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Trabalho do NEPP mostra que subfinanciamento e
desarticulação na rede de atendimento são principais problemas

Estudo revela fragilidade
da Saúde da RMC

CLAYTON LEVY

Usuários aguardam consulta em hospital público: principal dificuldade da população é transitar pelo sistema (Fotos: Antoninho Perri)O subfinanciamento crônico e a desarticulação na rede de atendimento à população são as principais fragilidades do sistema de saúde pública oferecido aos 2,6 milhões de habitantes dos 19 municípios que formam a Região Metropolitana de Campinas (RMC), segundo revelou o “Diagnóstico do Setor de Saúde da Região Metropolitana de Campinas”, que acaba de ser divulgado pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp.

Realizado por solicitação do Conselho de Desenvolvimento da RMC, o trabalho faz uma radiografia da estrutura de serviços vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS) na região e aponta medidas para subsidiar possíveis políticas públicas. Entre as quais, a instalação imediata de um Colegiado de Gestão Regional da RMC e de um Fórum Regional que congregue os dirigentes dos serviços de saúde.

Região enfrenta déficit de leitos

“O estudo permitirá que as prefeituras orientem seus investimentos e as políticas de recursos humanos, bem como desenvolver ações conjuntas de âmbito regional”, diz o pró-reitor de Desenvolvimento Universitário e coordenador geral do trabalho, Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva. Segundo ele, as etapas seguintes deverão orientar ações específicas para cada um dos temas analisados, como cadastro único da clientela, sistemas de regulação no atendimento em ambulatórios de especialidades e de internações em unidades adequadamente dimensionadas e vocacionadas para as necessidades da RMC.

A médica sanitarista Carmen Lavras: “Não há uma lógica organizacional que favoreça a articulação entre as unidades básicas de saúde e a rede de atenção especializada”Embora ocupe o quarto lugar no ranking nacional das regiões metropolitanas, com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,835, contra a média nacional de 0,766, os dados revelaram que a RMC enfrenta déficit de leitos hospitalares; desarticulação entre as redes de serviços de saúde de atenção básica, de urgência e emergência e de atenção especializada; e carência de recursos humanos.

Desenvolvido entre os meses de dezembro de 2006 e abril de 2007, o estudo levantou informações em bancos de dados oficiais de âmbito nacional, em 48 instituições da RMC: 18 secretarias municipais de saúde; Divisão Regional de Saúde (DRS - VII); 28 serviços hospitalares de referência para o SUS; e Sindicato dos Médicos de Campinas e Região.

“A principal dificuldade para o usuário é transitar pelo sistema”, diz a médica sanitarista e uma das coordenadoras da pesquisa, Carmen Lavras. “Não há uma lógica organizacional que favoreça a articulação entre as unidades básicas de saúde e a rede de atenção especializada”, completa. Embora 70% dos municípios pesquisados possuam Centrais de Marcação, o estudo revelou que estas unidades se encontram pouco estruturadas e que a Central de Marcação ligada à DRS – VII apresenta fragilidades. “Elas não conversam entre si, o que favorece o estrangulamento na atenção de média e alta complexidade”, destaca a pesquisadora.

O pró-reitor de Desenvolvimento Universitário e coordenador do estudo, Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva:  prefeituras poderão orientar suas açõesEsse quadro, segundo ela, é caracterizado de um lado pela crônica insuficiência de recursos orçamentários destinados ao SUS e, por outro, pela inadequação na utilização desses recursos gerada pela falta de planejamento regional do sistema. Embora não seja recente, o subfinanciamento do sistema está na raiz do problema. O gasto público per capita no Brasil, em torno de US$ 94,00, ainda é menor que o de países em níveis semelhantes de desenvolvimento, como Uruguai, com US$ 105,00, e Argentina, com US$ 120,00, segundo dados do Banco Mundial. “Isso traz conseqüências preocupantes, como o sucateamento tecnológico e a baixa remuneração dos profissionais”, diz a pesquisadora do NEPP.

Dinheiro no ralo - A desarticulação entre os municípios e a falta de uma visão regional, segundo Carmen, agravam ainda mais o cenário. “Além dos recursos serem insuficientes, o pouco que chega muitas vezes não é bem utilizado”, diz. “Em alguns casos, estamos jogando dinheiro pelo ralo”, completa. De acordo com a pesquisadora, há municípios que ainda não conseguiram solucionar problemas de atenção básica e querem montar ambulatórios de especialidades sem levar em conta a lógica de economia de escala que deve também nortear a implantação e o planejamento desses serviços. Para 81% dos gestores entrevistados, a ampliação de especialidades em seus municípios é visto como algo positivo. “Com isso, acabam investindo em equipamentos que já existem em cidades vizinhas, e que muitas vezes estão ociosos”.

As conseqüências dessa distorção, segundo Carmen, permeiam todo o sistema de atendimento, que requer um maior investimento na atenção básica e um redimensionamento dos serviços especializados. Embora 88% dos gestores entrevistados considerem as unidades básicas adequadas do ponto de vista da localização em seus municípios, 56% admitem que o número delas é insuficiente. O trabalho também revelou pouca ênfase às ações de promoção e prevenção, ausência ou precariedade na utilização de protocolos clínicos, com baixa resolutividade dos casos.

Mesmo havendo um número insuficiente de unidades básicas, um dos dados que mais chama atenção é o déficit de 5% relativo às consultas realizadas. Segundo o Datasus, em 2006, das 2,9 milhões de consultas previstas para cobrir 70% da população, foram efetuadas 2,7 milhões. As maiores distorções ocorreram em Sumaré, com 41% a menos das consultas previstas; Nova Odessa, com 24%; e Hortolândia, com 18%. Do lado oposto, estão municípios como Engenheiro Coelho, que efetuou 183% a mais que as necessidades previstas; Paulínia, com 144%; e Holambra, com 72%.

Segundo o estudo, esse quadro pode ser um dos responsáveis pela produção de um volume elevado de consultas nos centros especializados. Só em 2006, esse acréscimo chegou a 70%. A necessidade prevista para toda a RMC era de pouco mais de 1 milhão, mas foram realizadas 1,7 milhão. “Mesmo considerando usuários vindos de municípios fora da RMC, está havendo uma sobre-oferta de consultas”, observa Carmen. “Muitos casos poderiam ser solucionados no âmbito da atenção básica”.

Além das distorções registradas, o aumento natural da demanda, provocado sobretudo pelo envelhecimento da população e maior incidência de doenças crônicas que exigem cuidados contínuos, também geram impactos no sistema. O principal deles é a falta de leitos hospitalares. Segundo o estudo, somando as redes pública e particular, a RMC dispõe de um total de 5.344 leitos, o que representa 2,04 unidades por mil habitantes, marca abaixo do preconizado pelo Ministério da Saúde, que é de 2,3 a 3 por mil habitantes.

Quando se consideram os usuários dependentes do SUS (70% da população), a situação é ainda mais crítica. A RMC possui 3.204 leitos no SUS, o que representa apenas 1,75 unidade por mil habitantes, configurando um déficit de 30%. A situação, segundo o levantamento, já está levando a um estrangulamento em algumas especialidades, como psiquiatria, clínica médica, pediatria e leito-dia. Das 32 unidades hospitalares que possuem leitos SUS na região, 20 (65%) são privadas e 13 (35%) são públicas.

Nos serviços de urgência e emergência a situação não é diferente. Embora 16 municípios (88%) da RMC ofereçam esse tipo de atenção e 78% dos gestores considerem sua estrutura suficiente, a desarticulação entre eles acaba comprometendo o atendimento. Segundo o Datasus, em 2006 a necessidade de consultas estimada para atender pacientes do SUS foi fixada em 687,9 mil, mas foram realizadas pouco mais de 3 milhões. “Isso pode indicar uma baixa resolutividade da atenção básica”, diz a pesquisadora.

Entre as conseqüências dessa sobrecarga o estudo destacou a elevada ocupação de leitos, obrigando muitas vezes ao uso de macas; tempo de permanência elevado, com o paciente aguardando liberação de leito para internação; regime de funcionamento “vagas zero” no que se refere à retaguarda ao Samu e outros sistemas de resgate; e organização deficitária. Outro ponto revelado é a precariedade do Samu. Dos 19 municípios que integram a RMC, apenas seis oferecem esse tipo de atendimento.

Em relação à existência de sistemas informatizados para dar suporte às ações de saúde, os gestores apontaram como principal problema a ausência ou precariedade de cartão de identificação dos usuários do SUS. Em sua avaliação, essa situação gera inúmeras dificuldades, principalmente no âmbito das especialidades. Entre as quais, a impossibilidade de dimensionar a real demanda por serviços de saúde em cada município. “Isso vem produzindo impactos negativos no planejamento e alocação dos recursos humanos e desperdícios financeiros, em razão da duplicação de consultas e exames”, aponta Carmen.

A falta de recursos humanos, aliás, é outra fragilidade revelada pelo trabalho. Os gestores relatam dificuldade de contratação e fixação de médicos na rede pública. Já os médicos dizem que o problema está nas condições de trabalho, especialmente na rede básica. Os problemas, segundo eles, vão desde a falta de segurança à precariedade da estrutura física, passando pela ausência de equipamentos e a impossibilidade de crescimento profissional. Segundo o estudo, apenas 11 (60%) secretarias municipais de saúde contam com setor específico para gestão de recursos humanos.

Articulação - Diante desse cenário, o estudo dedica um capítulo inteiro a recomendações para subsidiar possíveis políticas públicas. “O grande desafio está na construção de um sistema integrado que, respeitando a autonomia de gestão de cada município, consiga articular suas práticas em âmbito regional”, diz o documento. Os pesquisadores propõem a instalação imediata de um Colegiado de Gestão Regional da RMC e de um Fórum Regional que congregue os dirigentes dos serviços de saúde de referência.

“Se não houver uma visão regional, a desconexão vai continuar engolindo o orçamento dos municípios”, diz Carmen. Segundo o documento, o Colegiado de Gestão Regional funcionaria como uma estrutura de governança metropolitana do SUS. Seria um espaço para planejamento e co-gestão, composto por todos os gestores e apoiado por câmaras técnicas. Sua tarefa seria definir as políticas de saúde e definir um Plano Metropolitano para o setor, respeitando as diversidades dos municípios.

Especificamente em relação à atenção básica, os pesquisadores destacam que, independente do modelo adotado, as redes básicas municipais deveriam ser norteadas pelas seguintes premissas: territorialização com definição de clientela; análise de risco; acolhimento e garantia de atendimento à demanda espontânea. Para isso, recomendam a imediata implantação de um Programa de Qualificação da Atenção Básica, sob a responsabilidade de cada município.

No tocante à atenção especializada, o estudo recomenda um planejamento regional para otimizar os recursos. Entre as alternativas sugeridas, está o estabelecimento de conglomerados hospitalares ou ambulatoriais e a organização de centros de apoio diagnóstico microrregionais. No que se refere à rede de urgência e emergência, os pesquisadores recomendam a ampliação e reorganização das unidades fixas e móveis, baseada no enfoque regionalizado.

Segundo Carmen, a equipe desenvolveu o estudo na perspectiva de contribuir com o Conselho de Desenvolvimento da RMC e com os gestores da saúde da região, oferecendo subsídios à formulação do Plano Metropolitano de Saúde e dos Programas de Qualificação da Atenção Básica. “Acreditamos que estes subsídios possam se constituir em potentes instrumentos de gestão regional”, conclui.

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