Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 257 - de 28 de junho a 4 de julho de 2004
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Café sem cafeína

 

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Imprensa mundial registrou o feito de
pesquisadores da Unicamp e do Instituto Agronômico de Campinas


A descoberta do café sem cafeína

LUIZ SUGIMOTO


Deu na Nature: artigo assinado por pesquisadores brasileiros anunciaPaulo Mazzafera, Luís Carlos Fazuoli e Bernadete Silvarolla na Fazenda Santa Elisa, em Campinas: analisando pé por pé de um lote de 3.000 plantas de Coffea arabica originárias da Etiópia (Foto: Antoninho Perri) descoberta de pés de café naturalmente descafeinados. É um achado que teria grande repercussão mesmo sem o reconhecimento de uma das mais conceituadas publicações científicas do mundo. Desde a tarde da última quarta-feira, quando a revista suspendeu o embargo da notícia, o professor Paulo Mazzafera, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, e os pesquisadores Maria Bernadete Silvarolla e Luís Carlos Fazuoli, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), vêm atendendo a solicitações sucessivas da mídia e de cientistas de outros países. “Trata-se de uma variedade do Coffea arabica – que responde por 70% da comercialização mundial –, mas que possui 20 vezes menos cafeína. Se o café que tomamos no dia-a-dia traz de 1% a 1,2% de cafeína, as análises em laboratório dessa espécie apontaram somente 0,07%, praticamente zero. Trata-se de uma descoberta que vai colocar o café brasileiro novamente em evidência”, afirma Paulo Mazzafera.

De fato, enquanto os cientistas concediam concorrida entrevista coletiva no local onde estão plantados os pés descafeinados, a Fazenda Santa Elisa em Campinas, as informações gerais sobre a descoberta eram antecipadas pelo Portal da Unicamp na Internet, onde o retorno é rapidíssimo. Logo, um leitor perguntava como poderia obter sementes e qual seria o preço da saca. Trata-se, na verdade, de apenas três plantas de uma mesma família, cujos clones ainda demandarão anos de pesquisa – talvez cinco ou seis, talvez quinze – até concorrer num mercado que já movimenta cerca de US$ 7 bilhões (R$ 21 bilhões) por ano, segundo estimativa não reconhecida oficialmente. O produto disponível nas prateleiras é descafeinizado em processo industrial, utilizando-se um solvente que lava os grãos e dissolve perto de 99% da cafeína presente. Ocorre que a lavagem compromete também o sabor. “O Brasil pode oferecer agora um café natural sem cafeína, com todas as outras características preservadas”, ressalta Mazzafera.

Paralelamente, há uma corrida na área de genética para colher café descafeinado no pé. Os pesquisadores da Unicamp e do IAC encontraram as três plantas em meados do ano passado, justamente quando a mesma Nature noticiava a produção, por cientistas japoneses, de cafeeiros geneticamente modificados reduzindo em 70% o teor de cafeína em comparação com as variedades mais difundidas. No entanto, além da resistência por parte da população aos produtos transgênicos, o pesquisador da Unicamp alerta para outro problema importante não enfatizado pelos japoneses: “Eles modificaram um Coffea canephora, considerado uma ‘bebida neutra’, sem gosto. Somente agora estão aplicando a técnica para a espécie arábica de alta qualidade e os resultados vão demorar”, observa o professor do IB.

O palheiro – As plantas na Santa Elisa foram batizadas de AC1, AC2 e AC3, uma homenagem ao geneticista de café Alcides Carvalho, falecido em 1993, que criou praticamente todas as variedades comerciais de arábica hoje cultivadas no Brasil, fazendo por merecer o título de pai da cafeicultura nacional. Elas estavam em covas diferentes de um lote de 3.000 pés de Coffea arabica originárias da Etiópia, que Carvalho preservou para observações genéticas, sem fins comerciais imediatos. Por mera economia de espaço, plantou três mudas em cada cova, o que tornou ainda mais difícil o trabalho de localização e identificação. “Foi como encontrar agulha em palheiro”, recorda Luís Carlos Fazuoli, diretor do Centro de Café do IAC e especialista no melhoramento de espécies em campo.

Fazuoli participou do plantio e acompanhamento do lote, que na verdade foi formado a partir de 200 plantas-matrizes (progênies) provenientes da Costa Rica, onde é mantido um banco internacional de germoplasmas. Ali foram guardadas e preparadas as sementes colhidas na Etiópia por pesquisadores de países produtores de café, durante expedição patrocinada pela FAO em 1964. Estão em território etíope os cafeeiros silvestres que deram origem a todas as variedades de Coffea arabica desenvolvidas para comercialização no mundo. “As progêniess chegaram a Jundiaí em 1973, onde permaneceram em quarentena até serem plantadas em Campinas dois anos depois”, recorda Luís Fazuoli.

Variedade possui 20 vezes menos cafeína

Pé por pé – O diretor do Centro de Café afirma que a equipe demorou a se conscientizar do impacto que causaria a notícia. “Muitos pesquisadores, principalmente franceses e japoneses, estão perseguindo essa planta há anos. Na loteria, deu Brasil”, brinca o pesquisador, para em seguida enfatizar que não se tratou de sorte. Ele mesmo testemunhou o empenho da geneticista Bernadete Silvarolla, que em 1999 começou a coletar e analisar amostras de cada uma das 3.000 plantas do lote, num trabalho exaustivo. Ela encontrou algumas com metade do teor de cafeína, descartando-as porque a meta era encontrar um café sem a substância.

Paulo Mazzafera, um engenheiro agrônomo que foi iniciado nas pesquisas com café por Alcides Carvalho, especializando-se em fisiologia vegetal, conta que buscava por um cafeeiro menos cafeinado havia 17 anos. “No começo fazíamos cruzamentos entre espécies, um processo demorado e que não apresentou resultados. Depois, analisamos quase todas as plantas que fazem parte do banco de germoplasmas do Agronômico, até que recentemente passamos a avaliar o material da Etiópia”, explica.

Novos projetos – Bernadete Silvarolla aponta os caminhos a seguir com a descoberta. Um deles é simplesmente retirar sementes, produzir mudas e iniciar seu plantio nos moldes comerciais, com fertilizantes, proteção contra doenças e pragas e demais cuidados agronômicos, verifi-cando seu potencial produtivo. Os pesquisadores estimam que a produtividade desta variedade silvestre seja de 30% em relação aos arábicas do mercado. Se o índice chegar a 60% por meio do plantio adequado, o café deverá interessar aos produtores. Existe ainda a questão do preço, que precisa ser competitivo diante do produto descafeinado industrialmente e do geneticamente modificado que está para vir. “Temos condições de verificar se a cultura é viável ou não em pouco tempo; caso valha a pena, podemos colher os primeiros grãos em seis anos ou menos”, afirma.

O segundo caminho, que será efetivamente seguido, é o processo de melhoramento tradicional, com a transferência desta característica das AC para variedades comerciais altamente produtivas de Coffea arabica, como a Mundo Novo e a Catuaí. “Vamos tentar aglutinar outras características importantes para o produtor. Nas pesquisas devem entrar também a Bourbon, a Tupi e a Obatã, somando umas cinco variedades”, adianta Bernadete. Através desses cruzamentos, é possível chegar a uma planta produtiva e descafeinada em 15 anos. “O fato de trabalharmos dentro da mesma espécie (arábica) vai encurtar o tempo pela metade, já que não precisaremos eliminar muitas características ruins que surgem no cruzamento entre espécies diferentes”, diz Mazzafera.

Recursos – Bernadete Silvarolla enfatiza que a descoberta de cafeeiros descafeinados só foi possível graças à preservação do banco de germoplasmas (coleção de material vegetal vivo) no Instituto Agronômico de Campinas. “Embora sua importância não seja tão aparente, inclusive para a mídia, esse banco é a matéria-prima dos pesquisadores para o melhoramento de toda espécie vegetal, um material genético cuja preservação é fundamental”, pondera. A ênfase da pesquisadora se deveu à discussão sobre o impacto da descoberta de um café naturalmente descafeinado frente o produto industrializado e os geneticamente modificados.

Luís Carlos Fazuoli afirma que o IAC não trabalha com transgênicos, ressalvando, porém, que não vê nenhuma situação de confronto. “Sou adepto do processo de melhoramento tradicional, mas acho que as duas linhas de pesquisa podem ser feitas concomitantemente. Temos o projeto do genoma do café, que vai nos trazer muitas informações relevantes. Existem mais de 80 espécies de café para serem estudadas”, informa. Ele sugere que a seqüência das pesquisas com as AC, que incluirão toda a avaliação bioquímica e molecular e ainda dependem de captação de recursos, poderia motivar um projeto temático para estudo de outros componentes importantes do lote da Etiópia. “Esperamos o reconhecimento da importância do produto que encontramos e um atendimento especial em termos de incentivo à pesquisa”, finaliza.

Produto mercadológico

Diante do esforço concentrado contra a cafeína, pode-se mensurar o impacto da entrada de um café naturalmente descafeinado no mercado. Pessoalmente, o professor Paulo Mazzafera, da Unicamp, acha que a cafeína, desde que não seja consumida em excesso, não traz problema algum à saúde. “Para uma pessoa ‘morrer’ por consumo de cafeína, precisaria ingerir 10 gramas da substância de uma só vez, quando uma garrafa de refrigerante ‘cola’ contém meros 40 miligramas. Além disso, temos cafeína no remédio contra gripe, no chá, no chocolate. Não há nada na literatura que comprove a ocorrência de doenças por causa dela”, ilustra o pesquisador.

Perguntado se não estaria depondo contra a importância da descoberta das plantas descafeinadas, Mazzafera admite que o produto será essencialmente mercadológico. “O café descafeinado responde por 10% do consumo mundial. Nos Estados Unidos a faixa é de 20% e, no Brasil, estima-se que seja de 1%. O índice varia muito de país para país”, informa. A rigor, segundo o professor, o público para o produto descafeinado seria composto por pessoas com maior sensibilidade à cafeína, que talvez não consigam dormir se tomarem uma xícara de café no final da tarde, e as grávidas, que sofrem restrições diante de possíveis efeitos no transporte de cálcio pela membrana. “Acontece que muitos evitam o café descafeinado temendo algum resíduo industrial, da mesma forma que muitos vêem riscos no café geneticamente modificado. A nossa opção, por ser natural, vai mexer muito com o mercado”, prevê o pesquisador da Unicamp.


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