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Pesquisadores descobrem os acrilatos de açúcar,
polímeros biodegradáveis e menos nocivos à saúde

Do açúcar, tudo o que
se obtém do petróleo

LUIZ SUGIMOTO

A professora Telma Franco (à esquerda), coordenadora do Laboratório de Engenharia Bioquímica, ao lado das pesquisadoras Junko Tsukamoto (centro) e Denise Silva de Aquino: em busca de novos "blocos construtores" (Foto: Antoniho Perri)O etanol é a estrela do momento nesta odisséia por fontes renováveis, mas os pesquisadores preparam algo mais doce para atenuar os efeitos da escassez futura do petróleo e seus impactos ambientais. Em uma das receitas, a professora Telma Teixeira Franco e seus orientados da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, como num jogo de Lego, ligam moléculas de açúcar com moléculas de ácido acrílico, buscando o que chamam de “blocos construtores” de novos materiais.

Gel desperta interesse
de grandes empresas

O objetivo é produzir acrilatos de açúcar com propriedades interessantes para a indústria. A sociedade moderna vai compreender imediatamente a importância desses polímeros, ao saber, por exemplo, que eles permitiriam a fabricação de fraldas descartáveis e de absorventes higiênicos biodegradáveis, ou de produtos cosméticos e de materiais para implantes que não tragam efeitos nocivos à saúde.

No caso dos acrilatos convencionais, suas inúmeras propriedades são obtidas a partir da polimerização das moléculas do ácido acrílico, que é uma fração refinada do petróleo. Dele se formam os “blocos secundários”, como os acrilatos, que ganham as formas e consistências necessárias para sua utilização em tintas, solventes, plásticos moldados, coberturas de residências e em uma infinidade de outras aplicações.

“Elaboramos uma lista dos produtos químicos mais comercializados no mundo e o ácido acrílico é uma das principais commodities. Os dados de 2003 indicam a comercialização de 4 milhões de toneladas/ano, movimentando 8 bilhões de dólares. O Brasil não produz este insumo e é um grande importador”, informa Telma Franco.

Foi no Laboratório de Engenharia Bioquímica, coordenado pela professora da FEQ, que ficou demonstrada a possibilidade de desenvolver acrilatos a partir do açúcar. Ali, a então doutoranda Junko Tsukamoto, co-orientada pelo também professor da unidade Gustavo Paim Valença, ao ligar moléculas de ácido acrílico e de açúcar, percebeu a formação de um gel, fenômeno que logo interessou a duas grandes empresas químicas.

“A molécula do açúcar é rica em grupos hidroxílicos – que são bastante ativos quimicamente bastante ativos e têm a propriedade de reagir e formar novos materiais. Nós estamos maximizando esta reação. A expectativa é de obtermos materiais interessantes para a fabricação de produtos renováveis”, prevê Telma Franco.

A pesquisadora pede que imaginemos as cinco moléculas de ácido acrílico como se fossem cinco meninas em roda, estendendo um braço até a molécula de açúcar ao centro. Se cada menina estender o outro braço para fora, vai permitir que outra criança (molécula) se junte à roda, e assim sucessivamente. “Raciocinando dessa maneira, podemos produzir polímeros mais versáteis”.

A versatilidade é fundamental. A professora observa que, no caso da fralda descartável, é interessante que ela seja biodegradável – portanto, com ligações de açúcares que sejam facilmente destruídas pela natureza. Já para a produção de tintas ou de implantes para regeneração de pele, a composição deve visar justamente à durabilidade para um produto mais estável.

Chegar até tais polímeros, no entanto, não é tarefa fácil. Os testes realizados no laboratório possibilitaram índices de até 94% de conversão em insumo, percentual elevado em comparação com os obtidos por outros processos. “Mas, para ligar quatro ou cinco moléculas de açúcar, as conversões ainda são baixas. Há vários desafios químicos e tecnológicos a vencer para alcançar o que almejamos”.

Coisas da natureza – Antes de optarem pela ligação química, Telma Franco e seus pesquisadores procuraram descobrir por que o ácido acrílico – molécula relativamente simples, com três carbonos – não é produzido naturalmente por microorganismos. O processo de fermentação permite obter, por exemplo, o ácido lático – açúcar que vem do leite, das frutas (glicose) e da cana (sacarose).

“A explicação, que já publicamos em revista especializada, é puramente energética. O microorganismo produz e expele o ácido lático para se proteger contra outras bactérias. Mas para realizar a próxima etapa (uma desidratação) e transformar o ácido lático em ácido acrílico, o microorganismo não ganha energia com isso, ao contrário, perde. Se em seguida produzisse o ácido acrílico, que é mais tóxico, ele próprio não suportaria”, esclarece Telma Franco.

Tecnicamente, pode-se viabilizar esta rota microbiana induzindo o microorganismo a “lidar” com o ácido acrílico, mas isto exigiria altos investimentos. “Achamos que desenvolver um processo de fermentação, além de difícil, é um esforço muito grande para as condições brasileiras”.

A relação entre custo e benefício também está adiando a produção de acrilatos a partir da glicose, que vem apresentando 90% de conversão. “Já comprovamos que dá para produzir acrilatos de açúcar. Agora, temos outro desafio colocado pela natureza: saber por que isto não é possível com a sacarose, justamente o açúcar mais barato e que pode fazer com que a produção de acrilatos valha a pena”. Inclusive, este é o tema estudado pela doutoranda Denise Silva de Aquino, também co-orientada pelo professor Gustavo Valença.

Plataforma do açúcar – Apesar dos obstáculos à frente, a professora Telma Franco dá a entender que a substituição da plataforma de petróleo pela chamada plataforma do açúcar é uma questão de tempo. “Os produtores asseguram que ainda teremos petróleo por muito tempo, mas o fato é que a exploração ocorre cada vez mais para o fundo do mar, tornando o produto caro”.

Na opinião da pesquisadora, a não ser que se volte a descobrir petróleo ao custo de 20 ou 30 dólares o barril (hoje em torno de 70 dólares), as próprias indústrias químicas incrementarão os investimentos – que já são pesados – na plataforma da fonte alternativa. “Existem análises econômicas indicando o valor do petróleo a partir do qual as indústrias devem mudar de rota”.

Conceitualmente, a plataforma do açúcar envolve a quebra de biomassa nos componentes básicos – proteínas, lipídeos, açúcares e outros – utilizando uma variedade de processos químicos e biológicos. Incluem-se neste âmbito as biorrefinarias, que devem ser capazes de produzir não apenas combustível, mas toda uma gama de produtos químicos e outros materiais, a custos compatíveis com os métodos convencionais.

Segundo Telma Franco, a biotecnologia é o tema recorrente em todos os encontros nacionais e internacionais de que participa. Os europeus, inclusive, já atribuíram cores por área de aplicação, como a biotecnologia verde na agricultura (sementes, defensivos, adubos) e a vermelha na saúde (medicamentos, vacinas, soros).

A área da pesquisadora da FEQ é a branca, voltada para produtos industriais. “Não gosto do termo. Para evitar conotações indevidas no Brasil, prefiro denominar meu trabalho como de biotecnologia industrial”.

Promovendo a química do etanol,
ao invés de simplesmente queimá-lo

A professora Telma Franco defende com entusiasmo a idéia de o Brasil implantar uma plataforma pesada do açúcar, como estratégia desenvolvimentista. Embora considere plenamente justificável a euforia com o futuro oferecido pelo etanol no mercado mundial, a pesquisadora cobra do governo uma linha de financiamento de pesquisas que tornem o açúcar a base de produtos de maior valor agregado.

“Já temos uma tecnologia enorme e muito eficiente para produzir etanol, sendo que inúmeros produtos podem ser obtidos a partir dele próprio, apenas adaptando as plantas. Hoje, já não é necessário fazer tudo por fermentação, tendo surgido rotas que passam por reações químicas. Ao invés de apenas queimar o etanol, o país precisa promover a química do etanol”, justifica.

Este campo, conhecido como alcoolquímica, parece atrair apenas as grandes indústrias químicas, que já investem no Brasil de olho no etanol como matéria-prima para a produção de resinas, plásticos, adubos, aditivos em alimentos e medicamentos, para ficar em poucos exemplos. “Essas indústrias vêm colocando muito dinheiro no setor porque todas estão preocupadas com a falta de petróleo. E, desde sua criação, a FEQ vem desenvolvendo pesquisas e tecnologia nesta área”.

De acordo com a professora da Unicamp, mesmo as empresas petroquímicas, reconhecem que muitas de suas plantas industriais podem ser adaptadas para o refino de biomassas, como a cana no Brasil, o capim e a palha na Europa e o milho nos Estados Unidos.

Pesquisas – Telma Franco observa que a maioria das indústrias químicas multinacionais possui fábricas no Brasil, mas mantém seus pólos de pesquisa no país de origem, unindo-se às universidades locais. “Pouca pesquisa é realizada aqui. Empresas européias e japonesas estão comprando usinas e instalando as fábricas ao lado, prontas para exportar produtos que têm um mercado fabuloso. Isto é angustiante”.

Recentemente, a pesquisadora preparou um artigo em que procurou levantar quanto o Brasil já caminhou nesta rota do açúcar. “Obviamente, temos muito em etanol, mas pouco na produção de outros blocos construtores. Um caso de muito sucesso foi o desenvolvimento do plástico biodegradável polihidroxialcanoato brasileiro, em fase de pré-escala comercial. Muitas tentativas para outros produtos derivados da cana não foram em frente, com empresas desistindo dos projetos porque o petróleo ainda estava barato”.

A professora estima que há muita tecnologia guardada no Brasil, mas que carece de aprimoramentos que dependem do incentivo a novas pesquisas. Enquanto isso, os Estados Unidos, que estavam atrasados na questão das fontes renováveis, passaram a despejar dezenas de milhões de dólares nas indústrias, biorrefinarias e projetos de pesquisa.

“O Brasil é o país dos superlativos. Pensamos que somos o melhor e maior produtor de etanol, quando ainda temos muito a melhorar. Dia desses, pesquisadores americanos me presentearam com canecas de plástico. Era plástico do açúcar do milho”, atesta Telma Franco.

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