Quaternário Deltaico. Apenas este último, considerado o mais promissor, teve a reserva estimada. "Em relação aos demais, o mesmo trabalho não pôde ser realizado por falta de dados que permitissem uma conclusão precisa", afirma a professora Sueli.

Segundo ela, a reserva renovável do Quaternário Deltaico é da ordem de 15, 5 milhões de metros cúbicos ao ano. Já a reserva permanente, que inclui a primeira, é de 11,7 bilhões de metros cúbicos. A qualidade da água, adianta a docente do IG, é excelente. De acordo com ela, o único tratamento necessário antes de o produto ser eventualmente distribuído à população é a retirada do excesso de ferro e a cloração. Sueli esclarece que essa medida exige uma infra-estrutura menor e mais barata do que a de uma Estação de Tratamento de Água (ETA) convencional, utilizada normalmente para cuidar da água captada na superfície, mas que nem sempre está preparada para tratar de certas contaminações, como a que ocorreu recentemente no Rio Paraíba do Sul.

A dissertação de mestrado elaborada por Lucio Carramillo Caetano informa que os custos de instalação e manutenção anual de uma ETA são, respectivamente, 35% e 700% maiores do que os necessários para perfurar um poço artesiano e tratar a água extraída dele. Para produzir 30 metros cúbicos por hora, por exemplo, uma ETA exige investimentos de US$ 94 mil para a sua instalação e mais US$ 32 mil ao ano para sua manutenção. Para perfurar um poço capaz de captar 35 metros cúbicos por hora de água subterrânea, são necessários US$ 72 mil iniciais, com uma despesa anual de apenas US$ 3,8 mil.

Em relação ao Quaternário Deltaico, Sueli esclarece que o aqüífero tem características que facilitam a extração e a transmissão da água. Isso ocorre porque o local onde o líquido se encontra é uma espécie de "areião". Ou seja, está armazenado em rochas sedimentares não-consolidadas. Além disso, basta perfurar dois ou três metros em determinados pontos para já se atingir o aqüífero. A reserva, conforme a pesquisadora, pode se estender para até 150 ou 200 metros de profundidade, dependendo do ponto.

"Todos esses dados comprovam a potencialidade dos recursos hídricos subterrâneos de Campos e de municípios vizinhos. A nossa expectativa é de que os governos municipais atuem no sentido de elaborar planos diretores que permitam o aproveitamento racional, com a conseqüente preservação desses aqüíferos", defende a professora Sueli. A questão ambiental tem merecido uma preocupação especial por parte dos pesquisadores da Unicamp. A docente do IG afirma que uma dissertação de mestrado em andamento pretende fazer um mapa da vulnerabilidade do Quaternário Deltaico e dos demais aqüíferos naquela região.

De acordo com Sueli, os riscos de contaminação são grandes. Em contato com ambientalistas do norte fluminense, os especialistas da Unicamp tomaram conhecimento de que as intervenções humanas podem comprometer os recursos hídricos subterrâneos da região. A contínua diminuição da Lagoa Feia, local de descarga dos aqüíferos, está entre os fatores mais preocupantes. Há, ainda, um outro agravante, este representado pela característica do clima daquela faixa do Estado, classificado como semi-úmido. Ou seja, trata-se de um local onde chove pouco, mas ocorre uma grande evaporação. "Sem uma política ambiental que permita uma gestão séria, esses recursos naturais estarão gravemente ameaçados", adverte a coordenadora da pesquisa.

Guarani o maior do mundo

Historicamente, a cultura brasileira nunca deu importância para a captação de águas subterrâneas para o abastecimento da população. A preferência, a despeito dos custos de produção serem muito maiores, sempre recaiu sobre as águas superficiais. Mas esse cenário começou a sofrer alteração desde a delimitação e definição do Aqüífero Guarani, considerado o maior do mundo, bem como em função do agravamento da escassez de água nas grandes metrópoles. No Brasil, o Guarani se estende pelos estados de Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Também está presente na Argentina, Paraguai e Uruguai.

Trata-se, portanto, de um sistema transnacional. Sua área total é de aproximadamente 1, 4 milhão de quilômetros quadrados, dos quais cerca de 1 milhão está circunscrito ao território brasileiro. Sua dimensão norte-sul no Brasil chega a 2.000 quilômetros. Anteriormente, o Guarani era conhecido no país pelo nome de Botucatu, em virtude da sua principal camada de rocha ter sido reconhecida e descrita pela primeira vez no município de mesmo nome, localizado no Estado de São Paulo. De acordo com a literatura, o aqüífero é responsável por cerca de 80 % do total da água acumulada na Bacia sedimentar do Paraná.

Seus poços apresentam vazão que podem ultrapassar os 500 metros cúbicos por hora. Em regiões onde o aqüífero está a mais de 1.000 metros de profundidade, a água pode atingir temperaturas de até 50 graus Celsius, sendo muito útil em alguns processos industriais, em hospitais, no combate à geada e para fins de recreação e lazer. Estudos têm revelado que as águas do Guarani ainda estão livres de contaminação. Contudo, considerando que o ponto de recarga coincide com importantes áreas agrícolas brasileiras, onde se tem usado intensamente herbicidas, já existe a necessidade da adoção de medidas urgentes de controle, monitoramento e redução da carga de agrotóxicos, sob pena de comprometer essa reserva de água. Segundo a professora Sueli, cerca de 75% dos municípios paulistas usam atualmente a água subterrânea para o abastecimento da população e outras atividades, de forma isolada ou combinada com a captação da água superficial.

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