Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 257 - de 28 de junho a 4 de julho de 2004
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Pesquisadores da Unicamp divulgam
números que revelam a falta de acessibilidade aos melhores empregos


Pesquisas investigam inserção
do negro no mercado de trabalho

LUIZ SUGIMOTO


Pochmann: Pobreza revela um conteúdo marcadamente racial (Foto: Neldo Cantanti)A propósito do dia 13 de maio, dois professores do Instituto de Economia (IE) d a Unicamp divulgaram trabalhoestudos sobre arelativos à situação dos negros brasileiros nodo mercado de trabalho, com indicadores denunciando o preconceito que preferem chamar de “diferenças de cor e gênero”, para utilizar uma terminologia política e academicamente correta no Brasil. Marcio Pochmann e Waldir José de Quadros, ambos do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), adotam metodologias diferentes – que levam a números diferenciados, mas não contraditórios – e chegam a uma constatação comum: que a falta de acessibilidade aos melhores postos de trabalho torna muito mais difícil para o negro sua ascensão social.

Indicadores mostram que há preconceito

Quadros: a questão de classe está acima da questão de cor (Foto: Antoninho Perri)Em seu primeiro cargo público, à frente dos programas sociais de assistência e geração de renda da Prefeitura de São Paulo, Marcio Pochmann vem tendo a oportunidade de conferir, na prática, a objetividade de suas pesquisas acadêmicas (veja matéria nesta página). “A pobreza no Brasil, além da questão de classe, revela um conteúdo marcadamente racial. Se, no ano de 2001, 46% da população total eram de negros, estes representavam 61% dos pobres (ganhos inferiores a metade da renda familiar per capita média), por 36% das classes médias e por apenas 17% dos ricos (mais de duas vezes a renda familiar média)”, afirma.

Waldir Quadros, por sua vez, opina que a questão de classe está acima da questão de cor: “O engenheiro negro não ganha menos que o engenheiro branco, difícil é o negro se tornar engenheiro”, pondera. Em detalhado artigo escrito originariamente para a revista do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, a respeito das diferenças nos rendimentos pessoais associadas a raça e gênero, o professor constata que “os números evidenciam uma nítida hierarquia que traz no topo os homens brancos e vai descendo para as mulheres brancas, homens negros (e pardos) e mulheres negras”.

Ilustração: PhélixO foco deste ensaio são as diferenças nos rendimentos pessoais associadas a raça e gênero, no Brasil dos últimos anos. Num quadro global de gravíssimas desigualdades sociais, já amplamente reconhecido, evidencia-se uma nítida hierarquia que tem no topo os homens brancos (não negros) e vai descendo para as mulheres brancas, homens negros (e pardos) e mulheres negras.

Obviamente, esta realidade resulta de complexos e interativos mecanismos de discriminação, preconceito, diferenciação, superexploração etc. cuja compreensão requer a análise de suas raízes e determinações histórico-estruturais1. Tal abordagem extrapola os limites deste trabalho, que circunscreve-se ao exame dos seus resultados mais visíveis e imediatos. Na verdade, trata-se mais de uma tentativa inicial de descrever o fenômeno do que de um autêntico esforço de interpretação, apresentando as evidências ainda em estado quase que bruto.


Perfil ocupacional – Pinçando dados da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar), do IBGE, Pochmann mostra que em 2001 o Brasil tinha cerca de 75 milhões de pessoas ocupadas, sendo 41 milhões de brancos e 34 milhões de negros. Do total de 40,7 milhões de assalariados, 56,4% eram brancos e 54,1% negros; um detalhe é que, enquanto 15,9% dos brancos trabalhavam sem carteira assinada, esse percentual subia para 21,4% de negros. Trabalhando por conta própria, tínhamos 8,9 milhões de brancos (21,6% dos ocupados) e 7,8 milhões de negros (32%). Nos níveis inferiores, a presença dos negros se acentua: entre os trabalhadores domésticos com remuneração, são 2,6 milhões (6,3%) de brancos e 3,2 milhões de negros (9,6%); entre os trabalhadores sem remuneração, 4,1 milhões (10%) são brancos e 4,7 milhões (13,9%) negros. (Confira os números na tabela 1).

Quadros: a questão de classe está acima da questão de cor
De acordo com Marcio Pochmann, a desigualdade em termos de inserção no mercado de trabalho, segundo o critério raça/cor, também se manifesta quando se analisam os dados sobre o desemprego aberto: enquanto a taxa de desemprego dos negros é de 10,7%, a da população branca fica em 8,3%. No cruzamento das variáveis, o professor da Unicamp mostra ainda que o desemprego afeta mais diretamente às mulheres negras (13,9%), vindo em seguida as mulheres brancas (10,3%), os homens negros (8,4%) e os homens brancos (6,7%).

Fechando o enquadramento para a cidade de São Paulo, e ampliando o alcance para 2003, Pochmann afirma que as desigualdades de raça na capital aparecem mais expressivas, com uma taxa de desemprego dos negros bem acima da população não-negra: 21,3% contra 16,9%. O pesquisador do Cesit acrescenta que 50% dos negros ocupados no mercado de trabalho vivem em famílias com renda familiar total abaixo de R$ 940, que é a média paulistana, percentual que fica em torno dos 30% para os não-negros ocupados. O pesquisador ressalta um último ponto: “Os negros ocupados tendem a se concentrar nos empregos sem carteira ou domésticos. Quase 14% dos negros ocupados em São Paulo estão vinculados a empregos domésticos, contra apenas 4% de não-negros”.

Hierarquia racial – Munido de dados primários das Pnad de 1992 a 2002, o professor Waldir Quadros mostra tabelas com grupos ocupacionais – do empregador ao trabalhador não remunerado, passando por autônomos, classe média assalariada e empregados domésticos – e seus níveis de renda: o superior, acima de R$ 2.500; o médio, entre R$ 1.250 e R$ 2.500; o baixo, de R$ 500 a R$ 1.250; o inferior, de R$ 250 a R$ 500; e o ínfimo, abaixo de R$ 250. Segundo o pesquisador, o quadro mais geral da hierarquia social, tendo no topo os homens brancos com 100% de rendimentos, mostra que os homens negros obtêm 47% desses rendimentos e as mulheres negras, somente 31%. As mulheres brancas percebem 62% dos rendimentos dos homens brancos.
Veja a tabela no tamanho original

O pesquisador, porém, atenta para o fato de que dentro de um mesmo grupo ocupacional – como por exemplo o da classe média assalariada – os negros (homens ou mulheres) gozam praticamente dos mesmos rendimentos que os brancos. “As distorções, portanto, estão fundamentalmente nas condições adversas de acesso às ocupações melhor remuneradas”, conclui. Observando o cenário de 2002, Waldir Quadros observa que apenas 29% dos negros ocupados (homens e mulheres) se inseriam num padrão de vida de baixa classe média, proporção que cai para 20% na média e alta classe média.

Por outro lado, a concentração de homens negros nas camadas com renda menor que R$ 500 passa de 70%, e de mulheres negras, de 80%. “Majoritariamente, os negros não passam das camadas inferiores. Caberia discutir, então a raiz dessa discriminação: por que o negro não chega?. É uma discussão que não está nos dados. É um tema cheio de sutilezas e, pessoalmente pretendo retornar a Florestan Fernandes e outros autores para amadurecer a idéia de que a questão de classes predomina em relação à cor e gênero. A mensagem principal é: tem discriminação, mas ela está principalmente no acesso”.

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(Footnotes)
1 Nossa referência mais geral encontra-se em FERNANDES, Florestan (1.978). Bastante sugestivas são as abordagens de HASENBALG e VALLE e SILVA (1.988).

* A preços de janeiro de 2.004; deflator INPC corrigido, IPEA/CESIT. Neste estudo considera-se a totalidade das rendas declaradas, seja na ocupação principal ou nas demais.

Universalidade para atender os excluídos

A cidade de São Paulo tem uma população formada por 30% de negros, mas este índice praticamente dobra entre as pessoas que precisam recorrer aos programas sociais do município para sobreviver. “A natureza dos nossos programas é a universalidade. Não temos critérios de cotas, nem achamos que sejam necessárias, pois o objetivo é atender a todos os inscritos que cumpram os requisitos da legislação. Ocorre que a universalidade acaba sendo uma forma de atender desigualmente os desiguais”, afirma Marcio Pochmann, professor da Unicamp e secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade.

Pochmann explica que, se os programas sociais estão pautados pela universalização no atendimento, também promovem um corte de renda (linha de pobreza) e iniciam o cadastramento pelos distritos mais vulneráveis (segundo critérios de maior desemprego, violência e concentração da pobreza), priorizando os segmentos com inserção mais precária na sociedade. “Os programas acabam atingindo os mais pobres dentre os pobres, contribuindo para atenuar a desigualdade racial”, afirma. Segundo o secretário, dentre os 275 mil beneficiários dos programas sociais de São Paulo nos anos de 2001 e 2002, 145 mil eram negros ou pardos.

O pesquisador do Cesit explica que, desde o início de sua gestão, a perspectiva era de atuar em toda a cidade. Diante da escassez de recursos, criou-se um índice de exclusão social que possibilitou visualizar uma hierarquia geográfica de implementação de programas. “Hoje estamos em 68 dos 96 distritos e, em pouco mais de um mês, estaremos em todo o município com os programas de transferência de renda associada à capacitação. Atualmente são 330 mil beneficiários, com a meta de atender 450 mil pessoas até o final do ano”, informa.

Acadêmico sem experiência anterior em cargos públicos, Marcio Pochmann admite que esse detalhe tornava a implementação de programas sociais em São Paulo ainda mais desafiadora, além do que, fora convidado para estruturar uma secretaria inexistente até então. “Tivemos que partir do zero. Minhas pesquisas na Unicamp têm sido um dos principais guias, servem para objetivar as ações. Me deixa impressionado que se façam políticas públicas sem conhecer a realidade. Talvez por isso o Brasil esteja fracassando tanto nessa área”, critica.

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