Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 257 - de 28 de junho a 4 de julho de 2004
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Sistema de informações mobilizará pesquisadores de doze universidades públicas

Programa avalia inovação tecnológica em empresas

CLAYTON LEVY



Da esquerda para a direita, Sergio Salles Filho, João Furtado e Sergio Queiroz: resultados do DPP surpreendem pesquisadores (Fotos: Antoninho Perri)O Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) da Unicamp participará a partir de julho da implantação de um sistema de informações e análise que acompanhará de forma permanente e continuada as iniciativas voltadas para inovação tecnológica no país. Batizado de Observatório de Estratégias de Inovação, o levantamento foi encomendado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que destinará R$ 1 milhão por ano até 2006 para sua estruturação. O objetivo é disponibilizar uma ferramenta capaz de orientar a formulação de políticas de desenvolvimento industrial, científico e tecnológico.

Ferramenta norteará políticas de desenvolvimento

O trabalho envolverá uma centena de pesquisadores de doze universidades públicas e será um desdobramento do Diretório da Pesquisa Privada (DPP), que acaba de ser concluído pela mesma equipe. Concebido há dois anos como um sistema de informação auxiliar na definição e implementação das políticas de desenvolvimento científico, tecnológico e inovativo, o Diretório pesquisou aproximadamente 500 empresas de trinta setores e cerca de cem Organizações Não Governamentais (ONGs) para aferir a importância da tecnologia e da inovação em suas estratégias corporativas.

Os primeiros resultados desse trabalho já podem ser conferidos no Portal DPP (www.finep.gov.br/portaldpp), mas os organizadores pretendem apresentá-los oficialmente durante o V Seminário de Economia Industrial, que será promovido pelo Grupo de Estudos em Economia Industrial, nucleado na Universidade Estadual Paulista (Unesp), de 11 a 14 de agosto, em Araraquara. “No seminário vamos aprofundar a discussão com especialistas que farão o papel de avaliadores críticos”, diz o professor da Escola Politécnica da USP (atualmente licenciado da Unesp e professor colaborador do DPCT da Unicamp), João Furtado. O próximo passo será a publicação, até o final de novembro, de um livro contendo uma radiografia das ações inovativas no país.

De acordo com Furtado, o Observatório de Estratégias de Inovação terá uma dimensão bem maior que o Diretório. “Vamos manter a radiografia atualizada e ampliá-la”, diz. Segundo ele, além de empresas e ONGs, a coleta de informações e sua análise também abrangerão clusters (sistemas locais de produção), instituições de pesquisa e empresas de base tecnológica. O trabalho também incluirá estudos visando a integração entre a política tecnológica de inovação e a política industrial brasileira. “A base de uma política de desenvolvimento tem necessariamente de integrar essas duas dimensões”, diz Furtado. Do total a ser investido, 50% serão direcionados à pesquisa de campo. O restante bancará bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado em projetos conectados ao programa.

Resultados derrubam tese

Os resultados revelados pelo Diretório da Pesquisa Privada (DPP) surpreenderam os pesquisadores. Ao contrário do que diz o senso comum, os dados revelaram que a preocupação das empresas e ONGs com ações inovativas no Brasil é muito maior do que se imagina. Segundo o economista João Furtado, um dos coordenadores da pesquisa, a principal contribuição do trabalho foi mostrar que a inovação não é um fenômeno exclusivo dos setores tecnologicamente avançados. “A inovação é uma atividade que está em todas as atividades econômicas”, afirma.

Segundo ele, em 100% dos setores pesquisados existe alguma empresa preocupada com inovação. “Há alguns em que 90% das empresas estão preocupadas e outros em que apenas 10% estão preocupadas; mas em todos os setores existe preocupação com inovação e ações deliberadas para implementá-la”, garante. De acordo com o economista, essa constatação foi possível em razão do método utilizado na pesquisa, que trabalhou com um conceito de inovação mais amplo, considerando não apenas a quantidade de organizações que investem em projetos específicos de P&D, mas também todas as iniciativas e processos que correspondem a ações inovativas.

“Uma inovação incremental mais simples pode não ter a nobreza de uma nova tecnologia, mas pode ser fundamental dentro do seu sistema e cumprir uma função econômica importante dentro das condições competitivas do seu setor”, observa Sergio Salles Filho, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp e um dos coordenadores do trabalho. Para ele, o fato de se trabalhar com um conceito mais amplo de inovação ajuda a lidar melhor com a realidade brasileira. “Quando varremos quinhentas empresas de setores diferentes, olhando por esse novo ângulo, vamos detectar coisas que a maioria das pesquisas não detectaria; isso é uma enorme vantagem para mostrar a realidade brasileira”, completa.

Salles explica que os setores são diferentes na sua demanda por inovação. Segundo ele, há uma certa dinâmica setorial que faz com que algumas empresas sejam mais inovadoras que outras. “Não é verdade que quem não faz P&D não é inovador; nem todos os setores precisam de um laboratório de P&D ou articular parcerias com universidades, e sim de outro tipo de ação ou apoio”, destaca. Ao observar essa heterogeneidade, segundo ele, é possível formular políticas mais eficazes. “Quando fazemos uma radiografia da diversidade facilitamos o trabalho do formulador de políticas seja do setor público ou privado”.

Para exemplificar esse quadro, Furtado cita o caso de uma grande cooperativa de produtores de café incluída no levantamento e analisada por Sandra Schiavi, doutoranda da UFSCar. No processo de exportação, ao jogar o café para dentro de um contêiner, há uma quebra de 1,5% dos grãos. Isso prejudica o produto porque o café quebrado degrada e contamina os outros grãos. O levantamento apurou que eles desenvolveram um mecanismo através do qual o café é transferido lentamente, o que reduz o impacto de um grão sobre o outro. “Isso é inovação da maior importância; não é uma inovação espetacular mas revela uma cultura de gerar métodos novos”, diz Furtado.

Para Furtado, o exemplo da cooperativa de café demonstra que um levantamento sobre ações voltadas para inovação tecnológica não pode limitar-se aos estereótipos. “Quantas empresas brasileiras já contaram com recursos para montar um laboratório de P&D?”, questiona. “A legislação e o regime fiscal não favoreceram; mas quando se olha a partir da ótica mais ampla da inovação vê-se que as empresas têm dentro de si um universo de recursos de inteligência que mobilizam para fazer mudanças sem necessariamente investir na forma mais rigorosa de P&D. Pode não ter pesquisa, mas certamente tem desenvolvimento”.

Em outros setores, os resultados decepcionaram os pesquisadores. É o caso, por exemplo, do segmento de fitoterápicos, que pertence à indústria farmacêutica, setor estudado pela bióloga Mara Pinto, professora da UNESP. “Costuma-se disse que esse segmento é muito promissor mas o que encontramos foi um quadro muito decepcionante em termos de ações para traduzir a riqueza potencial em resultados efetivos”, diz Furtado. Segundo ele, o segmento de produtos formulados apresentou estratégias inovadoras mais interessantes. “Não são coisas sofisticadas do ponto de vista tecnológico mas revelam que as empresas incorporaram em sua estratégia uma preocupação permanente com inovação”.



Linhas de financiamento, a contribuição

Os coordenadores da pesquisa que resultou no Diretório da Pesquisa Privada (DPP) acreditam que uma das principais contribuições do trabalho será permitir a criação de linhas de financiamento adequadas à vasta heterogeneidade que se apresenta no tecido industrial brasileiro. “Não adianta colocar linhas de financiamento para pesquisa que exijam em contrapartida alto nível de atividade de desenvolvimento tecnológico”, alerta Sergio Salles, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp. Segundo ele, isso é bom para alguns setores mas é ruim para outros. “E geralmente esses outros setores geram muito emprego e têm uma boa participação na pauta de exportações”.

Para o economista Sergio Queiroz, do DPCT, coordenador-adjunto da pesquisa, a falta de conhecimento sobre a heterogeneidade da indústria nacional também implica num desenho inadequado para algumas políticas. Ele cita, por exemplo, o caso do setor de informática. “Oferece-se algumas vantagens fiscais às empresas, obrigando-as a investir 5% em atividades tecnológicas. Isso pode ser pouco para algumas e muito para outras, mas o mecanismo do incentivo não estabelece hoje essa diferenciação”.

“Para o processo funcionar temos de ser capazes de compreender as necessidades das empresas e apoiar suas melhores iniciativas”, pondera o economista João Furtado. Isso não significa apoiar apenas a empresa que está na frente; ao contrário, significa apoiar diferentes esforços, entendendo que uma parte fundamental do processo de desenvolvimento da inovação e das preocupações com tecnologia é feita pela concorrência entre as empresas”, observa. “Se num determinado setor não existisse nenhuma empresa preocupada com a inoculação, isso seria mais difícil. Mas se já há alguma empresa preocupada é uma questão de tempo e as outras serão obrigadas a incluir a inovação nas suas trajetórias. Mas as políticas, se bem construídas, podem ampliar, acelerar e reforçar esse movimento”, conclui.

Radiografia da cadeia produtiva

O levantamento também enfoca três setores considerados estratégicos para o desenvolvimento econômico, por atravessarem praticamente toda a cadeia produtiva: semicondutores (estudado pelo professor João Amato, da USP), software (José Roselino, doutorando da Unicamp) e bens de capital (Eduardo Strachmann, da UNESP, e Ana Paula Avellar, doutoranda da UFRJ). Em todos eles os pesquisadores detectaram iniciativas que revelam uma certa preocupação com a inovação tecnológica em suas estratégias, mas ainda insuficiente para impulsionar o desenvolvimento industrial e econômico de forma mais consistente.

No setor de semicondutores, segundo o levantamento publicado no Portal do DPP, pode-se concluir que os esforços tecnológicos realizados pelo conjunto das empresas ainda são “bastante tímidos”, se comparados com as práticas das grandes empresas congêneres de outros países. Estudos do BNDES destacam que o segmento de componentes eletrônicos no Brasil vem apresentando um elevado e crescente déficit comercial, calculado na ordem de US$ 8 bilhões, sendo que o segmento de semicondutores (o de maior densidade tecnológica e importância estratégica) tem representado de 15 a 20% deste valor . O aspecto mais notável do déficit na balança comercial de componentes eletrônicos é, sem dúvida, o seu caráter estrutural, decorrente da quase inexistente fabricação interna desses produtos.

De acordo com o DPP, atualmente é praticamente nula a participação brasileira nessa indústria. “Não existe atividade produtiva relevante de semicondutores na economia brasileira, o que tem provocado elevados déficits na balança comercial do setor. O déficit comercial do complexo eletrônico alcançou US$ 6,4 bilhões em 2000, sendo a rubrica componentes responsável por US$ 3 bilhões desse total”. Para realizar o levantamento, os pesquisadores colheram informações das seguintes empresas: Aegis (São Paulo); Itaucom (Jundiaí); Heliodinâmica (São Paulo); Semikron (São Paulo); Intel (São Paulo); AMD (São Paulo); Gradiente/Genius (Manaus); Motorola (Jaguariúna); NEC (Guarulhos); e AsGa (Paulínia).

No setor de software, o DPP destaca que a atividade é objeto de uma política específica formulada na primeira metade dos anos 90, o Programa SOFTEX, mas ressalva que “esse programa foi incapaz de catalisar um processo mais vigoroso de inserção do software brasileiro no exterior”. O mercado brasileiro de software, que totalizou em 2001 US$ 7,7 bilhões, está situado dentre os maiores do mundo, com valores próximos aos da Índia (US$ 8,2 bilhões) e China (US$ 7,9 bilhões). Deste total, US$ 3,6 bilhões correspondem à comercialização de software produto e US$ 4,1 bilhões software serviços. Entre o período de 1991 e 2001, a participação da indústria de software no PIB passou de 0,27% para 0,71%. Foram pesquisadas as seguintes empresas: Microsoft, Computer Associates, Microsiga, Datasul, RM Sistemas, EverSystems, Dígitro, Logocenter e Módulo.

Em relação aos de bens de capital, a pesquisa conclui que o setor está envolvido em “problemas estruturais graves”, tanto na atuação do governo, via política industrial e tecnológica, quanto na atuação das empresas. Apesar desse quadro, o levantamento identificou sinais de preocupação com a inovação nas estratégia das empresas.

“As empresas vêm incorporando em suas máquinas e equipamentos componentes eletrônicos, na maioria das vezes importados”, diz o DPP. O relatório também cita um levantamento divulgado pela PINTEC: 52,5% das empresas entrevistadas aplicavam recursos na aquisição de máquinas e equipamentos. “Esse fato demonstra dois movimentos no setor de bens de capital: um de empurrar com suas inovações os outros setores e outro de ser empurrado pela demanda de máquinas desses setores, significando uma forte busca pela modernização do setor de bens de capital. Foram pesquisadas as seguintes empresas: Indústrias Romi, B Grob, Weatherford, Voith Paper, Krones, Kvaerner, Usimec, Inepar Fem, Metso Minerals, FMC, Bardella, Durr, e Schuler.

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